De repente outra música instrumental surge entre as palmas. Pouco a pouco domina a cena. É a deixa para que Helena Contente comece a contar A Princesa de Bambuluá, história que Ricardo Azevedo adaptou e publicou no livro Contos de Espanto e Alumbramento (Scipione). O silêncio da arena ganha o som de passos que se aproximam. São os guardas do Átrio que chegam para assistir a performance. Helena está coberta por uma roupa negra da cabeça aos pés e os funcionários parecem saber o que virá a seguir. Buscam um lugar para manter a guarda. A Princesa de Bambuluá está viva nos olhos da contadora. Todos estamos focados na aventura de João em busca do seu amor. Desajuizados assim como o pobre rapaz, aceitaríamos os suplício e provações de João só para conhecer o fim da história. Mas não temos pressa. Helena é Iara, embora a personagem não faça parte desta história. Mas a sua voz traz um encanto que não conquista apenas os guardas. O público está entregue ao talento e à beleza da moça diante da história. Sensualidade. Mais bocas abertas. Olhos colados no corpo, ferramenta que movimenta a engrenagem do conto. Enquanto a narrativa segue, Helena joga com as caixas do cenário. Troca de roupa, brinca com peças de vestuário e aguça a curiosidade da platéia. Ricardo Azevedo ficaria surpreso ao ver que seu texto encontrou uma porta-voz. Como uma torcida organizada, rimos na hora certa. Um riso rápido na medida certa para seguirmos ouvindo. João segue vencendo suas provações e chega a Bambuluá. É hora do show. Mais uma vez a música toma conta e convida Helena para dançar. Uma dança que contagia, provoca risos, provoca os guardas. Mas, assim que acaba a música, a história pede silêncio. Ainda me arrepio. Volta a música e provoca mais risos. Cadu e Warley também riem da cena. Eles trabalham se divertindo. Não é ótimo?! Enfim, a história termina. Os guardas procuram outra coisa para fazer. Nós continuamos lá. Mais aplausos e alguns Iuhús naquele começo de noite, fim de domingo, fim de temporada. O público está mais à vontade. Eu escrevo.
Uma música andina cresce no ar e o grupo apresenta o último cenário da noite. Carlos Eduardo Cinelli, o Cadu, senta-se ao lado de um painel negro e começa a contar A Terra é Redonda do livro O Homem que não Queria Saber Mais Nada e Outras Histórias (ática) de Peter Bichsel. O texto é precioso, diferente, inteligente, criativo. As soluções que Cadu encontrou para contá-lo também são. Compartilhamos os absurdos ao lado de Monalisa, Almodóvar, Björk, Egberto Gismontti, Walter Salles, Beatles, Michelangelo, Papa Léguas e Coyote. Do painel saem soluções absurdas para o personagem pôr em prática seu grande desejo: dar uma volta perfeita no planeta. Na verdade, as soluções absurdas nascem de problemas mais absurdos ainda... mas que no fundo, no fundo, têm uma lógica!!! Caramba como este texto é bom. Cadu também. Ele segue pescando soluções no painel até que chega a primeira carreta. O público se mostra cúmplice num riso coletivo. Riso que vai se descontrolando na boca enquanto o texto se desenrola. Começa um jogo de advinhas. O público acha que já sabe o que há por vir, mas há sempre uma surpresa. Os risos seguem. Cadu tem o público na mão. Há um momento em que ele dispara o verbo. Fala, fala, fala e a gente fica sem fôlego. Tem o domínio do texto, parece que foi ele quem escreveu. Com um talento para proteger mochilas, o contador segue sua sina. Hã... será que a história me dominou e passei a escrever absurdos? A história chega ao seu final. Na verdade, o texto foi dito, mas nosso contador ainda surpreende numa performance de rodopios impressionante. Sou eu quem fica tonto. Tonto com tanta criatividade e encantamento. Estou feliz, entregue aos braços imaginários das palavras de Marina, Ricardo, Peter, Warley, Helena e Cadu. Ouço os aplausos. Público
Este texto é o relato da última apresentação de O mundo de fora pertence ao mundo de dentro, espetáculo integrante da temporada 2008 dos Tapetes Contadores de Histórias em Brasília (DF). Na foto acima, Warley, Cadu e Helena.
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