quarta-feira, 22 de agosto de 2007

No Umbral do Mistério, de Stanislas de Guaita

Esta obra resume, de forma brilhante, a evolução do Hermetismo, desde o ciclo
de Ram e o Reino do Carneiro até os Franco Juízes da Idade Média e as
Sociedades que nasceram das cinzas dos Templários, passando pela India,
Pérsia e pela Grécia legendária. A obra distingue claramente o Hermetismo do
Espiritismo e das práticas de feitiçaria.
Stanislas de Guaita descreve os grandes Iniciados do Ocidente, mostrando a
retransmissão do sacerdócio mágico e religando-os desde Alberto, o Grande,
até Saint-Yves d’Alveidre e Papus, passando por Louis Claude de Saint-Martin,
na Revolução Francesa, e por Fabre d’Olivet. Constata, por fim, a renovação
do Hermetismo da sua época (1886), da qual ele próprio é um dos principais
expoentes.
A primeira edição desta obra veio à luz em 1886. Logo esgotou-se, dando lugar
a uma segunda edição, revista e ampliada em 1890. A revisão definitiva foi
efetuada com a edição de 1895, na qual se baseia a presente tradução.
INTRODUÇÃO
Está em voga indignar-se à simples menção das palavras Hermetismo ou Cabala.
Diante delas trocam-se olhares marcados por uma ironia benevolente, e
sorrisos mordazes acentuam a expressão de desdém dos perfis. Na verdade,
esses escárnios costumeiros só se propagam em todos os tempos e entre os
melhores espíritos por força de um mal-entendido. A Alta Magia não constitui
um compêndio de divagações mais ou menos espíritas, arbitrariamente erigidas
em dogma absoluto. Trata-se de uma síntese geral - hipotética, porém racional
- duplamente respaldada na observação positiva e na indução por analogia.
Através da infinita diversidade dos modos transitórios e das formas efêmeras,
a Cabala distingue e proclama a Unidade do Ser, remonta à sua causa essencial
e encontra a lei de suas harmonias no antagonismo relativamente equilibrado
das forças contrárias. Chamados ao equilíbrio, os poderes naturais jamais o
realizam integralmente. O equilíbrio absoluto seria o repouso estéril e a
verdadeira morte. Ora, de fato, não se pode negar a Vida, não se pode negar o
movimento. Preponderância alternada de duas forças aparentemente hostis e
que, tendendo ao equilíbrio, oscilam incessantemente de um lado para outro:
esta é a causa eficiente do Movimento e da Vida. Ação e reação! A luta dos
contrários tem a fecundidade de um estreitamento sexual - o amor também é um
combate.
A Magia admite três mundos ou esferas de atividade: o Mundo Divino, das
causas; o Mundo Intelectual, dos pensamentos; o Mundo Sensível, dos
fenômenos(23). Uno em sua essência, tríplice em suas manifestações, o Ser é
lógico e as coisas do alto são análogas e proporcionais às coisas que estão
embaixo tanto que uma mesma causa gera, em cada um dos três mundos, uma
pluralidade de efeitos correspondentes e rigorosamente determináveis por
cálculos analógicos. Eis, assim, o ponto de partida da Alta Magia, essa
álgebra das idéias. Todo axioma, marcado por seu número genérico, é
representado, cabalisticamente, por uma letra do alfabeto hebraico, de acordo
com esse número. Assim, os conceitos classificam-se na medida em que geram;
desenvolvem-se em cadeias intermináveis, na ordem de sua filiação. Causas
primeiras com os mais remotos efeitos, princípios os mais simples e claros
com inúmeros resultados deles derivados; que maravilhoso processo desenrolado
em todos os domínios do contingente, remontando até aquele Inefável que
Herbert Spencer denomina Incognoscível!
"De omni re scibili et quibusdam aliis..." Ciências conhecidas e ciências
ocultas, a síntese hierática abarca, de uma só vez, todos os ramos do saber
universal, cuja raiz é comum. É em virtude de um princípio idêntico que o
molusco segrega nácar e o coração humano, amor. E a mesma lei rege a comunhão
dos sexos e a gravitação dos sóis. Porém, ressuscitar a Ciência integral é
uma tarefa que ultrapassa nossas forças: não esmiuçando os resultados por
demais indiscutíveis e as teorias já bastante universalizadas, cumpre-nos
limitar estes Ensaios ao exame de fenômenos ainda misteriosos e ao estudo de
problemas especiais que a ciência oficial ignora, despreza ou desfigura.
Tentaremos, sobretudo, nesta série de opúsculos esotéricos, reatar questões
perturbadoras, diante das quais o ceticismo moderno se sobressalta, aos
grandes princípios invariavelmente professados pelos adeptos de todos os
tempos. Um dia talvez nos seja dado sublimar, em um corpo de doutrina coeso,
esta alta filosofia dos mestres.
Aquilo que, aos olhos do leitor, não é mais do que uma hipótese -
extravagante, sem dúvida - é, para nós outros, um dogma incontestável. Assim,
pedimos desculpas por falarmos com a firme segurança de quem crê. Baseamo-nos
notadamente na Iniciação hermética e cabalística. Contudo, sabemos que nos
santuários da Índia, nos tempos da Pérsia, da Hélade e da Etrúria, bem como
entre os Egípcios e os Hebreus, a mesma síntese revestiu múltiplas formas e
os simbolismos aparentemente discrepantes, contraditórios, traduzem, para o
Eleito, a Verdade sempre Una, na língua fundamentalmente invariável dos Mitos
e dos Emblemas.
Desde o cisma dos gnósticos até o século XVIII, a vida dos adeptos apresentase
como um constante martírio: veneráveis excomungados, patriarcas do exílio,
noivos da potência e da fogueira, conservaram na provação a serenidade
heróica que o Ideal confere aos seus seguidores fervorosos; viveram sua
agonia, pois assumiram o Dever de transmitir aos herdeiros de sua fé
proscrita o tesouro da ciência sagrada; escreveram seus símbolos que hoje
deciframos... É finda a era do fanatismo oficial e das superstições
populares, mas não a era do juízo temerário e da parvoíce: se os Iniciados
não são queimados, são, de qualquer forma, objeto de escárnio e de calúnias.
Mas eles já se resignaram à injúria, como seus pais, os mártires.
Talvez se chegue a suspeitar, algum dia, de que os antigos hierofantes não
eram nem charlatões, nem sandeus... - Então, ó Cristo, teus servidores
lembrar-se-ão de que os Magos se prosternaram diante de teu berço real. E
assim, espargida por toda parte, a Caridade testemunhará excelsamente que
adveio o teu reino: Adveniat regnum tuum!... Aguardando que soe esta hora de
Justiça e de Gnose, entregamos ao escárnio ruidoso da maioria, submetemos ao
imperfeito juízo de alguns, estes ENSAIOS DE CIÊNCIAS MALDITAS.
Stanislas de Guaita

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