
Mas não só. Também a regras do casamento inerentes às diferentes religiões provocam, ainda hoje, profundas divisões. Recorde-se as recentes declarações do Cardeal Patriarca de Lisboa sobre o casamento de católicas com muçulmanos, que vieram relançar o debate sobre casamentos inter-religiosos, com toda a polémica e paixão que o tema naturalmente suscita.
Vem isto a propósito de “Reencontro no Deserto”, de Helle Amin, uma dinamarquesa a quem o marido saudita raptou os filhos. O livro é isso mesmo: o relato do drama de uma mãe a quem levam os filhos e da sua aventura para reavê-los – sem falsas pretensões estilísticas ou enredo elaborado para manter a atenção do leitor.
Helle põe a sua vida a nu sem os falsos pudores tão habituais nas culturas mediterrânicas. Não pretende dar de si a imagem de mulher recatada e ingénua. Tem atrás de si uma vida da qual não se envergonha: amigos, viagens, relações amorosas e experiências sexuais não são escamoteadas, com a convicção de que independentemente da sua opção de vida o que lhe aconteceu foi uma enorme injustiça.
E o que lhe aconteceu foi chegar a casa um dia e ver os quartos dos filhos vazios. Helle vivia então na ilha de Bali com o marido e os quatro filhos – os gémeos Max e Alex, de dez anos, Zak, de oito, e Adam, de cinco anos. Segundo conta, o relacionamento do casal atravessava já uma fase difícil, com o marido a exercer sobre ela uma enorme violência psicológica, deixando-a sem dinheiro, gritando-lhe e menosprezando as suas ideias e acções. A imagem que transmite daquele que foi seu marido é a de um homem brutal, com todos os defeitos possíveis.
Apesar disso, Helle nunca imaginou que inesperadamente e à sua revelia o marido fugiria para o país de origem, a Arábia Saudita, levando consigo os filhos de ambos.
Helle confessa que A partir desse momento viveu um verdadeiro pesadelo. Primeiro sem saber onde estavam os filhos, e, depois de saber, sendo proibida de vê-los e mesmo falar com eles pelo telefone.
Mas a sua odisseia estava apenas a começar. Teve de vencer a indiferença das autoridades de ambos os países – da Arábia Saudita e, também, do Reino Unido (onde viveu, conheceu o marido e regressou) –, a burocracia e, mais difícil, as normas de um país islâmico onde a mulher não tem direitos. Helle não desistiu e ao fim de 16 meses conseguiu reaver os filhos e levá-los de volta a Inglaterra, onde actualmente tentam, juntos, começar uma nova vida.
Ao aceitar escrever “Reencontro no Deserto” (auxiliada pelo jornalista David Meikle), o objectivo de Helle Amin foi, através da sua experiência, dar apoio a muitas outras mães cujos filhos também foram raptados por um familiar, mas que não tiveram (ainda) a sua “sorte”: recuperá-los. Aliás, os últimos capítulos são dedicados ao relato de algumas dessas mulheres com quem contactou.
Um testemunho que vale de alerta para um drama tantas vezes ignorado – apesar das histórias, dos relatos, dos filmes. Porque a realidade é bem mais impressionante do que a ficção.
----------------------------
Helle Amin
Reencontro no Deserto
Quidnovi, €14,90
Helle Amin
Reencontro no Deserto
Quidnovi, €14,90
Nenhum comentário:
Postar um comentário