TRECHO:
INTRODUÇÃO
Iniciando o presente volume, que se abre no limiar da terceira trilogia, é necessária uma pausa para nossa orientação. Cada um desses livros uma jornada, cada trilogia representa uma volta na maturação do destino daquele que escreve e no desenvolvimento do seu pensamento traçado nesta obra, em paralelo com o desenvolver do pensamento da própria vida, conforme esta se expressa pela ação, na fase histórica que estamos atravessando Façamos isso, portanto, para que nos possamos orientar nesses aspectos, os quais se acham intimamente entrelaçados e se desenvolvem em ressonância, formando uma perfeita sinfonia, no mais unitário sentido da vida. Isto não é somente afirmado em cada palavra, mas também vivido, profundamente
O enquadramento formal dos seis volumes, que compõem a primeira e segunda trilogias, já se encontra no prefácio do trabalho precedente: A Nova Civilização do Terceiro Milênio. Vamos repetir, entretanto, para o leitor novo que ainda não conhece o argumento. A primeira trilogia compreende: 1) Mensagens e A Grande Síntese; 2) As Noúres; 3) Ascese Mística. A segunda trilogia é formada de: 1) História de um Homem; 2) Fragmentos de Pensamento e de Paixão; 3) A Nova Civilização do Terceiro Milênio. A terceira trilogia inicia-se com Problemas do Futuro. No capítulo XVIII, do volume precedente, acha-se sumariamente explanada a significação dessas etapas.
O autor é um viandante da vida, de uma vida em ascensão, na qual ele se eleva penosamente, degrau por degrau. Nessa subida, realiza uma série apocalíptica de experiências espirituais, que se lhe mostram muito graves e decisivas, no mundo biológico, que o deixam tão espantado, por transcenderem a vida comum, que não pode furtar-se à necessidade de analisá-las. Se as palavras que escreve foram por ele vividas com luta e sofrimento, compreender-se-á como atrás do desenvolvimento do pensamento racional se encontre o desenvolvimento de um destino, e como a batalha dos conceitos foi, primeiramente, batalha de paixão. Pode-se dizer, pois, que cada palavra aqui escrita ainda está sangrando de dor, vibrando em conseqüência da luta travada. No fundo, trata-se propriamente de uma biografia, vista em sua profundidade, de um caso real, em que é a vida que fala e se revela, com a experiência de um para proveito de todos. É natural que, assim sendo, o pensamento explanado nestas páginas tem de estar estreitamente unido à manifestação histórica dessa mesma vida, porque ela é sempre una e indivisível.
Foi afirmado já, na conclusão da precedente segunda trilogia, que o ciclo da primeira é explosivo e o da segunda é reflexivo. É a assimilação que se segue à inspiração. É uma espécie de recuo sobre a primeira impetuosa revelação, para que possa ser melhor compreendida e disciplinada, racionalmente por todos. É uma assimilação necessária para se poder subir ainda mais, depois de terem sido racionalmente consideradas e consolidadas as posições alcançadas por inspiração. Foi muito forte e muito rápido o passo até à Ascese Mística. Havia necessidade de disciplinar tudo e enquadrá-lo para atingir as alturas místicas. O filósofo não achará nesse caminho exposição sistemática. Esta foi evitada, para que a própria vida falasse com o seu dinamismo e não apenas com um cerebralismo artificioso, construtor de sistemas. A organicidade, mais do que os esquemas conceptuais da exposição, está inserida na sempre presente substância do argumento, eloqüente estrutura orgânica do universo. Fundamentalmente, é o mesmo processo evolutivo que falou em muitos, como em Beethoven, na Nona Sinfonia, ou em Wagner, no Parsifal.
Esse processo evolutivo implica a retomada dos motivos da primeira explosão, apenas sinteticamente expressos para se proceder depois ao seu desenvolvimento analítico. Por isso é que, no volume precedente, A Nova Civilização do Terceiro Milênio, se encontra o subtítulo: "Análise e Desenvolvimento de A Grande Síntese". Esta, como escrito inspirado, permanece fundamental, mas sempre parece mais um esquema do que um verdadeiro e exaustivo tratado. Dai a necessidade de desenvolvê-lo, de ultrapassar sua vastidão sintética, descendo-se à profundeza analítica.
As características da terceira trilogia não se tornarão completamente evidentes senão quando o processo for completado. Não podemos prever, senão no conjunto, aquilo que a vida poderá dizer nessa dada fase de um seu caso. O certo é que este primeiro volume da terceira trilogia se inicia com um retorno à obra, A Grande Síntese, com um desdobramento reflexivo sobre a sua parte mais difícil que é a inicial, a científica. O alforje do autor, caminhante da vida, tem se tornado sempre mais cheio de experiências. Ele está cansado de palavreado inútil e tem pressa em concluir a demonstração da doutrina de A Grande Síntese, com provas resolutivas. Ele sente toda a vacuidade e a corrosão das polêmicas filosóficas e religiosas. Preocupa-o o que é consistente para provocar no involuído o abalo decisivo, na hora histórica também decisiva. Por isso ele se dirige à ciência, procurando o motivo da vida na origem e na psicologia do homem, para então desenvolver o presente volume.
Mas o caminhar continua sempre, também aqui, como segue a vida da matéria para o espírito. E o presente livro não é, pois, como os outros, senão uma diversa sinfonia da ascensão. Mesmo retomando de baixo, o traçado é sempre o mesmo, pelo que, embora não se possa exatamente prever o conteúdo desta terceira trilogia, porque a vida fala com os fatos e se expressa de forma concreta e real em formas vividas, todavia, a lógica do desenvolvimento e o pressentimento de intuição dizem que, como a nota dominante da primeira trilogia foi explosão, a da segunda assimilação, assim a da terceira será: sublimação.
Dados esses graus de desenvolvimento, é natural que a nota inspiradora tenha dominado no primeiro tempo (primeira trilogia). Daí os qualificativos de médium, ultrafano , inspirado e místico, aplicados ao autor. De fato, ele falou em nome de outra personalidade, em forma ultrafânica, em Mensagens e A Grande Síntese. No seu segundo volume, As Noúres, ele se pôs logo a observar a si mesmo, para poder compreender o fenômeno da inspiração e suas conseqüências, a fim de que tudo viesse a ser controlado com responsabilidade e plena consciência. Porém, o ímpeto da explosão não pôde deixar de levá-lo até à altura do terceiro volume: Ascese Mística. No segundo tempo (segunda trilogia) a nota inspirativa, tratando-se de um período reflexo, se atenua e com o primeiro livro aparece um retorno autobiográfico História de um Homem — no qual o autor procura a si mesmo. O segundo volume é uma coletânea de artigos que expunham de forma dispersa o seu pensamento e foram publicados em revistas, e o terceiro é, como foi dito antes, uma retomada e um desenvolvimento dos problemas mais humanos de A Grande Síntese, decisivamente, apontando para a meta de toda a obra, que é a Nova civilização do espírito, o grande motivo apenas assinalado anteriormente. Retornos necessários, sem os quais o desenvolvimento não é possível; e, embora ao leitor menos avisado possa parecer apenas repetição, é método conscientemente adotado.
Assim, cada volume, significando uma etapa do caminho, exprimindo uma fase de vida à qual adere, tem sua característica própria, que o distingue, como se dá, por exemplo, com as sinfonias de Beethoven. Assim, o terceiro tempo (terceira trilogia) que podemos chamar de sublimação, inicia-se com este primeiro volume, no qual é profundamente feito antes o exame da personalidade humana, já começado no precedente; abarca-se, depois, a ciência da matéria para levá-la por fim até à fé e ao espírito, seguindo um método ultramoderno de renovação que a faz, não mais uma ciência materialista, mas, alcançando uma visão mais profunda do universo, um grande motivo da sublimação, que não poderá deixar de constituir o final místico de toda a obra, nos ulteriores volumes. Final místico da obra que, para o autor, significa a última sublimação do seu destino, e, para o mundo, o despontar da aurora da nova civilização do espírito. Nestas três formas estreitamente ligadas: exposição conceptual, caso individual de evolução espiritual e ascensão coletiva do homem, a vida fala, exprimindo o mesmo pensamento. Na tempestade dos conceitos, nos dramas de paixão e de dor de quem escreve, como nas lutas do inundo, a mesma elevação, a purificação criadora que da matéria leva ao espírito, a sublimação na dor que redime.
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Nesta curva da vida do autor, da exposição que constitui sua obra e do próprio destino do mundo — três fatos sintonizados no mesmo ritmo ascensional, é necessário aprofundar os conceitos acima expostos, com coragem e sinceridade, para em proveito de todos. Que significa, nesses seus três aspectos, essa sublimação que caracteriza a terceira trilogia? Comecemos pelo primeiro.
Para o autor isto significa aprofundar sempre mais a consciência do próprio destino, quer dizer, manter sempre mais estreito o contato com o infinito. É o completar-se da purificação. Há muitos anos o misterioso processo biológico da maturação vem-se realizando, sem ser visto exteriormente nem compreendido, através de uma profunda e dilacerante maceração, sob múltiplas formas. Trabalho intenso, dor, renúncia, pobreza. Um continuo afastamento de si mesmo, de tudo o que é humano, a própria carne viva arrancada pedaço por pedaço, lentamente, para não acabar morto. Sim, e tudo isto endossado pela vestimenta exterior do imbecil que não sabe conduzir seus negócios, pela máscara do homem educado que deve sorrir para não incomodar, mas intimamente acompanhando o progressivo esclarecimento da consciência do seu próprio destino, num crescente senso da missão que deve desempenhar, numa afirmação no plano do espírito. A grande experimentação evangélica da qual nasceram os volumes precedentes não foi para o autor literatura, mas um fato vivido, carregado de frutos vivos. Ele, que tinha em vão procurado livrar-se do peso da riqueza, que constituía um embaraço à marcha encetada, acabou por enfrentar o dilema: ou cuidar de seus próprios negócios ou renunciar à sua missão. Conciliar duas coisas das quais cada uma exige totalmente o homem, era impossível. E o senso da missão a cumprir, cada dia que passava, mais se acentuava em seu intimo e mais forte gritava. Precisava então abandonar os interesses materiais, deixando-os à mercê do assalto de todos.
Salvar os valores do espírito ou os da matéria. Eis o dilema. Ora, desde que neste nosso mundo se encontra aquele que sempre está pronto a levar o que não é guardado nem defendido, e desde que é impossível confiar em outros porque quem sabe desincumbir-se de seus negócios, em geral, só o sabe para si mesmo, o ocupar-se dos valores do espírito significava pobreza. Precisava escolher. Vivemos em um mundo no qual os involuídos são ativíssimos em realizar sua vida com seu próprio método, a qualquer preço. O homem de espírito, que nesse campo é inepto, facilmente é eliminado. Então, a escolha foi feita e foi iniciada a experimentação evangélica. O autor pôde descrevê-la nos volumes anteriores, porque a estudou de perto, porque a viveu. Evangelho experimental. Essas coisas só assim se podem verdadeiramente compreender e fazer com que sejam compreendidas, quando as pregamos. De outro modo não passariam de retórica; experimentação que verdadeiramente inverte os valores e refaz o homem; catarse que penetra até os ossos. É um avanço que parece de loucos, nas trevas rasgadas pelo lampejar de uma alucinante luminosidade interior, em meio da qual o Evangelho, como sentinela ao longe, grita: "Ocupai-vos das coisas do espírito e tudo o mais vos será dado".
Se soubermos, pois, inverter os valores correntes e realmente viver a utopia do Evangelho, entraremos no mundo dos prodígios, tornando atual a já descrita economia do evoluído, baseada na Providência. O milagre consiste nisto: aquela vida que, humanamente, parecia ter que findar no desespero da miséria e da fome, deságua, ao contrário, num confiante abandono em Deus, confiante enfim não só pela fé mas também pela prova experimental, que com os fatos demonstra que apoio nunca falta a quem verdadeiramente crê no Evangelho, praticando-o.
Quando é superada a grande barreira que nos separa da inversão dos valores correntes, desenvolve-se a série dos milagres. A percepção do mundo que nos circunda é dada pela nossa natureza; se nós mudamos, tudo muda. Assim, com a nossa elevação no espírito, tudo tende a sublimar-se; o que antes era dor, transforma-se em regozijo. Então o trabalho, hoje transformado em condenação pela máquina e pela avidez humana, torna-se um livre alegre ato da criação, no qual o homem é chamado a colaborar no funcionamento do universo e operar, à semelhança de Deus, imitando-o em Sua perene ação criadora. Toda renúncia na matéria aparece no lado positivo, construtivo do Eu, isto é, como conquista e afirmação no espírito. A solidão se povoa de forças amigas que nos estendem os braços e nos ajudam; as provações se suavizam e se tornam criadoras de nós mesmos.
Eis as maravilhas da ascensão, o milagre experimentado pelo autor. O valor destes escritos não se baseia na novidade de conceitos que são velhos como a vida, mas sobre o fato de que eles foram experimentalmente vividos e não apenas repetidos, ainda que em perfeita ortodoxia de forma. É certo que a América existia antes de Colombo a descobrir. Todavia, aquela foi, no seu tempo, a maior descoberta do século. Assim, hoje, se o homem, verdadeiramente, descobrisse o Evangelho, vivendo-o experimentalmente, tocando-o com as mãos como fez Colombo com a América, esta seria também a maior descoberta do século.
Atingindo pela evolução o plano do espírito, tem-se a sensação de que emergimos de um fétido mar de lama. Liberdade no infinito. Entre tantas imperfeições dolorosas, se percebe, de outro lado, a harmoniosa perfeição da obra de Deus. No plano do universo, percebe-se a lógica do próprio destino, que é assim aceito, porque se verifica que ele nos conduz "sempre" para o encontro daquilo que representa o nosso bem. Compreende-se a maravilhosa urdidura da vida, admira-se tudo e bendiz-se a Deus. É verdade que há as provações, mas, depois de superá-las, se compreende o respectivo sentido e o seu valor criador; adquire-se, então, uma visão profunda, que vê o porquê de cada uma das vicissitudes humanas. Tudo se vai revelando completamente, a dor se faz instrumento de redenção e cada acontecimento de nossa vida se torna um amigo, porque é para nós, sempre, o melhor possível. O grande milagre da ascensão é a nossa progressiva libertação da dor e do mal. Todo assalto destruidor se transforma em meio de criação. E a força de cada ocorrência nos fará sempre sentir perto de nós a mão operante de Deus, imanente em nós!
Então, o caminhante da vida, carregado de recordações, nas quais o futuro, antes um tanto vago, se transformou em passado, vê e compreende. Compreende como cada golpe da adversidade provocou como reação uma nova luz, como cada obstáculo o havia estimulado, como cada provação o havia instruído e toda vicissitude se havia transformado em forças criadoras. Então ama-se tudo o que antes desagradava e pesava, porque já se sabe que tudo serve para edificar o espírito. A catarse é de todo o ser, mesmo das suas qualidades, das suas necessidades e desejos, bem como da sua dor. Tudo se sublima nele, e nele e com ele se distila e transmuda. E isto o faz verdadeiramente rei da vida. É o superamento de todo um mundo para entrar em outro mais alto. O ser é levantado para o céu, por esta sua sublimação acima de todos os males e dores humanas. Eis o conceito dominante na terceira trilogia.
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Com relação a este conceito, observaremos agora a obra escrita, a série de volumes que dele são conseqüência. O processo evolutivo do autor não pôde deixar de produzir nele um relampejar da mente, um clarão de conceitos que, regularmente registrados e depois publicados, têm dado lugar a várias interpretações. No princípio, no período explosivo da primeira trilogia, esse clarão foi tão forte, misterioso e imprevisto, que tomou o aspecto de verdadeira mediunidade. O autor foi, pela necessidade bem humana do enquadramento, catalogado logo no campo mediúnico (primeiro período das Mensagens e de A Grande Síntese). Mas, saberemos nós o que seja, verdadeiramente, a mediunidade?
O autor passou, pois, a procurar por si mesmo, tentando aprofundar a visão nesse abismo, que é o mistério da. personalidade humana, que está, até hoje, bem longe de ser plenamente conhecida. Assim, começou a compreender o seu caso e procurou defini-lo (segundo volume: As Noúres) Pôde, então, precisar que se tratava de mediunidade inspirada, ativa e consciente. Nenhum transe, inconsciência ou cessão passiva de seu próprio eu a qualquer entidade incorpórea ou forças estranhas. Ele, permanecendo consciente, captava a onda (noúre), registrava, escolhendo com pleno conhecimento, como a antena que capta porque quer sintonizar-se com a transmissora que conhece e que quer livremente ouvir por relação voluntária de ressonância. A mediunidade torna-se assim inspirativa, isto é, não mediunidade de efeitos físicos, nunca praticada e sempre evitada pelo autor como barôntica , mas ultrafania, embora mesmo sem transe, mas ativa e consciente. E assim foi ele tido por ultrafano. A vista disto, os seus escritos foram considerados suspeitos pela Igreja e aceitos no campo espírita.
Mas, eis que no fim do primeiro período, com o seu terceiro volume Ascese Mística, o autor supera também o campo ultrafânico e deixando atrás o espiritismo, que o havia catalogado entre os seus, se transforma em inspirado e, enfim, em místico, entrando num campo apropriado, sobretudo, às religiões.
Os trabalhos que compõem a segunda trilogia perderam a vestimenta mediúnica, ultrafânica ou inspirativa e falam a linguagem normal. Assim é o presente volume. Ora, muitos perguntam se esses novos livros que se expressam como falam todos e não com tonalidade extra ou sobrenatural, são ou não inspirados. Os leitores, em geral, estão habituados, como os demais, a tratar com o homem normal de tipo único e constante, de enquadramento estável e não com o tipo múltiplo, em contínua evolução, que não pode ser, por isso mesmo, enquadrado em esquemas fixos, como é o nosso caso.
Em se tratando desta trilogia, era necessário responder a esta pergunta, esclarecendo dúvidas. O autor agora se acha cônscio de haver completado seu misticismo na forma ativa de sua missão e tem estudado em si mesmo, com auxilio de outros místicos, de tal maneira que o seu caso embora esteja ainda longe de tocar o fundo de um mistério (que aliás não pode findar) através de um contínuo controle racional do fenômeno de sua intuição e dos seus produtos, por ele registrados, transformou a sua própria inspiração em técnica regular de pesquisa, que ele chama o método da intuição, não tendo mais o que fazer com a ultrafania em transe e muito menos com o mediunismo de efeitos físicos. A finalidade da vida do autor, como acima ficou dito, não é de nenhuma maneira o estudo dos fenômenos mediúnicos e o espiritismo lhe interessa relativamente. Sua vida é missão e seu escopo não é a experimentação espirítica, mas a evangélica, não a indagação do além-túmulo, mas a ascensão espiritual. O grande problema é a conquista da felicidade e o que transforma tudo em nós, para o bem e a alegria, não é o além-túmulo, mas a evolução, a catarse da vida, elevando-nos do plano animal humano ao super-humano. O que importa é a sublimação, sem a qual tudo permanece cego, inferior, doloroso, seja aqui ou acolá E o mediunismo de efeitos físicos ocupa-se bem pouco da sublimação. Ele visa problemas particulares, secundários mesmo, em relação ao problema de apresentar sempre o melhor como contribuição para a salvação do mundo, na atual e tremenda hora histórica.
Se o misticismo é, para o autor, o vértice da ascensão, o método da intuição (isto é, a inspiração reduzida a método) é a sua disciplina que organiza e racionaliza a inspiração, dirigindo-a metodicamente à conquista do conhecimento para resolver os mais variados problemas, inclusive os da ciência, com o objetivo de melhorar o homem, para seu próprio bem. A sublimação atua então em dois sentidos: o do sentimento levando ao misticismo e o da mente levando à disciplina orgânica e racional da inspiração: disciplina da técnica receptiva, após haver feito a sua análise, e organização de uma doutrina racional, com os dados obtidos pela inspiração. Nesse trabalho múltiplo e complexo se cumpre a missão do autor. Com o progresso da sua maturação, ele, enquanto, por um lado, se sublima como paixão no misticismo, por outro se assenhoreia cada vez mais da técnica receptiva e da sistematização orgânica e racional dos resultados, de modo a poder expô-los em linguagem normal. E isto, ainda que não possa agradar aos espiritistas, era necessário dizer para que estes escritos fossem aceitos pela ciência, pela cultura séria, pelos que têm prevenções antiultrafânicas e para os quais todas as coisas expressas em tais roupagens inspirativas não são sérias nem aceitáveis.
Certo é que a inspiração subsiste ainda na segunda e terceira trilogias, mas é normalizada em veste comum A mesma característica não mais explosiva (primeira trilogia) mas reflexiva, de assimilação e análise (segunda trilogia) leva a esta conclusão. Não é por isto que o autor perde o contato com a fonte da inspiração. Ao contrário, na sua ascensão mística, o seu contato é normalizado, a sintonia estabilizada, a distinção no uníssono das vozes se torna, assim, sempre menos sensível. A catarse é, de fato, uma sublimação também neste sentido: é sempre mais estreita a união com a fonte. A recepção, que no ultrafano é em geral salteada e inconsciente, aqui é contínua e consciente, é um colóquio, um contato, uma comunhão que tende à unificação. A recepção aqui se torna prece, religião, misticismo, amor de Deus. A terceira trilogia, que representa a fase da sublimação, não pode acabar senão em pleno misticismo. Assim, sempre progredindo, fecha-se o caminho iniciado com manifestações que foram chamadas mediúnicas, alcançando resultados que são bem diversos como técnica receptiva, e longínquos, como conteúdo, da mensagem ultrafânica usual em função de certa entidade. Aqui, a mensagem é uma obra orgânica, racional que já atinge o oitavo volume; a mediunidade é uma missão que se apossa de uma dada hora histórica e de toda a vida de um homem. Como se vê, os conceitos espíritas comuns não são mais suficientes para conter estes resultados.
Chegamos aqui a uma disciplina consciente e racional, que analisa e põe em ordem, organicamente, os produtos da intuição. Em geral, todos, mais ou menos, possuem intuição, mas de um modo vago e sumário, sem a crítica e a precisão de um método. Em nosso caso, a intuição não só se faz método de investigação cientificamente exata e vasta ao ponto de fazer compreender e orientar todos os problemas do conhecimento, mas, ainda, o seu natural funcionamento, por clarões sintéticos e intermitentes, é traduzido em termos de exposição contínua e de análise racional. Tudo, se antes é sentido por via intuitiva, como síntese, conclusão e solução dos problemas deve ser, depois, analiticamente demonstrado pela força da lógica para uso da forma mental corrente, que não é intuitiva. Trabalho reflexivo, de coordenação, útil e necessário para ser compreendido, precisão analítica e cultural, sem o que a mensagem inspirativa ficaria confusa e distante. A mensagem provém de superiores dimensões conceptuais e é necessário reduzi-la à nossa dimensão racional. Trabalho, antes, de audição e compreensão, e, depois, de elaboração dos dados da inspiração, desconhecido assim do ultrafano comum.
Em nosso caso, a inspiração, embora se possa dizer que controla como guia a mente do sujeito, todavia é por este controlada. Mais do que de recepção, pode-se, neste caso, falar de colaboração consciente de ambas as partes, sem, com isto, desconhecer quanto mais sábia e potente é a transmissora. Quando se fala do fenômeno, que não é novo, da união mística, e quando ele pela catarse do sujeito se torna progressivamente sempre mais intenso, compreende-se como se lhe torna sempre mais difícil distinguir o transmissor do receptor, fundidos que estão num mesmo ritmo de pensamento, difícil de isolar-se de uma fonte em que a sua personalidade, distinta no sentido humano, se sente como que diluir em sublime alegria. De fato, uma das mais perturbadoras sensações que a elevação mística produz, é da dissolução do próprio eu como unidade egocêntrica. Na alta psicologia, como na alta matemática, os conceitos comuns não têm mais sentido. Tudo isto transforma o fenômeno, neste nosso caso, distanciando-o cada vez mais da ultrafania e aproximando-o da inspiração do artista, do sábio, do místico, daquele enfim que cria no espírito em todo campo. Em nosso caso, a sensibilidade ultrafânica veio tornar-se um método preciso de pesquisa, que encara os problemas com o velho método experimental analítico só num segundo tempo de controle, mas, num primeiro tempo, os perlustra por vias intuitivas, sintéticas, alcançáveis só por um hipersensitivo, tornado tal pela evolução do instrumento humano. Este será o método de indagação do amanhã, que só um tipo humano mais evoluído saberá empregar.
Mas não há só este trabalho de controle da recepção, da coordenação e organização dos resultados, de precisão analítica racional e cultural. Em geral, os leitores crêem que a inspiração representa qualquer coisa concedida gratuitamente; no entanto, ela é conquistada com trabalho e fadiga. É necessário procurar ardentemente, porque Deus não se revela senão àquele que o procura e o chama. É preciso subir com o próprio esforço para chegar a escutar, é preciso duramente maturar-se e merecer para ter resposta. É necessária uma fé positiva, que saiba vencer todos os obstáculos. E quando a inspiração chega, é preciso segui-la a todo custo e em qualquer condição, no seu arremesso impetuoso, ainda que estejamos atordoados por tantas exigências de um mundo que pretende andar por estrada bem diferente.
Ainda que haja sofrimento, é preciso escrever; se extenuado ou doente, mesmo assim é preciso escrever; se há falta de tudo, escreve-se; se os interesses materiais estão a caminho da derrocada, se os involuídos roubam tudo, não importa, escreve-se; se a casa cai, se o mundo explode, não importa; se se está perto do fim, escreve-se, até o último suspiro. É necessária uma vida concentrada toda em um ponto: registrar esse pensamento que nasce dentro de clarões, de turbilhões, como um furacão que grita, canta, arrebata e atordoa. Registrar tudo, nos mínimos detalhes, na potencialidade como na doçura, seja como conceito, seja como paixão. Deve-se muitas vezes exprimir o inexprimível; abandonar-se ao irresistível e no entanto manter-se em forma; viver as teorias expostas, fazer-se campo experimental e com as provações trazidas por elas confirmar á exposição. Com uma vida elevada de sacrifício, se deve manter em permanente sintonização, fazendo de tudo isto uma missão para o bem dos outros e vivê-la em abrasamento, como o cumprimento de um destino. Levar tudo isto adiante, ardendo sempre mais e não ceder nunca, fiéis a Deus até à morte.
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Agora, que vimos o significado da terceira trilogia, relativamente à maturação do autor e à natureza de sua produção intelectual, observemos tudo isto e vejamos a conexão que pode ter com a atual hora histórica, como contribuição e como missão.
Em nosso caso, não há só a catarse do autor, a criação efetuada pelo fenômeno inspirativo, mas há também o fato da compreensão sempre maior por parte do público. De que deriva isto? Nota-se que, no leitor que lê estes volumes, nasce um senso íntimo de convicção que não é apenas racional. Quem lê, geralmente muito mais do que pelos processos lógicos, fica persuadido pela ressonância intima, pela convicção segura de quem escreve, pela sua sincera paixão, pela misteriosa formação daquelas sintonias que estão na base da compreensão e sem a qual esta não se verifica. Que é então que determina o aparecimento dessa sintonia? De onde desponta essa vibração que une quem lê e quem escreve?
O fenômeno inspirativo ao qual se deve a primeira gênese destes escritos coloca o autor em uma posição especial que não é aquela do escritor comum, que exprime só a si mesmo, quando não faz coisa menos sincera e verdadeira, como uma criação de fantasia. Em nosso caso, a inspiração permite ao autor colóquios diretos com a vida, com o pensamento de Deus, ouvindo a voz de todos os seres, em todas as suas formas, da pedra ao gênio, sempre mais alto, pelas sendas do misticismo até às dimensões do super-concebível. Aquele que aqui escreve não inventa nada, mas simplesmente, lê no grande livro da vida universal, é o espectador da sabedoria infinita de Deus que ele contempla em visões, que exprime em livros. Quando, assim, não é o indivíduo, mas a própria vida que fala, o pensamento não envelhece. O mundo está repleto de idéias cansadas, que têm exaurido seu dinamismo e sua função. Lá onde é a vida que fala, a idéia é sempre jovem e viva. Sendo aquele que escreve simplesmente um revelador do que já está escrito e que instintivamente fala, ainda que de modo impreciso, no íntimo de todos, é natural que o fundo comum, o elemento base da sintonia, já preexista, e poderosamente. Então o leitor sente em seu instinto, no qual a vida fala, reconhece aquela voz como sendo a voz da verdade e, se ainda não pôde compreender o porquê, aprova com um irresistível senso de íntima convicção. Eis a sintonia e o consentimento pleno. O leitor, mais do que isso, sente alegria ao encontrar um intérprete exato de seus vagos sentimentos, que ele mesmo tentava precisar, mas que não conseguia levar à plena luz de sua consciência, sente-se feliz em encontrar feito o esforço que a vida lhe pedia, de levantar o véu do mistério, regozija-se por encontrar pronta uma resposta a tantos porquês que o torturavam, por ver assim resolvidos os seus mais tormentosos problemas.
Parece então ao leitor tornar a ouvir a sua própria voz, clara e engrandecida, tão perfeita é a sintonia dada pela mesma lei de vida que a todos anima. Há uma aproximação com aquele que lê, um retorno de alma para alma, que pela sintonia e convicção que se seguem, se reforça em admiração, gratidão, simpatia, amizade. Estes livros terminam assim em afetuoso liame, em vínculo não só de compreensão, mas de ação e de missão. No campo social, esse é o resultado do terceiro tempo, da trilogia com a qual a obra se concluirá, e essa é a estrada pela qual o autor, pelo caminho da livre e espontânea convicção, quer dar a sua contribuição para o advento da nova civilização do espírito.
Mas há mais. A expressão da voz da vida, captada pelo autor por via inspirativa, não é vaga e genérica, mas, sim, precisa na forma do atual momento histórico, falando aos homens do amanhã próximo, em função de acontecimentos iminentes. Eis então que todos os sensitivos que já verificam o fermento da hora prestes a soar, se incendeiam na leitura como diante de uma revelação. O fato é que estes livros são estreitamente ligados ao nosso tempo, são expressões da vida,. que tem de dizer alguma coisa de muito grave, e se apressa a dizê-lo aos que têm ouvidos para ouvir. Estes escritos são ligados à história e à evolução biológica cujo drama atual exprimem e às quais desejam dar uma contribuição efetiva. Eles, mais exatamente, são os reveladores das correntes biopsíquicas que dominarão no dia de amanhã, que o anunciam e o preparam. Quem os escreve realiza a função de antena biológica, isto é, a de captar a antecipação do futuro. Muitos já o pressentem, mas não conseguem precisar tudo; porém estão aptos a reconhecer qual é a voz da vida, porque esta fala neles e eles, com ânsia, já aguardam quem se levante para exprimi-la e com paixão a abraçam quando se encontram com a sua revelação. Os homens respondem a um apelo somente quando ele já se acha neles e a vida já lhes está bradando no interior. De outro modo ficam mudos, sem compreender. Somente então se forma a corrente coletiva, que é uma corrente das forças da vida que quer atingir, assim, os seus objetivos, corrente que pertence a todos e a todos vai arrastando. O revelador da idéia, que parece o seu criador, não é mais que um expoente exterior, não é mais que o representante de um pensamento que não é seu, que ele tem a função de sentir antes, para depois exprimir e divulgar. Não é outra coisa. Na vida, mais que o indivíduo, importa a sua função.
Se alguns não ouvem o chamamento da vida, se estão fora de tais correntes, que impelem a evoluir, não podem sintonizar-se com ela, e enfim, se são surdos a ela, não importa. A grande massa dos involuídos, daqueles que, podemos dizer, servem como lastro, a vida não tem confiado funções de antecipação e criação. Esses têm que ser impelidos, para depois chegarem por último. Os inferiores são os que mais opõem resistência e, no entanto, são os que mais precisam ser ajudados para evoluir.
Se compreendermos a estrutura e a gravidade da atual hora histórica, justamente porque involuída, veremos que tal contribuição é hoje necessária. Os valores do domínio autoritário da vitória baseada somente na força, se é que há ainda quem pense ter domínio próprio, já substancialmente caíram, porque, depois dos desastres gerais, para vencedores e vencidos, na última guerra, diminui sempre o numero dos que neles acreditam. Os valores da riqueza subsistem ainda, mas sob a ameaça de tamanhos golpes, que já vacilam, inspirando sempre menor confiança. A que valores se prenderá então o mundo assim abalado, senão aos únicos que restam, os do espírito? Onde se poderá achar de outra maneira aquela solidez e invulnerabilidade que a humanidade demonstrou não possuir? O mundo está desiludido e tem fome de uma fé, porque não se pode viver sem esperar alguma coisa e sem crer no amanhã. As filosofias não servem, as religiões devem se adaptar às massas involuídas e supersticiosas. Mas o motivo do espírito já desponta nas conclusões dos grandes intelectuais da ciência que começa a emergir de seu velho materialismo. Eis aí alguns sintomas, que não são os únicos.
A vida é uma viagem. Parar é morrer. Mas não se pode conceber caminho sem meta. A vida tem, portanto, absoluta necessidade de uma tábua de valores e de subir para planos mais elevados a fim de realizar a evolução, que é o imperativo absoluto. A culpa mais grave e que se paga mais caro é a de furtar-se à ascensão, é a de não atender à lei da evolução.
A nova aristocracia não poderá ser, por certo, a da força ou a da riqueza, porque de tais aristocracias, até hoje, o mundo já teve superabundância. Tais formas têm exaurido a sua experiência e dado o seu rendimento biológico. A vida não alimenta senão aquelas formas que têm uma função e um objetivo definidos; liquidará, por isto, esses tipos de classes dirigentes. Ela tem necessidade de outras formas para outro trabalho. O tipo dos novos condutores não será o bélico, político ou econômico, mas um tipo completo, que além de religioso, seja sábio e justo. Depois da falência dos chefes armados, o advento dos chefes espirituais, o dos profetas desarmados. A vida tem necessidade também dos valores hoje mais desprezados, que são os da vida interior. Deles tem necessidade para reequilibrar-se, justamente porque deles hoje há extrema carência. O homem tem fome deles. As novas classes dirigentes não poderão, pois, formar-se segundo o nascimento, o poder, ou apenas inteligência, mas deverão basear-se nos valores espirituais, naqueles que superam a animalidade, nos valores da sensibilidade psíquica e moral, da sabedoria, da sensatez, do altruísmo, da caridade e do amor, da bondade, do desprendimento das riquezas, da renúncia a toda forma de excesso. A vida pede ao homem muitas vitórias, principalmente sobre o ódio e a cobiça que hoje envenenam a vida. Deve aparecer um novo tipo de lutador, o evangélico, desprendido e desarmado, mas inteligente e consciente, muito mais poderoso que o rude e violento de hoje. Há bem maiores revoluções para fazer do que aquelas que o homem atual concebe.
Tudo isto, hoje, pode parecer muito longínquo, e, portanto, de escasso interesse. Mas todo amanhã é feito para tornar-se depressa o hoje. Quando o homem tiver realizado as suas necessidades e desejos de hoje, que fará? Quando o homem, com a máquina e a técnica, com suas novas teorias econômicas e distributivas tiver resolvido o problema do bem-estar material para todos, quais os problemas que encontrará pela frente? Quando o progresso científico e social houver podido reduzir, para todos, o dia de trabalho a poucas horas, e as dificuldades da vida material resolvidas para todos, ao menos quanto a um mínimo necessário, como ocupará o homem o supérfluo de seu tempo e de suas energias? É certo que ele se aproveitará disto para abandonar a luta, e em vez de continuá-la em um plano superior para conquistas mais altas, deixar-se-á quedar no ócio, em busca de prazeres e vícios, chegando assim ao destino de todas as aristocracias e dos povos ricos e preguiçosos, que é o do esfacelamento. A vida fere quem dorme sobre as conquistas feitas. Ela hoje caminha com rapidez e essas conquistas estão mais perto do que possa parecer. Todo futuro é feito para tornar-se presente; assim a utopia se transforma em realidade. Nenhuma utopia é maior que a do Evangelho; entretanto, se ele foi pregado, não o foi, decerto, para permanecer como utopia, mas para se transformar em realidade.
A atual hora apocalíptica prepara, através de grandes lutas e crises, novas condições de vida. Entre tantos homens que pensam somente no presente, é necessário que haja alguém que enxergue mais longe no futuro e tenha a intuição desse futuro, o anuncie, o prepare. Decerto há outros problemas além dos atuais, do dinheiro e do estômago, e os problemas são feitos para encontrarem solução, e esses também a encontrarão. E depois? Nas grandes voltas da história, quais as de hoje, não bastam os homens de ação que seguem perspectivas imediatas e realizações vizinhas, os administradores, mas é necessário que ainda haja homens de pensamento, capazes de se orientarem segundo óticas mais amplas em correlação não só ao que é contingente, mas a todo o funcionamento orgânico da história e da vida. É da compreensão da extrema gravidade da hora, da necessidade de preparar um amanhã que se avizinha rápido, é da consciência do dever de dar a contribuição necessária, que nasce em alguns pioneiros de sensibilidade apurada e aptos para esse fim, o senso de missão. Missão que lhes confiou a vida, que neles escolhe os seus meios para fazer ouvir a sua voz. Meios que, por serem evoluídos, hão superado o egocentrismo animal e somente sabem viver fundidos no amor ao próximo. Missão fatal para eles, que outro conteúdo não sabem dar à vida, senão esse.
Eis em particular o significado deste volume: Problemas do Futuro e da terceira trilogia que ele inicia, como de toda a obra. Com o novo milênio, o homem entra em um novo ciclo histórico e biológico. É preciso fazê-lo compreender essa imensa realidade e o que o espera. É necessário incendiá-lo, enfim, com uma fé e com um impulso proporcionado ao esforço que hoje a vida lhe pede para que saiba conquistar essa realidade. A vida nunca dá presentes, mas ajuda-nos e convida-nos a merecermos tudo. Há perigos, mas há também, ilimitados horizontes. É preciso orientar o homem. Ele hoje procura sua realização e alegria fora de seu verdadeiro lugar e fica desiludido. É preciso transformá-lo de involuído em evoluído. Quem escreve deve ter vivido, antes, pessoalmente a sublimação da vida para depois ensiná-la aos outros, oferecendo-lhes gratuitamente a sua conquista biológica, um precioso produto experimental, fruto de tremendas lutas.
O nosso mundo atual está em estado de colapso espiritual. O homem moderno, enfunado de descobertas, é um abstêmio do espírito. A fase de onda atual representa a inércia das qualidades mais nobres da alma. A imprensa gosta de destacar os delitos e todas as piores baixezas humanas. A arte se está degenerando em todos os seus aspectos. Mesmo debaixo das aparências mais intelectuais, respira-se sempre um ar de depravação. Parece mesmo que tudo há de ter hoje esse sabor fundamental. Mas é preciso reagir e salvar-se. Há uma quantidade apreciável de valores superiores que nos podem tornar muito poderosos e ricos. O que é preciso é descobrir esses novos continentes do espírito para desfrutá-los. É preciso aprender a substituir por esses valores superiores os inferiores da riqueza material, para tornarmo-nos independentes dela o mais que pudermos, de todos os dissabores que dela se originam. Dá-se tanto valor ao dinheiro, que não se pode resolver o problema espiritual se não for antes resolvido o material. É verdade. Mas o grande erro consiste em considerarem-se as coisas do espírito como artigo de luxo, supérfluo, ao qual se recorre somente quando se está saciado de tudo e não se sabe mais desejar outra coisa; entretanto, são elas as coisas de primeira necessidade. É ainda verdade que o bem-estar econômico por si só não basta e que o problema da vida não é de solução assim tão simples, como o crê a moderna psicologia utilitária e materialista. Nenhum problema está isolado na vida e nada se resolve isoladamente; assim é com o material e com o espiritual, tanto que se pode dizer o contrário do que dizem todos, isto é, que o problema material não pode ser resolvido se antes não foi resolvido o espiritual. A riqueza pode ser nociva para quem dela não sabe fazer bom uso.
Hoje não se crê senão ela e se tem horror da pobreza. Hoje não se compreende uma pobreza que não é miséria, mas um estado de poucas necessidades materiais e de grandes riquezas espirituais, a ponto de poder, aquele que as possui, tornar-se mais rico do que os ricos. Essa pobreza de vastos horizontes, bem diversa da miséria que o é também. de alma, pode transformar-se em terreno das grandes conquistas espirituais que são afastadas pela riqueza, porque esta nos adormece nas comodidades. É necessário que falte alguma coisa em baixo para sermos induzidos a procurá-las mais no alto. Quem está saciado, não procura. Para progredir é preciso viver com o ânimo vibrante e não satisfeito. Para poder superar a matéria e enriquecer-se mais elevadamente, não é preciso gozar-lhe os enlevos; para formar desejos e exigências mais espirituais, é preciso que a alma encontre fechada a porta para os gozos materiais. Essa pobreza pode ser um estímulo para alcançar intuições, de outra forma inatingíveis; ela nos ensina a caducidade do nosso apego às coisas terrenas; a riqueza é um resultado vitorioso, mas efêmero. A pobreza a vence neste seu ponto fraco que é a falta de segurança e de paz. E assim é o nosso mundo: sem segurança e sem paz. É preciso vencer e superar esses pontos fracos. Hoje nada se compreende disto e se vive desesperadamente numa luta feroz. Este é o tormento que nos impõe a nossa cobiça. É preciso compreender o valor positivo, o lado que é conquista. dentro da renúncia e do desprendimento. Infelizmente o conceito tradicional de virtude nô-lo mostra no seu lado negativo, de perda e pobreza material, em vez de conquista e riqueza espiritual. É a nossa vacuidade interior que despreza a vida simples e pobre, enquanto esta pode ser ao contrário um meio de superar e de libertar, criando formas de vida superiores, mais ricas e mais poderosas.
É preciso fazer com que o homem suba da matéria ao espírito. Só aqui há salvação. O materialismo centralizou a nossa mente nos bens materiais. A ciência, conquistando e desfrutando as forças naturais, criou uma psicologia de prazer e de poder, em vez de sacrifício e renúncia, roupagem para os tolos e os vencidos. Dai resultou uni homem moralmente fraco, sem resistência nas adversidades, um homem que se sente sempre mais pobre. Uma artificial multiplicação de necessidades inúteis e nocivas está anulando a elevação do nível econômico, o que significa empobrecimento, porque, a riqueza não é absoluta, mas uma relação entre meios e necessidades. Em meio a um bem-estar crescente, adveio um maior senso de miséria, uma vida mais difícil, enfim um estado de angústia pela falta de espaço vital, um abandono das necessidades superiores, única saída da alma assim comprimida, para restringir-se na satisfação de necessidades inferiores, insuficientes para nos satisfazerem, porque se multiplicam a expensas daquele outro estado de alma muito mais vital. Isto é patológico, é anti-vital. Há uma descida para as necessidades mais elementares, que invadiram todo o campo dos desejos humanos. Há uma riqueza econômica que não compensa a carência dos bens espirituais. Há uma capacidade de saber procurar os primeiros e uma incapacidade de saber usufruir os segundos, ainda que vizinhos e gratuitos.
E assim vai tudo por água abaixo. A indústria, com a publicidade, faz do homem um consumidor, das nações um mercado a ser desfrutado. É preciso produzir e depois vender, fazer consumir. Mas é preciso pagar tudo isto, ainda que seja inútil ou supérfluo com o nosso tempo e o nosso fadigoso esforço, com a nossa paz. Cultiva-se assim o consumidor, cria-se e educa-se ele com a propaganda e há sempre novas necessidades, a escravidão das necessidades artificiais. Isto se chama bem-estar e civilização.
Atrai-se o consumidor com prazeres fictícios; ele está viciado e persuadido de que sua alegria e seu bem estão no deixar que o explorem. Assim, novos hábitos sociais vão nascendo, uma determinada moda para cada coisa, sempre mutável para encher tantos cérebros vazios. Na medicina, essa moda e essa psicologia de exploração do consumidor chegam ao ponto de representar um atentado à saúde e um perigo para a raça. A nossa civilização, que é tão sábia no particular (hoje também a ciência é especialização) está desorientada nas grandes linhas, falta-lhe diretriz geral, falta-lhe um guia inteligente. Por ora, o progresso, além das conquistas materiais, não atingiu a alma, onde está o verdadeiro homem, imitando-se a um espantoso excitamento das cobiças animais, com todas as suas conseqüências.
É preciso ensinar ao involuído atual que as alegrias que ele procura no fumo, no álcool, na cocaína, no vicio e, enfim, no furto e no delito, as encontrará, mais belas e mais poderosas, mais no alto, em realizações novas que o moderno caçador de êxitos, sempre ansiado e agitado, perseguido pelo tempo, não conhece. O crescimento do ser em direção da alegria, é direito sagrado, mas deve ser dirigido para volúpias diversas, não precárias, mas vitais, em ordem ascendente e não descendente. É preciso analisar e demolir esses prazeres que intoxicam e desfazem o homem, para ir em busca dos grandes prazeres do espírito. É preciso substituir os gozos destrutivos pelas grandes alegrias construtivas, substituir o sucesso exterior, vão e fictício, em que hoje se crê, por aquele outro, vindo do próprio valor intimo e substancial. O evoluído não renega a vida, mas a enaltece muito mais. Os tempos são maduros e é necessário aprender novos modos de viver. É necessário começar a preparação do terreno para uma nova civilização, fazendo compreender ao homem que ele é muito mais do que um simples animal, é o dono de um destino radioso; fazê-lo compreender que o universo não é somente um campo a ser explorado, mas um sábio organismo de pensamento e de matéria fundidos entre si.
O homem hoje não se realiza, dispersa-se. A felicidade da posse, que ele tanto procura, é primitiva e traidora. Ela é própria de uma dada fase do desenvolvimento e não das fases sucessivas, mais elevadas. Hoje, é preciso aprender a conhecer a felicidade superior que está na criação. Muda, desta sorte, a atual concepção da vida. Assim como o conceito de materialismo, uma vez tido por definitivo, perdeu todo o valor no seu velho significado sensório, assim muda o conceito de trabalho. Este, no nosso mundo de hoje, é condenação; exige, por isto, um salário. Daí as maiores lutas do nosso tempo, daí Capitalismo e Comunismo, guerras e destruições. O trabalho é condenação e sempre maior condenação, porque o temos privado do espírito animador cujo sopro é alegria. A máquina, a indústria, a organização e a cobiça levam ao cálculo do dinheiro e do tempo, ao horário e à escravização. A descida na matéria sufoca na limitação, que é seu elemento; a elevação no espírito dá liberdade, fora da limitação. A involução humana reduziu o trabalho, que é o mais alegre recurso do ser, a uma condenação oprimente conquanto, realizando e nos desenvolvendo, está entre os mais ativos instrumentos de evolução, isto é, de libertação para a felicidade. Nessa opressora miséria assim se transformou o que acima tínhamos chamado de livre e alegre ato da criação no qual o homem, não só se realiza e se desenvolve, como, também, é chamado a colaborar no funcionamento orgânico do universo e a operar, à semelhança de Deus, imitando-O na sua perene ação criadora.
A evolução é lei de vida e o mundo deverá percorrê-la, como teve de a percorrer quem escreve. Chegar-se-á, com a ascensão, a uma grande transformação de valores. Deve-se logo compreender que se o bem-estar material é muito, por si só não basta para dar felicidade. Na vida há necessidade de muitas outras coisas que hoje matamos, como a fé, o belo, a poesia, a paz interior, o amor elevado, a esperança. e mundo de hoje cresceu no plano físico, como corpo; urge um paralelo desenvolvimento no espírito, porque é extremamente perigoso que um tão grande corpo fique sem o guia de uma alma adequada, em poder de uma mente tão limitada e primitiva. É, exatamente, a hipertrofia técnica e científica que exige, para equilibrar-se, um proporcional desenvolvimento espiritual que assuma a direção, sem o que tudo ameaça acabar em desastre. A ditadura da ciência materialista e da sua psicologia é uma fase superada e o mundo, desesperadamente, invoca uma sistematização diversa, espiritual e moral.
Entre tantas revoluções que o homem moderno deseja, há também aquela contra a asfixia espiritual, contra a nivelação numa animalidade universal, contra o embrutecimento geral, próprio do Capitalismo como do Comunismo, nos problemas do ventre.
Bem outras revoluções hão de realizar-se, não para a conquista dos bens materiais, mas dos bens espirituais, continente inexplorado de riquezas infindáveis, lugar ao sol também este, sol da mente e do coração, de que o homem tem extrema necessidade. É preciso rebelar-se contra a imersão na massa nivelada, opondo-se aos gostos podres das maiorias. A verdadeira revolução far-se-á chegando a compreender os valores de substância, substituindo-os, na própria vida, aos de superfície e de forma, da abastança ou do sucesso, hoje tão em moda. Preciso é conquistar uma potência superior de domínio espiritual e lançá-la à face do mundo como um desafio. Potência de uma riqueza que não é a do dinheiro ou do poder, riqueza que permite ter piedade dos ricos e dos poderosos. Deve-se contrapor à riqueza econômica, hoje supremo ideal, a riqueza da inteligência e do coração, que hoje falta. É preciso mostrar tanto aos ricos do capitalismo, como aos pobres do comunismo, a sua vacuidade espiritual, que os iguala: os mesmos homens em luta no mesmo terreno, com os mesmos fins egoístas e os mesmos instintos de avidez.
É preciso ser os pioneiros de um ideal diverso, de destaque e de libertação, para subtrair-se à obsessão econômica que é o tormento moderno; preciso é ensinar a desfazer as falsas miragens dos prazeres oferecidos por traição pela nossa chamada civilização, a rebelar-se contra a prostituição e o sufocamento do espírito, que ela nos quer impor. É necessário enriquecer-se bem diversamente da maneira como hoje se anseia. É preciso saber colocar-se nesse terreno utilitário tão diverso e compreender-lhe as vantagens superiores. É preciso ensinar a gozar em planos mais altos, a sermos possuidores de alegrias mais refinadas e gratuitas que provêm do íntimo e não do exterior. É preciso alijar o peso do trabalho-pena para amar o trabalho-função e missão, que não é fadiga para uma paga, mas livre espontânea realização. É preciso conquistar a riqueza da tranqüilidade e a riqueza do tempo, hoje perdidas, especialmente pelos ricos. “Não tenho tempo” e a frase moderna, é a sua pobreza. E não há obras de beneficência que permitam doar essa mercadoria, ajudando em sua miséria esses desgraçados pobres de tempo! Essa carência de tempo é uma vingança da matéria que escolhemos como padrão, enquanto o espírito se mantém fora do tempo. Somente no alto há liberdade, que se deve conquistar elevando-se e não roubando a outros escravos seus grilhões de ricos.
A grande luta social hodierna se reduz a esse desejo intenso de roubar esses grilhões, isto é, de roubar aos ricos o tormento imposto pelo medo de perder os próprios bens, pela paixão de aumentá-los, pela necessidade de conservá-los. O mundo atual anseia por essa prisão dourada, que segura e enquadra em seus muros e da qual, depois, é tão difícil e penoso sair. No entanto, também ali dentro se está roído pelo tédio e pela saciedade de tudo, roído pela fome do espírito privado de alimento. Pouco dinheiro valoriza tudo; quanto mais as alegrias são moderadas, tanto mais são prelibadas. Muito dinheiro desvaloriza tudo, alegrias abundantes e repetidas terminam em náusea. Sábias compensações, justas vinganças da vida.
A atual máquina social funciona, em grande parte, pela força. Precisamos ser os pioneiros de um ideal diverso, de amor, convicção e colaboração. Só assim será possível alcançar a ordem necessária, subtraindo-se ao peso da coação Cada forma de poder, hoje, é mais ou menos uma forma de coação contra a precedente, somente para se impor; a autoridade, mais que uma função social a serviço da coletividade, é uma vantagem pessoal a serviço de quem a conquistou. O egoísmo que foi até ontem um elemento útil e necessário para as conquistas materiais e a que estas têm sido devidas, como o é o progresso humano, hoje aquele egoísmo, quando a vida humana entra na fase social orgânica, torna-se um elemento antivital, porque é antisocial, sendo destrutivo e inaceitável na nova coletividade. Hoje, que a técnica tanto progrediu, a caridade se encontra em pleno retrocesso. O progresso não consiste, como hoje se crê e se quer, em uma vã multiplicação de necessidades a que, depois, se ofereça satisfação: isto, assim, redunda numa custosa escravidão da qual é necessário pagar, logo após, o custo com trabalho forçado.
O atual desenvolvimento dos valores mais baixos não é progresso, mas atraso, não é vitória, mas derrota, que o mundo está pagando caro. Qual o uso que o homem sabe fazer hoje dos melhoramentos econômicos? E se não os sabe empregar no bem, mas só no mal, então não é melhor para ele a pobreza? Quando o homem, com a ciência, a máquina e a justiça social, chegar ao bem-estar material, que uso dele saberá fazer com sua psicologia? Certo é que se não for educado a tempo, não fará mais do que multiplicar e estender a sua atividade abusiva. E se a finalidade da vida é bem outra, o alcance desse tão desejado bem-estar não pode representar, para a humanidade como a de hoje, um dos maiores perigos?
Este é um quadro sumário das condições do nosso tempo. A finalidade destes livros é demonstrar com a razão; o escopo da vida do autor é demonstrar, com o exemplo, a realidade, a utilidade de uma vida superior, no espírito, mais rica e mais feliz. Se, depois disto, outros quiserem compreender com a sua razão e proceder com o seu exemplo, então a idéia de uma nova civilização não será mais utopia.
Já foi afirmado que estes livros não representam nada de novo e que não são mais do que repetições de coisas que já foram ditas. Certamente, não pretendemos oferecer descobertas no sentido moderno, particular e analítico, como invenção técnica e utilitária, como solução de casos isolados. Se isto acontecer, não o será mais que incidentalmente, como conseqüência da realização fundamental, que é bem outra. Esta é o antípoda da atual "forma mentis" humana, e tende, não ao resultado utilitário, no particular, mas à síntese, à orientação, a uma utilidade de conjunto, a uma nova compreensão da organicidade da vida. Há descoberta, mas em sentido diverso do corriqueiro, e é aquela da onipresença de uma lei que tudo guia. A novidade consiste em que, embora essas verdades sejam repetidas muitas vezes, isto se faz mecanicamente, por tradição, por quem não as vive, e que por isso, embora as repita desse modo, não as vivifica, mas as mata.
Dizendo-as e repetindo-as, assim, por hábito e sem senti-las, chega-se ao resultado de torná-las fastidiosas, falsas, inaplicáveis. Entretanto, são aqui ditas por quem as faz viver também em quem as escuta, em vez de serem ditas por quem não as vive e, por isso, as faz morrer em quem as ouve. Esta é a novidade e a descoberta que tentamos fazer. Elas consistem em superar aquela mentira que, enfim, tem invadido toda a nossa vida.
Há, aqui, mais uma coisa nova, e é o método de comando e de governo. Aqui saímos fora do plano humano e de seus sistemas tradicionais; trata-se, portanto, não mais das habituais revoluções de forma, mas de uma revolução de substância. Hoje a sociedade, em geral, é regida por emersão, com o sistema representativo ou totalitário de um chefe que trabalha, antes de tudo, para si; outrossim é regida por um grupo de homens que se coligam em torno dele por força de seus próprios interesses, prontos a se desembaraçarem dele tão logo não satisfaça mais àqueles interesses. O princípio do comando hoje é, no fundo mais ou menos como aquele tradicional da alcatéia de lobos ou da associação bélica, em que é aceito um guia porque serve como colaborador, porque a união faz a força e se torna útil na luta. Baseando-se nisto, a lei humana que nasce de tais associações é, naturalmente, fruto de partido e está, por isto, contra quem está fora do grupo; essa lei, por essa razão, logicamente é fraudada por quem está do lado de fora, quase com um sentido de justa defesa.
A novidade, pois, dos princípios aqui expostos, consiste num método todo diverso. O indivíduo se põe sozinho em face da Lei do ser e deve fazer a sua descoberta chegando a senti-la como atividade própria e em tudo à sua volta. A sociedade não vem a ser regida por nenhum chefe físico e muito menos por suas leis, que temos visto o que são, e tampouco pela força de que ele dispõe. Em face da Lei, que tudo sabe e tudo pode, esses menores poderes humanos não conservam mais do que um valor relativo e subordinado. Se o espírito de grupo subsiste, ele é baseado nas afinidades, com finalidade orgânica de colaboração criadora, segundo as normas da Lei, sem interesses materiais para defender, sem fins utilitários que excluam os que estão fora do grupo. Não se baseando na coação, a força não serve mais, mas somente a convicção. A liberdade que antes havia somente para quem comandava, agora é de quantos são capazes de compreendê-la. Ninguém pensa em fraudar a Lei. Aqui o chefe não tem corpo, mas é uma Lei onipotente e onipresente situada no imponderável que, portanto, não se pode liquidar quando mais não sirva, não se pode coagir ou fraudar, porque ela é a alma das coisas e também o rebelde é formado por ela. Não se pode matar esse chefe por revoluções ou por atentados, não precisa ele de polícia porque é imaterial e indestrutível: é o próprio princípio da vida. A polícia desse governo é perfeita porque em face desse chefe-Lei, cada um deve responder e pagar pessoalmente, se tem violado as suas normas. Essa é uma responsabilidade da qual não é possível eximir-se. O indivíduo, ainda que agindo em coletividade, se acha sempre só e despido diante da Lei, sem poder descartar-se de nenhum modo das suas ações. Cada um, sem hierarquia, está sempre em contato direto com o chefe-Lei que nele sempre funciona. Aqui, o proselitismo com o fim de engrossar a fila, e, com isto, a força do próprio poder contra os contrários não tem sentido, porque os seres não se podem unir, senão fraternizando-se para o bem de todos. Esse bem, qualquer que seja a sua forma humana, que aparecerá como coisa secundária, será o verdadeiro governo do homem evoluído do futuro.
Concluamos. Dissemos que a idéia dominante desta terceira trilogia, que aqui se inicia, é: sublimação. Temo-la aqui projetada em relação à maturação do autor, ao desenvolvimento da exposição e ao do destino do mundo. Sob este aspecto tríplice continuaremos o seu desenvolvimento no presente volume. Esta sublimação que o autor viveu e que tenta exprimir nesta terceira trilogia, está, pela fatalidade da hora histórica, segundo a intuição que tem, para ser projetada no destino do mundo. É uma sublimação da vida que entra em uma de suas mais altas fases de evolução e que arrasta primeiramente os mais sensíveis; é o ingresso do homem em um novo plano de vida, o plano evangélico do Reino de Deus, é a aproximação da nova civilização do Espírito. Este é o significado da sublimação no campo social. Este é o coroamento desta obra, como da vida do autor.
Ter compreendido a hora histórica, explicar o seu significado e a sublimação, lendo os seus traços escritos nas leis da vida, viver essa sublimação e projetá-la nos outros, fazendo-os participar da maravilhosa nova realidade alcançada, oferecer, assim, gratuitamente, uma contribuição para o advento da nova civilização do Espírito; realizar essa sublimação no próprio destino, como no do mundo, eis a significação de toda esta obra em volumes, eis o cumprimento do destino do autor, a realização da sua missão.
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