sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O secretismo dos de Bilderberg

Os clubes são uma das formas mais originais de juntar pessoas em torno do que supostamente é o seu interesse. Nos tempos de hoje, o conceito remete directamente para o futebol e afins, mas já foi outra (outras) a vocação.
O clube clássico corresponde à ideia e imagem daqueles lugares selectos onde os senhores se reuniam para conversar, beber, jogar, ou ler, entre o mais – que até podia, esse “mais”, constituir a razão de ali se juntarem os “Carlos” e não os “pensadores”.
Sim, porque sob o signo dos nomes de baptismo se constituíram agremiações, como também na adesão a nome e princípios de altos filósofos, políticos, sociólogos, etc.. E, claro, juntam-se pessoas à sombra da actividade política – a forma partidária é a preferida –, da economia, da actividade profissional – e aí chamam-se sindicatos.
Associações em queda, estas – os sindicatos –, em resultado de uma actividade e influência vertiginosas imprimidas pelos vários clubes que reúnem as vontades, desejos e forças dos principais oponentes – os patrões, os influentes da economia de mercado, os políticos que concebem a sociedade organizada em padrões capitalistas. Ou seja, em que o primado é o do dinheiro, o dos detentores da sociedade.
Os clubes, sob esta designação ou não, que congregam a vontade dos “trutas” – os que podem, querem e mandam – seguiram em direcção e velocidade diferentes. Os “grandes” do mundo, os nomes sonantes da economia, política, sociedade, multiplicaram os seus grupos de discussão, mais ou menos visíveis, mais ou menos ostensivos. Por sectores, por regiões, e até, a nível mundial.
“Em 1954, os homens mais poderosos do mundo reuniram-se pela primeira vez sob os auspícios da Coroa holandesa e da família Rockfeller no luxuoso hotel Bilderberg, na pequena cidade holandesa de Oosterbeek”, assinala Daniel Estulin nesta análise ao clube que tomou o nome do hotel de lançamento.
Aqui temos um exemplo de como o “global” de hoje aparece como uma declinação do “mundial” de ontem, por conveniência dos participantes. Embevecidos por essa demonstração de união e força, os poderosos do mundo que então havia logo deliberaram repetir a dose, ano a ano, e em local de não menos luxo – grande quer-se grande em tudo. Afinal, a lista de comparências comporta cargos de presidentes dos maiores países do mundo, primeiros-ministros, banqueiros internacionais, generais e outros que tais.
Tinham razão, de certo modo, porque representavam as regiões que realmente detinham o poder e estavam em condições de discuti-lo, avaliá-lo, planeá-lo, influenciá-lo. Mas cá para fora, logo à primeira, acharam melhor manter a discrição: o que eles pensam do mundo e do melhor modo de o dominarem não é assunto para cair no domínio (do) público. Afinal, o segredo é a alma do negócio para todos.
O autor desta obra foi um dia levado a interessar-se pelos de Bilderberg, fórum de discussão precursora de reuniões regulares, e mais abertas, como a de Davos, do G-8 (que reúne um número maior ou menor de grandes países do planeta, conforme o tema e a preocupação), ou a Trilateral. Alguns deles com objectivos, motivações e leituras da situação que pouco se distinguem.
Uma das características dos encontros clubísticos de Bilderberg que mais desafiou Estulin foi o silêncio final que os rodeava. Era como se nada se tivesse passado. “É certamente curioso que não haja um único agente na indústria da comunicação social a considerar que um encontro de tais figuras, cuja opulência ultrapassa em muito a riqueza combinada de todos os cidadãos dos EUA, seja digno de menção, quando uma deslocação de qualquer um deles sozinho chega a passar na televisão”, escreve na introdução do livro.
Durante 15 anos de investigação – “trabalho de uma vida” –, Estulin foi penetrando “as camadas de segredo” que constituem o grupo de Bilderberg, com apoio do que chama “objectores de consciência”, lá dentro, e os membros do clube, cá fora. E assim foi cimentando a opinião de que este clube é uma ameaça: “Cada nova medida, vista por si só, poderá apenas parecer uma ligeira aberração, mas todo um conjunto de mudanças, parte de um contínuo, constitui uma mutação tendente à escravatura total”, avalia.
E tudo isto porque, entende o autor, os ideais da primeira reunião ficaram para trás e o clube tornou-se “um governo-sombra a nível mundial que decide no maior sigilo, em reuniões anuais, como executar os seus planos”. Mais, não aceita intromissões, e Estulin relata mesmo o que tudo indica ter sido uma tentativa de o fazerem descer um arranha-céus de Toronto pela caixa do elevador – sem cabina nem pára-quedas.
Seria o preço, a ter morrido, do incómodo causado por ter começado a arranhar a porta dos senhores. Seria o preço de saber alguma coisa do que é o Bilderberg por dentro. Mas ele sobreviveu e pode agora lembrar que não faltam motivos de debate e reflexão a quem entende que há sempre “necessidade de mudança de regime algures no mundo – quer para manter um estado providência quer para corrigir circulações de capital desestabilizantes”.
Em 1954, o mundo procurava os caminhos da reconstrução, mas os senhores da paz estabelecida sobre a derrota alemã não esqueciam a Grande Depressão como exemplo de uma crise económica grave, que podem ser evitadas “se houver líderes responsáveis e influentes a gerir os acontecimentos mundiais por detrás da sua postura pública necessária”. Era esta a crença aprovada pelo Príncipe Bernardo dos Países Baixos, e foi por isso que lhe encomendaram a reunião.
O historial do grupo, possível de ser conhecido, é um dos principais aliciantes do livro. Estulin conta o que sabe da estrutura e funcionamento da organização, e do que constitui motivo de discussão e análise, seguindo os ditames da actualidade.
A título de exemplo, vejamos como em 2006 a questão do petróleo constituía motivo de discussão no seio dos convivas da reunião realizada em Otava, Canadá. Nesse ano, a par da energia, as cabeças estiveram motivadas pelas relações europeias e americanas, Rússia, Irão, China, Médio Oriente, terrorismo e imigração.
Mas seriam o petróleo e o gás natural a centrar as atenções: “Será que temos, pelo menos, mais cem anos de reservas de petróleo, um bom amortecedor, enquanto procuramos uma solução exequível?”, perguntavam-se os convivas, no Hotel Brookstreet, face à finitude dos recursos conhecidos.
Uma angústia entre outras atravessava as discussões, as conversas: seriam fiáveis os dados conhecidos sobre as reservas ainda existentes? Depois, dada a inevitabilidade do seu esgotamento, quaisquer que sejam as suas dimensões, “o fim do petróleo traduzir-se-á no fim do sistema financeiro mundial?”
Dúvidas dilacerantes, estas, numa altura em que a Goldman Sachs (“outro actor a tempo inteiro da elite Bilderberg”) aumentava os intervalos expectáveis do preço do petróleo no ano 2005-2006 da casa dos 55-80 dólares então para 55-105. Mas os Bilderberg, nessa reunião, já viviam no horizonte dos 150 dólares por barril. Chegar-se-ia a esse número em 2008.
O mesmo com a Reserva Federal Americana: agigantavam-se os receios com a bolha dos fundos americanos e adivinhava-se o fim trágico da tanta especulação. “O problema é que, se agora os preços elevados do petróleo desencadearem um processo inflacionário, esta bolha poderá rebentar, causando perdas importantes aos investidores, especialmente o sector da banca e os donos de fundos de capitais de risco, despoletando pelo caminho crises financeiras tão devastadoras em âmbito e magnitude quanto a crise asiática de 1997”, assinala Estulin, entre as conclusões da reunião de há três anos.
Afinal, os poderosos do mundo estavam avisados, e certamente não eram eles quem andava por aí a injectar os biliões que se volatilizaram na crise que atravessamos. Volatilizaram?

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Daniel Estulin
O Clube de Bilderberg
Publicações Europa-América, 23,90€

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