Título: No Teu Deserto
Autor: Miguel Sousa Tavares
Ano de edição ou reimpressão: 2009
Editor: Oficina do Livro
Encadernação: Capa mole
Páginas: 128
Excerto “Esta história que vos vou contar passou-se há vinte anos. Passou-se comigo há vinte anos e muitas vezes pensei nela, sem nunca a contar a ninguém, guardando-a para mim, para nós que a vivemos. Talvez tivesse medo de estragar a lembrança desses longínquos dias, medo de mover, para melhor expor as coisas, essa fina camada de pó onde repousa, apenas adormecida, a memória dos dias felizes.” «Éramos donos do que víamos: até onde o olhar alcançava, era tudo nosso. E tínhamos um deserto inteiro para olhar.» «Ali estavas tu, então, tão nova que parecias irreal, tão feliz que era quase impossível de imaginar. Ali estavas tu, exactamente como te tinha conhecido. E o que era extraordinário é que, olhando-te, dei-me conta de que não tinhas mudado nada, nestes vinte anos: como nunca mais te vi, ficaste assim para sempre, com aquela idade, com aquela felicidade, suspensa, eterna, desde o instante em que te apontei a minha Nikon e tu ficaste exposta, sem defesa, sem segredos, sem dissimulação alguma.» «Parecia-me que já tínhamos vivido um bocado de vida imenso e tão forte que era só nosso e nós mesmos não falávamos disso, mas sentíamo-lo em silêncio: era como se o segredo que guardávamos fosse a própria partilha dessa sensação. E que qualquer frase, qualquer palavra, se arriscaria a quebrar esse sortilégio.» «Eu sei que ela se lembra, sei que foi feliz então, como eu fui. Mas deve achar que eu me esqueci, que me fechei no meu silêncio, que me zanguei com o seu último desaparecimento, que vivo amuado com ela, desde então. Não é verdade, Cláudia. Vê como eu me lembro, vê se não foram assim, passo por passo, aqueles quatro dias que demorámos até chegar juntos ao deserto.»
A minha opinião
No teu deserto, obra assumidamente autobiográfica, Miguel Sousa Tavares leva-nos em viagem pelo deserto na sua companhia e na de Cláudia, uma rapariga que conheceram pouco tempo antes, mas pela qual criou uma afinidade, que após mais de 20 anos ainda perdura. A viagem, realizada em Novembro de 1987 ao deserto do Sahara num jipe UMM seria uma espécie de uma aventura, com peripécias bastante hilariantes. Desde os acontecimentos do ferry, árabe, que os levaria a Oran, até à chegada a Argel, onde o protagonista ia sendo preso. Na obra, Miguel Sousa Tavares arrisca um romance a quatro mãos, e duas vozes, onde coloca como narradora a própria Cláudia, 15 anos mais nova, da viagem de 40 dias ao deserto. O autor viria mesmo a dizer em entrevistas que o "só existe porque ela morreu". O livro esteve quase para não chegar às mãos dos leitores porque esteve dentro do computador que foi roubado ao escritor, em Outubro do ano passado, isto porque numa entrevista dada a Helena Teixeira da Silva ao Jornal de Notícias, Miguel Sousa Tavares disse que durante os dois meses que esteve sem computador não escreveu uma linha. «E não, acho que não rescreveria a história, não teria força anímica para voltar atrás», adianta. No teu deserto é um livro intimista, que se lê em pouco mais de uma hora, e que faz com que o leitor entre também ele na história. Um livro diferente do que Miguel Sousa Tavares nos habituou a ler (Equador e Rio das Flores), mas que arrisco ser a sua melhor obra.
“É por isso que não gosto de olhar para fotografias antigas: se alguma coisa elas reflectem, não é a felicidade, mas sim a traição – quando mais não seja, a traição do tempo, a traição daquele mesmo instante em que ali ficámos aprisionados no tempo. Suspensos e felizes, como se a felicidade se pudesse suspender carregando no botão “pausa” no filme da vida.” “Mesmo a desordem necessita de uma ordem que lhe dê um sentido para que não seja apenas leviandade.”
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