quinta-feira, 18 de junho de 2009

A Moderna feitiçaria

TRECHO:
Os paroquianos da respeitável igreja da rua Arlington, em Boston, viram e
ouviram muita coisa ao longo dos anos. Afinal, é em seu altar que o
evangelho unitário de um deus único, e não tríplice, tem sido
transmitido de geração em geração. Foi ali também, numa crise agora
remota, que o abolicionista William Ellery Channing protestou
contra os malefícios da escravatura. E, um século depois , seria nessa
mesma igreja que vários manifestantes externariam seu protesto contra a
intervenção americana no Vietnã.
Contudo, é possível pensar que nem mesmo paroquianos com tanta tradição e audácia
teriam sido capazes de prever a incrível cena que ocorreu nessa igreja numa sexta-feira de
abril, no ano de 1976. Naquela noite, quando as luzes da igreja diminuíram e o som cristalino
de uma flauta se espalhou por entre mais de mil mulheres ali reunidas, quatro feiticeiras,
cada uma delas empunhando uma vela, colocaram-se ao redor do altar. Com elas encontravase
uma alta sacerdotisa da magia, Morgan McFarland, filha de um ministro protestante.
Numa voz clara e firme, McFarland proferiu um longo encantamento cujos místicos ecos
pareciam realmente muito distintos da doutrina que os paroquianos unitaristas estavam
habituados a ouvir: "No momento infinito antes do início do Tempo, a Deusa se levantou em
meio ao caos e deu a luz a Si Mesma (...) antes de qualquer nascimento (...) antes de seu
próprio nascer. E quando separou os Céus das Águas e neles dançou, a Deusa, em Seu êxtase,
criou tudo que há. Seus movimentos geraram o vento, o elemento Ar nasceu e respirou."
Enquanto a alta sacerdotisa prosseguia em seu cântico, descrevendo sua própria versão
da criação do mundo, suas companheiras de altar começaram a acender as velas, uma após a
outra — a primeira para o leste, depois para o sul, o oeste e, por fim, para o norte. As
palavras de MacFarland repercutiam, ressoando diante de todos como se fossem ditas pela
voz de uma antiga pitonisa, uma voz que invocava a grande divindade feminina que, segundo
afirmavam as sacerdotisas, havia criado os céus e a terra. No ápice de seu canto, MacFarland
rememorava o dia em que a deusa criara a primeira mulher e lhe ensinara os nomes que
deveriam ser eternamente pronunciados em forma de oração: "Sou Ártemis, a Donzela dos
Animais, a Virgem dos Caçadores. Sou ísis, a Grande Mãe. Sou Ngame, a Deusa ancestral
que sopra a mortalha. E se
rei chamada por milhares de nomes. Invoquem a mim, minhas filhas, e saibam que
sou Nêmesis."
Tudo isso ocorreu durante uma convenção de três dias, cujo tema era a espiritualidade
feminina. Apesar de recorrer a elementos familiares tais como velas, túnicas e música, essa foi
a prece menos ortodoxa que já ecoara pelas paredes de arenito da igreja da rua Arlington. A
cerimônia deve ter sido contagian-te, pois no final a nave da igreja estava repleta de pessoas
dançando e quase mil vozes preenchiam aquele local majestoso e antigo unidas em uma só
cantilena que dizia: "A Deusa vive, há magia no ar. A Deusa vive, há magia no ar."

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