TRECHO:
Prefácio
Sempre notei em meus seminários sobre o “Despertar da
Consciência”, a mudança de interesse das pessoas quando
abordava a análise e interpretação dos sonhos. O tema, quando
surgia, provocava imediato interesse e fazia mudar o rumo dos
assuntos. Isso me motivou a incluir no ciclo de temas da
Fundação Lar Harmonia um seminário específico sobre sonhos,
levando-me a escrever mais sobre o assunto. Não tenho a
pretensão de trazer tudo sobre os sonhos, pois o tema é
extremamente vasto e complexo. Aqui o abordo de forma
sintética em face do pouco que conheço sobre o seu sentido e
significado. O leitor poderá buscar uma melhor compreensão indo
direto às fontes onde me inspirei, constantes na bibliografia ao
final, e, principalmente, na obra de C. G. Jung.
O crescente interesse pelos sonhos em nosso século e o
aumento de estudos e publicações sobre o tema são reflexos de
uma mudança paradigmática que está ocorrendo em nossa
civilização. A crescente valorização do feminino, o aumento da
subjetividade, a procura pelas artes, o surgimento de uma nova
Física, as abordagens holísticas e transpessoais são, dentre outros
fatores, responsáveis por essa revolução no campo da Psicologia
que, de uma forma ainda acanhada e lenta, tenta alcançar os
avanços da ciência psíquica.
A vulgarização dos estudos sobre os sonhos parece
também revelar essa mudança de paradigmas. O tema, então
restrito aos psicólogos e médicos, alcança o domínio público,
interessando cada vez mais o ser humano comum, desacostumado
com os livros clássicos e descompromissado com teorias
complexas e que, muitas vezes, não têm sustentação prática. Os
sonhos, sobretudo os premonitórios, suscitam o interesse público
e provocam o abandono de teorias preconcebidas cuja
preocupação básica é a negação de sua possibilidade ou o
engessamento a dogmas ultrapassados.
Todos sonham, seja de forma premonitória ou não, e isso é
incontestável face à sua comprovação científica, o que nivela
coletivamente os seres humanos num padrão único de atividade
psíquica, sem distinção de qualquer natureza. Pode-se dizer que o
fato de todos sonharmos estabelece uma conexão transcendente
entre nós.
O desejo de que algo futuro se realize, tendo sido tomado
popularmente como sendo um sonho, transformou o termo
(sonho) em sinônimo de algo quimérico ou fantasioso. Em alguns
idiomas, a origem da palavra está associada aos termos “errante”
e “vagabundear”, porém isso não altera o significado verdadeiro e
real dos sonhos. Muito embora paire uma atmosfera de
irrealidade quando se comenta sobre sonhos, sobretudo entre
leigos, eles expressam, de forma sincera e objetiva, sem
subterfúgios ou dissimulações, o estado real do psiquismo do
indivíduo.
Neste trabalho evitei apresentar casos ou análises de
sonhos de meus pacientes, a fim de não estimular certas
identificações que geralmente se fazem e que levam alguns a
acreditar que as interpretações sempre funcionam da mesma
forma para com todos. A análise e o estudo de seus sonhos
serviram-me como pano de fundo para a compreensão melhor da
ciência dos sonhos.
O mundo mental ou o mundo dos pensamentos,
sentimentos, fantasias, etc., é o mesmo mundo dos sonhos, pois,
estando-se acordado ou dormindo, a vida obedece às leis da
subjetividade interior. Venham de onde vierem, sejam resultantes
fisiológicos ou não, a vida é comandada pelo que se elabora
psiquicamente. O mundo psíquico é completamente simbólico. A
realidade, para o mundo psíquico, é constituída de símbolos e
não das coisas em si. Tudo no inconsciente se passa dentro de um
ambiente de imagens, de raciocínios lógicos, de sentimentos e
intuições, fora do domínio da consciência, em face de sua
limitação à concentração e à exclusão do todo. O meio ambiente
externo ao mundo psíquico é pouco relevante, salvo para gerar
aquelas imagens e idéias, pois tudo se passa a partir do que é
apercebido e não do que está posto em si. Partindo desse
princípio, o real é o psíquico, pois é a partir dele que se elaboram
respostas ao mundo dito externo a ele. O mundo objetivo do
psíquico é exclusivamente simbólico. O mundo das coisas em si é
subjetivo ao mundo psíquico. O que existe em nós são
representações de imagens diferentes daquilo que percebemos
como sendo o mundo.
Os sonhos fazem parte daquele mundo objetivo do
psiquismo. Eles são uma realidade em si para o mundo psíquico,
que, efetivamente, comanda a vida. Dizer-lhes inconscientes é
mera questão de relatividade com o ego vígil. É no mundo dito
inconsciente que se elaboram as decisões para o mundo dito
consciente e vice-versa.
Para investigar aquele mundo dito inconsciente tem-se que
lançar mão de uma série de ferramentas. Uma delas é o sonho. As
outras são: os complexos, os atos falhos, desenhos, pinturas,
meditações, trabalhos com argila (esculturas), discursos verbais,
testes projetivos, etc. Todos eles são válidos e não vejo qualquer
ordem de importância de um em relação aos outros, pois cada
indivíduo estabelece seus mecanismos de defesa que não
permitem a acessibilidade de seu mundo psíquico profundo, por
este ou aquele motivo.
Os sonhos são retratos instantâneos da vida psíquica do
sonhador, cuja lente fotográfica é ele próprio e o material plástico
é colhido do inconsciente. São como espelhos sensíveis da
situação psicológica do indivíduo. Eles são fonte de cura e de
crise ao mesmo tempo. Curar-se para iniciar um novo ciclo de
crescimento. Crise pela necessidade de mudança. Os sonhos são
sempre mensagens simbólicas cujo conteúdo está a serviço de um
propósito evolutivo. Em cada sonho está implícita uma idéia
diretora e significativa para a vida do sonhador.
Os sonhos são metáforas da vida real, elementos de uma
linguagem poética e genuína da vida psíquica do sonhador, que
nunca cessa, nem se submete às contingências egóicas. São
fenômenos tão complexos quanto a consciência o é. Ultrapassam
o conceito de serem simples mensagens e recados para que o ego
possa melhor dirigir sua vida de relações, pois são estruturas vivas
e consistentes da personalidade que se desenvolve
inexoravelmente.
O mundo dos sonhos nos auxilia a entender o mundo
externo, dito objetivo, material, concreto. O sentido da vida não
se explica pelos fatos referentes a esse mundo constituído pelos
fatos do cotidiano. Eles são apenas fragmentos conseqüentes do
pensar humano. Os sonhos, ao contrário, nos apresentam
aspectos da totalidade objetiva do viver.
Os sonhos permitem a reunião de experiências
emocionalmente assemelhadas, desconectadas ou não no
inconsciente, necessitando de elaboração na consciência. Por
mais que estudemos todos os aspectos sobre sonhos, eles ainda
se constituem um envolvente mistério para a alma humana. Suas
metáforas visuais nem sempre acompanham a lógica do ego,
preocupado em lhes aplicar sua coerência rígida e convencional.
Durante a confecção deste trabalho, já na sua fase final,
faltando apenas algumas inserções de notas sobre os conceitos de
Jung, sonhei que corrigia uma frase de um determinado trecho
deste material que escrevia ao computador. No sonho, via a frase
constituída por uma única palavra que necessitava ser separada
por espaços e pela inserção de vogais. Quando acordei, decidi
não interpretar o sonho, mas aproveitar a energia intensa de que
fui acometido ao levantar-me pela manhã. Fui direto ao
computador e concluí o texto rapidamente, pois acreditava que
ainda ia me demorar algumas semanas. Aprendi a desenvolver
motivações a partir da disposição ao acordar e, certamente,
aquele sonho motivara-me a finalizar este trabalho, inserindo o
que faltava como a brevidade das vogais.
Sempre me questionei: – Por que os sonhos exercem tanto
fascínio nas pessoas? Não há quem não deseje a interpretação de
um sonho que teve. O surrealismo presente sempre se constituiu
num enigma até então insolúvel ou parcialmente esclarecido
através das diversas teorias oníricas. Esse fascínio provavelmente
advém da natureza essencial penetrada pelos sonhos, que
consegue remeter o sonhador à sua própria origem. Por muito
tempo se associou o sonho ao feminino, ao prazer, ao mistério e
ao transcendente, e esses são temas importantes do ser humano
moderno. Desvendar mistérios constitui-se num desafio às
explicações do significado da vida. Dessa forma, os sonhos
penetram na possibilidade de que, sendo explicados, possa
alcançar-se respostas há muito procuradas sobre a essência da
vida.
Cada vez mais percebo que as escolas psicológicas, bem
como a sabedoria popular, as afirmações da Psicologia
Transpessoal e as contribuições do Espiritismo, no seu conjunto,
apresentam uma razoável idéia de como entender e trabalhar com
os sonhos. Qualquer dessas abordagens, mesmo aquela que nos
pareça a mais completa, tomada em particular, significaria um
seccionamento fragmentário sobre o conhecimento ainda
incipiente do mundo dos sonhos, o que impediria a percepção de
sua riqueza e de sua importância para o desenvolvimento psíquico
do ser humano.
As interpretações psicológicas que se dêem, nos casos dos
sonhos que apresentem fenômenos considerados como
experiências fora do corpo e que apontam para uma realidade
extrafísica de natureza espiritual, não estarão erradas ou
equivocadas, pois tais fenômenos se processam com o humano, e
como tal, sujeito a uma dinâmica psíquica, quer seja considerado
“vivo” ou “morto”. Há sempre uma instância inconsciente onde
eles se produzem. A Psicologia não se furta a estudar tais
fenômenos quando eles se tornam objetos de saber e não crença
mágica em algo “sobrenatural”. A priori, não se pode excluir
qualquer idéia, mesmo que ela nos pareça inverossímil.
Nenhum trabalho é obra de uma só pessoa. Seu
inconsciente é constantemente contaminado pelos conteúdos
assimilados de suas relações com seus semelhantes. Quem pode
dizer que o que pensa ou sente não é também fruto de das
contaminações a que está sujeito, sem se equivocar ou resvalar
pelo egocentrismo? Este trabalho portanto, além das
colaborações oriundas de várias fontes e pessoas, teve a
participação direta de amigos queridos aos quais explicitamente
agradeço. A Rosana pela ajuda na pesquisa, a Lahiri, Rita e Sueli,
pela revisão, a Sílzen pela complementação do conteúdo e aos
meus pacientes pelo material onírico fornecido.
Salvador
Março de 1998
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