Nasceu a Bruaá, e com ela três livros de enorme simplicidade e sensibilidade. Eu espero (Davide Cali, Serge Bloch) terá sido, para mim, a maior revelação. Não de um ponto de vista crítico, mas em primeiro lugar pelo efeito que teve sobre a minha condição de leitora.
Descobri efectivamente Anthony Browne porque, com A minha mãe (Caminho), a atenção plástica e programática que o autor dá às relações e aos afectos tornou-se evidente e ultrapassou a empatia que tenho com As preocupações de Billy (Kalandraka) e atingiu toda a sua obra. Gostava de a ver integralmente traduzida para português.
Do Planeta Tangerina, O meu vizinho é um cão (Isabel Minhós e Madalena Matoso) revelou-se um jogo de complementaridade entre a enumeração de pormenores para a grande revelação final: um álbum pleno de humor. Nasce da insólita situação de contar a mudança de vários animais para um prédio, acompanhando os preconceitos que os outros moradores, nomeadamente os pais da narradora, demonstram em relação a eles. O desfecho é surpreendente e arrasa com a sensação de irrealidade que se prolonga por todo o livro, transformando-se numa parábola. O diálogo entre o que as janelas deixam ver e o que as paredes ocultam alimenta cada momento narrativo com a entrada em cena de novos vizinhos e novos hábitos. Cria-se assim uma expectativa de leitura, alimentada pelas cores vivas e pela associação visual do desenho ao tetris, que consolidam essa inverosimilhança lúdica. É um livro que merecia mais atenção.
A Antígona, pela mão da sua chancela Orfeu Negro, estreia-se também nos álbuns ilustrados, com a edição de O Livro Inclinado (Peter Newell), que obedece a um princípio de associação entre o movimento e a forma do livro. É um clássico da ilustração que só agora chega a Portugal e que demonstra a sua intemporalidade e referencialidade para a bd, a ilustração e a escrita para a infância.
Livros ilustrados
Um homem verde num buraco muito fundo (David Machado, Carla Pott, Presença) confirma a maturidade de David Machado e a sua identidade na escrita para crianças. A forma como transporta o leitor, a par das suas personagens, de um universo verosimil para um mundo de fantasia, continua a encantar a todos, que aceitam e desejam essa passagem. As ilustrações de Carla Pott fazem deste livro ilustrado um objecto de qualidade, integrando as imagens no texto, de tal forma que a mancha gráfica inverte a ideia de que a ilustração chegou depois do texto. É este que se fixa num espaço possível...
Amarguinha (Tiago Rebelo, Danuta Wojciechowska, Presença) começa por uma premissa facilmente identificável pelos mais novos: a diferença perante o grupo. O nome da menina resulta do facto de não gostar de doces. Esta informação cativa imediamente o pequeno leitor. Mas não só. O registo é simples sem se prestar ao forçado simplismo de alguns livros destinados ao público infantil. Conta histórias de amizade entre Amarguinha e outras crianças, um amigo de sempre de quem é forçada a separar-se e uma nova amiga que encontra no parque infantil. Uma experiência por que todas as crianças passam, nas diversas mudanças que vão enfrentando ao longo do crescimento. Amarguinha inaugura uma colecção que pode ser acompanhada pelos leitores numa fase de leitura muitas vezes difícil, quando começam a desejar livros com mais texto, mas ainda não têm ritmo de leitura ou maturidade para as Aventuras que se seguirão.
Em 2008 a edição de livros para crianças ganhou um novo fôlego, as livrarias dedicaram-lhes mais espaço nos escaparates e nas montras, os pais estiveram mais atentos, e os educadores e professores começaram a procurar os melhores critérios de escolha. A literatura para a infância em Portugal começa a entrar na rota da literatura universal.
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