quinta-feira, 13 de março de 2008

Lágrimas com pontos e vírgulas

Queridos roedores,
Dia desses visitando o blog Ler pra Crescer capitaneado pela jornalista Cristiane Rogério, resolvi morder a isca que ela deixou, falando sobre um artigo publicado na revista em que trabalha. Fui à banca, comprei a revista e me identifiquei com o texto. A seguir, reproduzo com a autorização da Revista Crescer o artigo escrito pela atriz Denise Fraga e publicado na página 98 da citada revista, edição de fevereiro de 2008. Devo confessar que as questões levantadas no artigo não são de exclusividade da autora. Vivemos isto aqui em casa e quem sabe, também na casa de vocês. Me senti acolhida pelo texto de Denise Fraga. Espero que vocês também. O livro a que ela se refere é Peter Pan e Wendy e o livro que aparece na foto é a edição com texto integral publicada em 1999 pela Companhia das Letras com tradução de Hildegard Feist. Recentemente saiu uma edição pela editora Salamandra com tradução do texto integral feita por Ana Maria Machado. Acho que em qualquer uma das opções o leitor estará bem servido. Boa leitura. Hatuna Matata.

P.S. Os negritos e itálicos são por minha conta!!!

Lágrimas com pontos e vírgulas.

"Nós acreditamos que, formando bons leitores e bons escritores, formamos pessoas aptas a aprender o que quiserem." Foi com esta frase que a escola onde nossos filhos estu­dam ganhou a nossa matrícula. E, realmente, dão extremo valor à leitura. A maior par­te dos livros didáticos é de literatura e, na maioria das vezes, parte da lição de casa é ler algumas páginas do livro do momento. Nino não gosta de estudar, e declara isso a ple­nos pulmões. Desde a alfabetização, vive às turras com as impossíveis lições, os cader­nos de caligrafia, a necessidade absurda de letra maiúscula, ponto, vírgula e todas essas "coisas inúteis" que lhe parecem mais atrapalhar do que ajudar a comunicação humana. Bom malabarista, acaba de passar para o quinto ano. Para mim, a coisa mais difícil de ser mãe é perceber o limite em que ajudar atrapalha. O direito que nossos pequenos têm à vivência de frustrações, que muitas vezes lhes tiramos, na melhor das intenções. Tenho uma relação bem próxima com a orientadora da escola, e vínhamos conversando a respeito desse limite. Em casa, fazíamos pequenos tratos, tipo "as duas últimas pági­nas eu leio pra você", e, numa dessas, acabei lendo um pedaço de Peter Pan e Wendy, de J. M. Barrie, um dos livros trabalhados. Coloquei-o na cama e segui para o meu quarto, ansiosa por acabar o capítulo. "Meu Deus, que absurdo, coitadinho, é muito difícil!" O livro do J. M. Barrie é realmente sofisticado pra se ler aos 9 anos. Sensível, metafórico, psicológico. E, no meio de uma crise, em que não nos dávamos conta de pontos finais, letras maiúsculas e tabuada, foi a gota d'água. No dia seguinte, um pouco envergonha­da, mas cheia de intenção de proteção, liguei pra escola. "Tudo bem, estamos juntos na luta, mas Peter Pan original é demais!" Minha observação foi assimilada com delicade­za pela orientadora, mas as páginas restantes precisariam ser lidas no prazo. Que jeito? Dia após dia, depois de muito nhenhenhem e força de vontade, Nino foi chegando ao fim das aventuras do menino que não queria crescer. Como prêmio, e num justo trato, ganhou a leitura do último capítulo inteiro pela mamãe. Sentei na cama e, ainda meio ligada nas últimas coisas do dia, um telefonema aqui, um e-mail acolá, iniciei buro­craticamente a leitura. O título do capitulo era "E Wendy cresceu". No meio de uma linha, o silêncio. "Que foi, mamãe?" Eu já não podia mais segurar. As lágrimas me vieram aos cântaros. Peter Pan e Wendy deveria ser lido por todos os pais e todos os filhos. Quando exatamente perdemos a capacidade de voar? Quando nossos filhos nos devolvem as fadas? Quando simplesmente nos resta observá-Ios em seu cami­nho para a Terra do Nunca? Quando viu minhas lágrimas, Nino também desabou no choro. O choro daquele livro inteiro. Da vida, das metáforas, que ele quase en­tendia, da dificuldade de crescer. Entendeu também que palavras, pontos e vírgulas podem virar lágrimas de emoção. E, como Wendy conversa com sua filha, falei ao meu pequeno das vantagens de ser grande. "Mas tem que trabalhar!", me disse, aos soluços. "É, tem que trabalhar, mas você pode dar a sorte de trabalhar em algo que goste de fazer." Acabamos dormindo abraçados depois de uma longa conversa e, no dia seguinte, liguei pra escola pra agradecer à orientadora pelo livro difícil.

Denise Fraga é atriz, apresento quadros no Fantástico, casado com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 10 anos, e Pedro, 8.

Página 98 Revista CRESCER FEVEREIRO 2008



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