Oscar Wilde para crianças? O aniversário da infanta é uma das inúmeras narrativas do escritor sem qualquer conotação com o universo infantil. Esse é o primeiro aspecto relevante da obra: o facto de não ser especificamente uma obra para crianças mas ter sido considerada adequada a faixas etárias ainda pueris. Provavelmente a razão é semelhante à dos Contos Tradicionais: uma moral e um universo aproximado da intemporalidade dos topoi dos castelos, príncipes e princesas. Acontece, porém, que o rigor desta magnificência descritiva obedece a uma intenção comum nas obras do autor e esse uso escorreito da adjectivação resulta do esteticismo que tão bem dominava.
A leitura desta obra recupera o debate antigo acerca dos clássicos, e Oscar Wilde já é um clássico. O que pode trazer esta boa literatura aos jovens (muitos deles incipientes, outros desinteressados) leitores? A boa literatura espanta, causa desconforto, esmaga, liberta, obriga a pensar. Das 45 páginas do livro, na edição da Relógio d’Água, só na página 40 começa o leitor a inferir que há um mistério a resolver, um problema, uma revelação, para além do terraço e dos jardins do palácio, do vestido da Infanta, do bosque ou das várias salas por onde passa o anão. Até então, apenas referências a intrigas na corte, o resumo da história de amor entre o Rei e a defunta Rainha, e a extravagante festa de aniversário. Descreve-se uma profusão de ambientes sensoriais, cheios de apelos visuais, recorrendo a uma riquíssima paleta de cores que extravasam dos objectos para o espaço, caracterizando cada cenário como se ele se abrisse ao olhar do leitor. A minúcia das palavras, escolhidas pelo sentido mais estrito, dá à narrativa um valor quase enciclopédico. A diegese fica arredada do papel central do livro. A adjectivação ora se apresenta através de enumerações, ora encadeando características («As paredes estavam cobertas de damasco cor-de-rosa, historiado de pássaros e melindrosas flores de prata. De prata maciça era a mobília, com festões, grinaldas, Cupidos esvoaçantes.»p. 40) A utilização de múltiplas soluções predicativas enriquece ainda mais o discurso, bem como o recurso à sinonímia. Contudo, é nas últimas 5 páginas do livro que aquilo que poderia parecer uma criação estética se revela uma intenção poderosa de sentido moral. Oscar Wilde retorna à metáfora da beleza (central na sua obra e no seu pensamento sobre o hedonismo, o dandismo e a função da arte) para denunciar com argúcia a superficialidade do poder, a sua arbitrariedade e desprezo em relação à dimensão dos valores e dos sentimentos. A festa de aniversário representa, no jorrar de entretenimentos, uma certa sociedade aristocrática nos seus comportamentos insaciáveis de prazer e desejos gratuitos dentro de um universo de luxo padronizado. A longa descrição proposta ao leitor, enreda-o no sumptuoso de forma graciosa e leve, para o confrontar com o seu próprio encantamento. A forma crua como termina o livro, com a sentença da Infanta, de quem não se conhecia o perfil, colide com valores como o respeito, pela humilhação a que sujeita aquele ser disforme mas feliz na sua inocência. A principal questão moral da narrativa, e o que a distingue do Corcunda de Notre Dâme (por exemplo), é o total desconhecimento do anão acerca da sua imagem. É certo que a revelação funciona como recurso diegético para a sua tomada de consciência. Sem este momento, não se poderia dar a profunda desilusão e o sentimento de humilhação por ter acreditado que a Infanta poderia gostar de si. Por outro lado, no entanto, impossibilita a esperança de que a beleza, ou a aparência, podem e devem ser irrelevantes nas relações e sentimentos que as pessoas nutrem entre si. A moral não é de esperança mas sim de crítica.
A leitura desta obra recupera o debate antigo acerca dos clássicos, e Oscar Wilde já é um clássico. O que pode trazer esta boa literatura aos jovens (muitos deles incipientes, outros desinteressados) leitores? A boa literatura espanta, causa desconforto, esmaga, liberta, obriga a pensar. Das 45 páginas do livro, na edição da Relógio d’Água, só na página 40 começa o leitor a inferir que há um mistério a resolver, um problema, uma revelação, para além do terraço e dos jardins do palácio, do vestido da Infanta, do bosque ou das várias salas por onde passa o anão. Até então, apenas referências a intrigas na corte, o resumo da história de amor entre o Rei e a defunta Rainha, e a extravagante festa de aniversário. Descreve-se uma profusão de ambientes sensoriais, cheios de apelos visuais, recorrendo a uma riquíssima paleta de cores que extravasam dos objectos para o espaço, caracterizando cada cenário como se ele se abrisse ao olhar do leitor. A minúcia das palavras, escolhidas pelo sentido mais estrito, dá à narrativa um valor quase enciclopédico. A diegese fica arredada do papel central do livro. A adjectivação ora se apresenta através de enumerações, ora encadeando características («As paredes estavam cobertas de damasco cor-de-rosa, historiado de pássaros e melindrosas flores de prata. De prata maciça era a mobília, com festões, grinaldas, Cupidos esvoaçantes.»p. 40) A utilização de múltiplas soluções predicativas enriquece ainda mais o discurso, bem como o recurso à sinonímia. Contudo, é nas últimas 5 páginas do livro que aquilo que poderia parecer uma criação estética se revela uma intenção poderosa de sentido moral. Oscar Wilde retorna à metáfora da beleza (central na sua obra e no seu pensamento sobre o hedonismo, o dandismo e a função da arte) para denunciar com argúcia a superficialidade do poder, a sua arbitrariedade e desprezo em relação à dimensão dos valores e dos sentimentos. A festa de aniversário representa, no jorrar de entretenimentos, uma certa sociedade aristocrática nos seus comportamentos insaciáveis de prazer e desejos gratuitos dentro de um universo de luxo padronizado. A longa descrição proposta ao leitor, enreda-o no sumptuoso de forma graciosa e leve, para o confrontar com o seu próprio encantamento. A forma crua como termina o livro, com a sentença da Infanta, de quem não se conhecia o perfil, colide com valores como o respeito, pela humilhação a que sujeita aquele ser disforme mas feliz na sua inocência. A principal questão moral da narrativa, e o que a distingue do Corcunda de Notre Dâme (por exemplo), é o total desconhecimento do anão acerca da sua imagem. É certo que a revelação funciona como recurso diegético para a sua tomada de consciência. Sem este momento, não se poderia dar a profunda desilusão e o sentimento de humilhação por ter acreditado que a Infanta poderia gostar de si. Por outro lado, no entanto, impossibilita a esperança de que a beleza, ou a aparência, podem e devem ser irrelevantes nas relações e sentimentos que as pessoas nutrem entre si. A moral não é de esperança mas sim de crítica.
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