terça-feira, 9 de junho de 2009

Uma longa viagem com José Saramago – João Céu e Silva

Título: Uma Longa Viagem com José Saramago

Autor:
João Céu e Silva

N.º Págs.: 416

PVP: 19 €




Sinopse


José Saramago, Prémio Nobel da Literatura em 1998, é certamente o escritor português mais traduzido, e mais lido, no estrangeiro. E, no entanto, talvez não seja tão profundamente conhecido no seu próprio país como seria de esperar. Portugal reconhece-o pelos livros que escreveu e que surpreenderam muitos milhares de leitores, mas desconhece-o porventura em muito da sua intimidade e até do seu pensamento. Durante as dezenas de horas de conversas sem tabus de que resultou Uma Longa Viagem com José Saramago, procurou-se ir além de algumas verdades feitas sobre o autor que reinterpreta o Evangelho, que optou pelo exílio ou que profetiza a inevitabilidade da União Ibérica.

As respostas de José Saramago foram analisadas por vinte e quatro outros entrevistados, que comentam as suas declarações e a sua prática da escrita, tudo isto num cenário de reportagem dos lugares por onde a sua vida passou e de investigação e análise da sua obra.

Há palavras nunca ditas e outras reditas sob o olhar da actualidade. Sem reticências, como compete a quem durante tão grande conversa começou e acabou um novo livro, e a meio achou que não teria mais vida para terminar o desafio de se revelar num diálogo pouco habitual por tão extenso.

Uma Longa Viagem com José Saramago, da autoria de João Céu e Silva, é o resultado de dezenas de horas de conversas, realizadas ao longo de dois anos, e tendo como cenários o Bairro do Arco do Cego, Azinhaga, Mafra e Lavre, sem esquecer Lanzarote. Um livro escrito ao ritmo de uma entrevista em discurso directo, como deve ser quando se procura desvendar o outro lado de um escritor lido por muitos milhares de leitores. Nesta grande conversa, José Saramago liberta-se de todas as amarras e responde a todas as questões colocadas por João Céu e Silva, mesmo as que entram na esfera mais pessoal do escritor. O seu percurso literário, as suas opiniões sobre Portugal e o mundo, o seu relacionamento com Pilar Del Río, tudo foi falado, tudo está registado neste livro. Não menos interessante é o facto de todas essas respostas serem comentadas por 24 personalidades, todas elas com presença marcante na vida de José Saramago, como Zeferino Coelho, José Carlos Vasconcelos, José-Augusto França e a própria Pilar del Río.



A minha opinião

Parti para a leitura deste livro com algumas reservas. Primeiro porque, apesar de gostar bastante de biografias, a de José Saramago nunca me atraiu por aí além. Gosto de alguns livros do autor como o Memorial do Convento ou O Ano da Morte de Ricardo Reis (este um dos melhores livros que li até agora) e ainda aguardam leitura alguns como A Viagem do Elefante, Todos os Nomes (que comecei, mas não consegui continuar) e uns quantos outros, que estão na minha estante à espera de vez. Mas José Saramago enquanto “personagem” principal nunca me atraiu sobretudo porque a imagem que tinha, e digo tinha porque mudei um pouco a minha opinião, era de uma pessoa antipática, reservada, de poucas palavras. Muitas vezes esqueço-me que tenho muitas destas atitudes de Saramago. A timidez confunde-se muitas vezes com a antipatia. Ao fim de lidas 416 páginas posso dizer que o livro me surpreendeu. Se bem que não posso deixar de fazer alguns reparos à forma como o autor João Céu e Silva conduziu as entrevistas, sobretudo aquelas que fez com Saramago. Logicamente que Saramago é uma pessoa com um cariz político acentuado, mas o livro torna-se um pouco maçador (poderá ser para mim que não aprecio a temática) porque incidiu muito sobre a política mundial. Mas o problema maior não é só esse. As perguntas políticas, por exemplo, estão bastante dispersas. Tudo bem que o autor dividiu as entrevistas que fez a Saramago, mas poderia ter juntado as entrevistas numa só e organizá-las de uma outra forma. O mesmo acontece quando fala dos livros com o autor. Dou como exemplo o livro O Ensaio sobre a Cegueira que é falado a meio do livro e que depois é retomado no final do livro quando conversam sobre A Viagem do Elefante. No entanto não posso deixar de realçar as entrevistas que o autor efectuou para elaborar este livro, algumas delas bastante surpreendentes. Destaco ainda o discurso na íntegra que Saramago proferiu aquando do Prémio Nobel que me emocionou bastante, principalmente a parte em que realça a importância dos avós para o seu enriquecimento enquanto pessoa.



Excertos e apontamentos

Não poderia deixar de realçar alguns (muitos) dos excertos que me cativaram ao longo da “viagem”.

Sobre O Homem Duplicado - surge ao espelho a ideia do outro. “Para mim o outro existe, sou eu próprio”. Nascida essa ideia passou a ser necessário articular uma história com personagem. Ensaio sobre a cegueira – nasceu num restaurante na Varina da Madragoa. Pensou “e se nós fossemos cegos? E imediatamente dei a resposta à pergunta: mas nós estamos todos cegos!” O Ano da Morte de Ricardo Reis foi em Berlim, num quarto de hotel. “A ideia é aquela coisinha que se diz em 4 palavras. Depois há que fazer a história”. Nunca foi uma pessoa ambiciosa. Nunca fez nenhum projecto de carreira. “A prova de que eu não tinha projectos para chegar a ser um escritor é que só aos 58 anos é que procurei ser.”

Após a publicação do 1.º livro – Terra do Pecado – “Que deveria chamar-se A Viúva”, em 1947, esteve praticamente 19 anos praticamente sem escrever.

Quando publicou Levantado do Chão, aos 58 anos. “Digamos que aos 58 anos eu tinha escrito uns quantos livros mas não era um escritor”.

O episódio em que Saramago relata como soube que tinha ganho o Prémio Nobel é extraordinário em que conta que soube da notícia no aeroporto de Frankfurt, quando regressava a casa.

“As circunstâncias quiseram que eu tivesse sido serralheiro mecânico”.

O autor relata como decorreu a primeira entrevista com Saramago, que decorreu na sala de estar da casa do Arco do Cego, tendo Saramago descido 20 minutos após a chegada de João Céu e Silva. Não interrompeu a conversa durante 5 horas e deu respostas que se prolongaram por 20 minutos.

“Acho que a terra ainda não soube agarrar a imagem do Saramago e projectar-se”. - Vítor Manuel da Guia, Presidente da Junta de Freguesia de Azinhaga do Ribatejo.

O autor falou ainda com padre Carreira Neves, que recolheu todas as achas possíveis de encontrar para sacrificar José Saramago devido ao livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, obra que o fez abandonar Portugal e passar a viver em Lanzarote. Carreira Neves diz que a parte que o mais impressionou no livro foi “quando Jesus está no lago Tiberíades e há aqueles diálogos entre Deus, Jesus e o Diabo. Como criatividade literária foi o que mais me impressionou! Não me fere nada que haja amores entre Jesus e Maria Madalena porque é um romance”.

Saramago revela que tem o hábito de escrever ao fim da tarde, entre as cinco e as nove. “Eu escrevo só duas páginas por dia, não escrevo mais, mesmo que tenha possibilidade de continuar”.

Questionado sobre se sente em Lanzarote inspiração para escrever como se estivesse em qualquer lugar Saramago responde que “isso da inspiração para escrever é uma fábula”.

Mais à frente adianta que não aceita que os seus livros sejam “traduzidos” no Brasil. “A língua é minha, o sotaque é meu”.

“Quando pegamos no livro novo e o abrimos, a gralha normalmente aparece imediatamente, é a primeira bofetada que levamos”.

Sobre A Viagem do Elefante, José Saramago confessa que já tinha essa ideia há 4, 5 anos “mas achei-a tão difícil que a pus de parte. Disse não, vou-me meter numa carga de trabalhos…Mas passou o tempo e no princípio do ano passado perguntei-me: e se eu voltasse ao tema?”

Sobre a literatura de entretenimento Saramago diz que sempre existiu. “E além disso, às vezes, até necessária”, adiantando que um livro de entretenimento pode ser um bom livro. “Agora há outros por aí que não pensam senão em escrever 120 páginas e aí temos livros que quando os abrimos e se lê uma página ou duas é uma vacuidade total”.

“Mas às vezes há ideias boas que não têm futuro”.


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