segunda-feira, 1 de junho de 2009

Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos - OITAVO ANO - 1865

TRECHO:
GOLPE DE VISTA SOBRE O ESPIRITISMO EM 1864.
O Espiritismo progrediu ou diminuiu? Esta questão interessa, ao mesmo tempo, aos
seus partidários e aos seus adversários. Os primeiros afirmam que ele aumenta, os outros
que declina. Quais deles se iludem? Nem uns nem os outros; porque aqueles que
proclamam a sua decadência sabem muito bem em que se pegar para isso, e o provam a
cada instante pelos temores que manifestam e a importância que lhe concedem. Alguns,
no entanto, são de boa-fé; têm neles uma tal confiança que, porque deram um grande
golpe no ar, se dizem seriamente: Ele está morto! ou melhor: Ele deve estar morto!
Os Espíritas se apoiam sobre os dados mais positivos, sobre os fatos que foram
capazes de constatar. Por nossa posição, podemos melhor ainda julgar do movimento do
conjunto, e somos felizes as afirmar que a Doutrina ganha incessantemente terreno em
todas as classes da sociedade, e que o ano de 1864 não foi menos fecundo que os outros
em bons resultados. À falta de outros indícios, nossa Revista já seria uma prova material
do estado da opinião com relação às idéias novas. Um jornal especial que está em seu
oitavo ano de existência, e que vê todos os anos o número de seus assinantes crescer
numa notável proporção; que desde a sua fundação viu três vezes se esgotarem as
coleções dos anos anteriores, não prova a decadência da Doutrina que ele sustenta, nem
a indiferença de seus adeptos. Até o mês de dezembro, recebeu novas assinaturas para o
ano expirado, e o número daqueles inscritos em 1e de janeiro de 1865 já era de um quinto
mais considerável do que não o era na mesma época do ano precedente.
Está aí um fato material que, sem dúvida, não é concludente para os estranhos, mas
que para nós é tanto mais significativo quanto não solicitamos as assinaturas de ninguém,
e não as impomos como condição em nenhuma circunstância; não há, pois, ninguém,
quem seja a isso forçado, ou o preço de uma condescendência particular. Além disso, não
bajulamos ninguém para obter adesões à nossa causa; deixamos as coisas seguirem o
seu curso natural; dizendo-nos que se nossa maneira de ver e de fazer não é boa, nada
poderia fazê-la prevalecer. Sabemos muito bem que, na falta de ter incensado certos
indivíduos, nós os distanciamos de nós e que se voltaram do lado em que vinha o
incenso; mas que nos importa! Para nós, as pessoas sérias são as mais úteis à causa, e
nós não
consideramos como sérios aqueles que não se atraem senão pela sedução do amorpróprio,
e mais de um o provou. Não queremos a sua adesão: lamentamos por eles terem
dado mais importância à fumaça das palavras do que à sinceridade. Temos a consciência
de que, em toda a nossa vida, jamais devemos à adulação nem à intriga; é por isso que
acumulamos grande coisa, e não seria com o Espiritismo que teríamos começado.
Louvamos com alegria os fatos realizados, os serviços prestados, mas jamais, por
antecipação, os serviços que se podem prestar, ou mesmo que se prometem prestar: por
princípio, primeiro, em seguida porque não temos senão uma medíocre confiança sobre o
valor real dos impulsos tirados do orgulho; é por isso que dele jamais tiramos. Quando
deixamos de aprovar, não censuramos, guardamos o silêncio, a menos que o interesse
da causa nos force a rompê-lo.
Aqueles, que vêm a nós aqui vêm livremente, voluntariamente, atraídos unicamente
pela idéia que mais lhes convém, e não por uma solicitação qualquer, ou por nosso mérito
pessoal, que é questão secundária, tendo em vista que, qualquer que possa ser esse
mérito, não poderia dar valor a uma idéia que não tivesse valor. É por isso que dizemos
que os testemunhos que recebemos se dirigem à idéia, e não à pessoa; haveria tola
presunção de nossa parte em tirar disso vaidade. O ponto de vista da Doutrina, esses
testemunhos nos vêm, pela maioria, de pessoa que jamais vimos, a quem freqüentemente
jamais escrevemos, e a quem, certamente, jamais escrevemos primeiro. A idéia de
captação ou de associação estando assim descartada, eis porque dizemos que a situação
da Revista tem um significado particular, como indício do progresso do Espiritismo e foi só
por isso que dele falamos.
Além disso, o ano viu nascerem vários órgãos da idéia: o Sauveur dês peuples, a
Lumière, a Voix d'outre-tombe, em Bordeaux; o Avenir, em Paris; o Médium évangélique,
em Toulouse; em BruxeIles, o Monde musical que, sem ser um jornal especial, trata a
questão do Espiritismo de maneira séria. Seguramente, se os fundadores dessas
publicações tivessem acreditado a idéia em declínio, não teriam se aventurado a
semelhantes empreendimentos.
O progresso, em 1864, é ainda marcado pelo crescimento do número dos grupos e
sociedades espíritas que se formaram numa multidão de localidades onde elas não
existiam, tanto no estrangeiro quanto na França. A cada instante, recebemos o aviso da
criação de um novo centro. Esse número é ainda bem maior do que parece, pela multidão
das reuniões íntimas e de família, que não têm nenhum caráter oficial. É contra essas
reuniões que todos os rigores de uma oposição sistemática são impotentes, fosse mesmo
ela inquisitorial, como na Espanha, onde, no entanto, elas existem em mais de trinta
cidades, e nas casas dos personagens da mais alta classe.
Ao lado desses índices materiais, há aquele que se revela pelas relações sociais. É
raro encontrar hoje pessoas que não conhecem o Espiritismo, ao menos de nome, e,
quase por toda a parte, encontram- se os que lhe são simpáticos. Aqueles mesmos que
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não crêem dele falam com mais reserva, e cada um pôde constatar o quanto o espírito
zombeteiro diminuiu; ele geralmente dá lugar a uma discussão mais raciocinada. Salvo
alguns ditos espirituosos da imprensa e alguns sermões mais ou menos acerbos, os
ataques violentos e apaixonados, incontestavelmente, são mais raros. É que os próprios
negadores, mesmo repelindo a idéia, sofrem com seu desconhecimento, seu ascendente,
e começam a compreender que ela conquistou o seu lugar na opinião; a maioria, aliás,
encontra adeptos em suas fileiras e entre seus amigos que podem pilheriar na intimidade,
mas que não ousam zombar publicamente. De resto, cada um notou sob quantas formas
a maioria das idéias espíritas são hoje reproduzidas na literatura, de maneira séria, sem
que a palavra seja pronunciada. Jamais se viram tantas produções desse gênero do que
nestes últimos tempos. Que isso seja convicção ou fantasia da maioria dos escritores, não
é menos um sinal da vulgarização da idéia, porque se é explorada é com o pensamento
de que ela encontrará eco.
O progresso, no entanto, está longe de ser uniforme. Em certas localidades ela está
contida pelos preconceitos ou por uma força oculta, mas, freqüentemente, ela vem à luz
no momento em que menos se o espera. É que, em muitos lugares, há mais partidários
do que se crê, mas que não se colocam em evidência; disso se tem a prova pela venda
das obras, que já ultrapassa em muito o número dos Espíritas conhecidos. Então, basta
uma pessoa que tenha a coragem de sua opinião, para que o progresso, de latente, se
torne ostensivo. Deveu ser assim em Paris, permanecido tanto tempo a-trás de algumas
cidades da província. Há dois anos, mas há um ano sobretudo, o Espiritismo ali se
desenvolveu com uma rapidez surpreendente. Hoje os grupos declarados são numerosos,
e as reuniões privadas inumeráveis. Certamente, não há exagero em avaliar o número
dos adeptos em cem mil, desde o alto até o baixo da escala.
Em resumo, o progresso durante o ano que acaba de se escoar, foi incontestável,
considerando-se o conjunto e não as localidades isoladamente; embora não se tenha
manifestado por nenhum sinal estrondoso, nem nenhum acontecimento excepcional, é
evidente que a idéia se infiltra cada dia mais e mais no espírito das massas, e dela não há
senão mais força. Disso não seria preciso concluir, no entanto, que o período de luta
tenha terminado; não, nossos adversários não se dão tão facilmente por vencidos. Eles
dirigem novas baterias no silêncio, e é por isso que é preciso se manter em guarda. Disso
diremos algumas palavras num próximo artigo.
___________________
NOVA CURA DE UMA JOVEM OBSIDIADA DE MARMANDE.
O Sr. Dombre nos transmite o relato seguinte de uma nova cura das mais notáveis,
obtida pelo círculo espírita de Marmande. Apesar de sua extensão, acreditamos dever
publicá-la em uma única vez, em razão do alto interesse que apresenta e para que melhor
se possa apreciar o encadeamento dos fatos. Pensamos que nossos leitores com isso
não se descontentarão. Não suprimimos qualquer detalhe que nos pareceu de uma
importância capital. Os ensinamentos que dela decorrem são numerosos e sérios, e
lançam uma luz nova sobre essa questão de atualidade e esses fenômenos que tendem
ase multiplicar. Tendo em vista a extensão desse artigo, remetemos as considerações ao
próximo número, a fim de dar-lhe os desenvolvimentos necessários.
Senhor Allan Kardec,
É com uma força nova e uma confiança em Deus corroborada pelos fatos, que me
entusiasmam sem me espantarem, que venho vos fazer o relato de uma cura de
obsessão, notável sob vários aspectos. Oh! muito cego quem não vê aí o dedo de Deus!
Todos os princípios da sublime doutrina do Espiritismo ali se acham confirmados; a
individualidade da alma, a intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo, a expiação, o
castigo e a reencarnação são demonstrados de maneira chocante nos fatos com os quais
vou vos entreter. Lamento, assim como já vos exprimi, estar obrigado a falar de mim, do
papel que me aconteceu nesta circunstância, como instrumento do que Deus se dignou
servir-se para ferir os homens. Deveria passar sob silêncio os fatos que têm relação
comigo? Não o pensei. Estais encarregado de controlar, estudar, analisar os fatos e
derramar a luz: os menores detalhes, pois, devem ser levados ao vosso conhecimento.
Deus, que lê no fundo dos corações, sabe que uma vã satisfação de amor-próprio não foi
o meu móvel; não ignoro, aliás, que aquele que, por privilégio é chamado a fazer algum
bem, é logo reduzido à impotência, se desconhece um instante a intervenção divina: feliz
mesmo se não for castigado!
Chego ao relato dos fatos.
Desde os primeiros dias de setembro de 1864, não eram motivo de questão, em
certo quarteirão da cidade, as crises convulsivas experimentadas por uma jovem,
Valentine Laurent, com a idade de treze anos. Essas crises, que se renovavam várias
vezes por dia, eram de uma violência tal que cinco homens tomando-a pela cabeça, os
braços e as pernas, tinham dificuldade para mantê-la em sua cama. Ela achava bastante
força para agitá-los, e algumas vezes mesmo se libertar de seus constrangimentos. Então
suas mãos se agarravam em tudo; as camisas, as roupas, os cobertores da cama eram
prontamente dilacerados; seus dentes também desempenhavam um papel muito ativo em
seus furores, dos quais temiam com razão as pessoas que a cercavam. Se não fosse
mantida, ela quebraria a cabeça contra as paredes, e apesar de todos os esforços e as
precauções, não se isentou de rasgões e de contusões.
Os recursos da arte não lhe faltaram; quatro médicos a viram sucessivamente;
porções de éter, pílulas, medicamento de toda natureza, ela tomava tudo sem
repugnância; as sanguessugas atrás da orelha, os vesicatórios nas coxas não lhe foram
poupados, mas sem sucesso. Durante as crises, o pulso era perfeitamente regular; depois
das crises, a menor lembrança de seus sofrimentos, de suas convulsões, mas muita
admiração de ver a casa cheia de gente, e sua cama cercada de homens sem fôlego, dos
quais alguns tinham a lamentar uma camisa ou um colete rasgado.
O cura de X......paróquia situada a dois ou três quilômetros de
Marmande, gozava na região de uma celebridade nascente, entre um certo povo,
como curador de todas as espécies de males, foi consultado pelo pai da jovem. O cura,
sem se explicar sobre a natureza do mal, lhe deu gratuitamente um pouco de pó branco
para fazer a doente tomar; ofereceu-lhe em seguida para dizer uma missa. Mas, ah! nem
o pó nem a missa preservaram a jovem Valentine de catorze crises que ela teve no dia
seguinte, o que jamais lhe tinha acontecido.
Tanto insucesso nos cuidados de todas as espécies, necessariamente, deveram
fazer nascer no espírito do vulgo idéias supersticiosas. As comadres, com efeito, falaram
altamente de malefício, de sortilégio lançado sobre a criança.
Durante esse tempo, consultamos no silêncio da intimidade nossos guias espirituais
sobre a natureza dessa doença, e eis o que nos responderam:
"É uma obsessão das mais graves, cujo caráter mudará freqüentemente de
fisionomia. Agi friamente, com calma; observai, estudai e chamai Germaine."
A esta primeira evocação, este Espírito prodigaliza as injúrias e mostra uma grande
repugnância em responder às nossas interpelações. Nenhum de nós havia ainda entrado
na casa da doente, e antes de intervir queríamos deixar a família esgotar todos os meios
dos quais pudesse se inspirar em sua solicitude. Não foi senão quando a impotência da
ciência e da Igreja foi constatada, que convidamos o pai desesperado a vir assistir à
nossa reunião para conhecer a verdadeira causa do mal de sua criança, e o remédio
moral a lhe levar. Essa primeira sessão teve lugar em 16 de setembro de 1864. Antes da
evocação de Germaine, nossos guias nos deram a instrução seguinte:
"Levai muito cuidado, muita observação e muito zelo. Tereis negócio com o Espírito
mistificador que junta a astúcia, a habilidade hipócrita a um caráter muito mau. Não
cesseis de estudar, de trabalhar na moralização desse Espírito e de orar para esse fim.
Recomendai aos pais evitar, em presença da criança, a manifestação de qualquer medo
por seu estado; eles devem, ao contrário, ocupar-se de suas ocupações ordinárias, e
sobretudo evitar, a seu respeito, a precipitação. Que lhes digam muito, sobretudo, que
não há feiticeiros: isto é muito importante. O cérebro jovem e flexível recebe as
impressões com muita facilidade, e, com isso, seu moral poderia sofrer; que não se a
deixe conversar com as pessoas suscetíveis de lhe contar histórias absurdas, que dão às
crianças idéias falsas e, freqüentemente, perniciosas. Que os próprios pais se
tranqüilizem: a prece sincera é o único remédio que deve livrar a criança.
Nós vos dissemos, Espíritas, o Espírito de Germaine tem habilidade; ele arranjará
sempre crenças ridículas, ruídos que circulam ao redor da jovem; procurará vos enganar.
Tirai partido deste caso: a obsessão se apresentará sob fases novas. Tende-vos por
advertidos; pensai que deveis trabalhar com perseverança, e seguir com inteligência os
menores detalhes que vos colocarão sobre as marcas das manobras do Espírito. Não vos
confieis na calma. Se as crises são os efeitos mais evidentes nas obsessões, são
conseqüências de outro modo bem perigosas. Desconfiai-vos do idiotismo e da
infantilidade de um obsidiado que, como neste caso, não sofre fisicamente. As obsessões
são tanto mais perigosas quanto elas sejam mais ocultas; freqüentemente são puramente
morais. Tal desarrazoa, tal outro perde a lembrança do que disse, do que fez. No entanto,
não é preciso julgar muito precipitadamente e tudo atribuir à obsessão. Eu o repito,
estudai, discerni, trabalhai seriamente; não espereis tudo de nós; nós vos ajudaremos,
uma vez que trabalhamos juntos, mas não repouseis crendo que tudo vos será
dispensado."
Evocação de Germaine. - R. Eis-me aqui. P. Tendes alguma coisa a nos dizer, em
conseqüência de nossa última conversa? - R. Não, nada, senhores.
P. Sabeis que nos tratastes muito bruscamente? - R. Falais-me também bastante
mal.
P. Nós vos demos conselhos; neles refletistes? - R. Sim, muito, eu vo-lo juro; minhas
reflexões foram sábias; eu estava louca, nisto convenho; era do delírio, mas eis-me aqui
calma.
P. Então! Quereis nos dizer por que torturais esta criança? - R. Inútil retornar sobre
esse assunto, isto seria muito longo para contar. Eu imagino que não há aqui um tribunal;
que não serei chamada com autoridade de me sentar sobre o banco, e responder ao
questionário.
P. Não, de todo; estais completamente livre; é um interesse que temos por vós,
assim como pela criança, que nos faz vos perguntar por qual motivo sério, ou por qual
capricho vos entregais a esses ataques? - R. Capricho, dizeis? Ah! deveríeis desejá-lo
que não fosse senão um capricho; porque, vós o sabeis, o capricho é variável e finito.
P. Estais realmente calma? - R. Vós o vedes. P. Sim, em aparência; mas não
disfarçais vossos sentimentos? - R. Não venho vos estender armadilhas, não tenho
necessidade disto.
P. Quereis nos afirmar diante dos Espíritos que nos cercam...?-R. Não coloquemos
outras pessoas entre nós. Se temos alguma coisa a conversar ou a tratar, que isso seja
de vós a mim; não gosto da intervenção de terceiros.
P. Então! nós vos cremos de boa fé, e... - R. É por isso que deveríeis vos contentar
com esta garantia. De resto eu vos obrigaria a crer-me se nisso pusésseis resistência; as
provas não me faltarão para vos convencer de minha sinceridade.
GERMAINE.
Ao nome de Germaine o pai da obsidiada exclama, estupefato: Oh! é má pessoal e
se retirando, repetiu freqüentemente: É má pessoa!
(Isto será explicado mais tarde.)
No dia seguinte, 17 de setembro, fui pela primeira vez àquela família, com o desejo
de ser testemunha de um ataque do Espírito; fui servido a gosto. Valentine estava em
crise; entrei com as pessoas do quarteirão, que se precipitaram na casa.
Vi estendida sobre uma cama uma jovem magnífica, robusta para sua idade, e
contida por oito ou dez braços vigorosos, assim como o descrevi mais acima. Só a cabeça
estava livre, se agitando em todos os sentidos a sua cabeleira desenrolada. A boca
entreaberta deixava ver duas fileiras de dentes brancos e sobretudo ameaçadores. O
olhar era completamente perdido e as duas pupilas, das quais não se via senão a borda,
estavam alojadas no ângulo do lado do nariz. Ajuntai a isto uma espécie de grito
selvagem, e julgai o quadro.
Observei um instante a força dos abalos, e me inclinando para o rosto da criança,
pousei minha mão esquerda sobre a sua fronte e minha mão direita sobre seu peito;
instantaneamente os movimentos e os esforços convulsivos cessaram, e a cabeça se
colocou calma sobre o travesseiro. Dirigi os dedos da mão direta sobre a boca que afiz
nela roçar, e logo o sorriso retornou sobre seus lábios; suas duas grandes pupilas negras
retomaram seu lugar no meio do olho; a essa figura satânica sucedeu o rosto mais
gracioso. A criança manifestou seu espanto de ver tantas pessoas ao seu redor, em
dizendo que ela não estava doente; era sempre suas primeiras palavras depois das
crises. Elevei minha alma a Deus, e senti sobre minhas pálpebras duas lágrimas de
entusiasmo e de reconhecimento.
Isto vinha de se passar na manhã de 17. As crises, as mais multiplicadas, tendo
lugar à tarde, em torno de cinco horas, a ela retornei, mas a crise tinha adiantado à hora
habitual, e tinha terminado. Às sete horas entrei em minha casa para jantar; mas apenas
de retorno vieram me advertir de que a criança tinha uma crise terrível. Para lá retornei
logo. Depois de haver tomado, com a mão, junto aos punhos, os dois braços reunidos da
jovem, disse aos homens que a detinham: Deixai-a; depois, sob minha outra mão
colocada sobre seu peito se a viu aquietar de repente; minha mão levada em seguida
sobre o rosto, para lá reconduziu o sorriso, e seus olhos retomaram seu estado normal. O
mesmo efeito da manhã havia se produzido. Fiquei junto da criança uma parte da noite;
ela não teve crises, mas dormia um sono agitado; sua fisionomia tinha alguma coisa de
convulsiva; via-se-lhe o branco dos olhos, e ela parecia sofrer moralmente. Gesticulava,
falava distintamente e gritava com um acento enérgico e emocionado: "Vai-te daqui! vai-te
daqui!... oh! a vilã!... E a criança... e a criança... nos rochedos... nos rochedos... A essa
agitação sucedia uma espécie de êxtase; ela chorava e retomava com um acento
lamentoso: Ah! tu sofres os tormentos do inferno!... e eu, tu vens me fazer sempre
sofrer!... sempre! sempre pois! E estendendo seus dois braços no ar, procurando se
levantar: Pois bem! carrega, carrega-me!
O pai a cada instante soltava sua exclamação: Oh! é má pessoal E a mãe
acrescentava: Ali há mistério. A partir de uma hora da noite, ela dormiu mansamente até o
dia.
Essas agitações, essas reprovações, esses êxtases, esses choros, se renovavam
cada dia depois dos ataques violentos do Espírito, e duraram muito antes nas noites de
18, 19 e 20 de setembro. Cada dia eu ia junto da enferma e me instalava, por assim dizer,
na casa. Durante a minha presença, nada se manifestava; mas apenas partia, uma nova
crise se produzia. Eu voltava e a calma também logo como se viu. Isto durou vários dias.
Certamente, era um fenômeno bem digno de atenção que essas crises se acalmassem
subitamente apenas com a imposição das mãos; isso era boato em toda a cidade, e havia
aí matéria para estudo sério; no entanto, tive o desgosto de não ver nenhum dos quatro
médicos que tinham cuidado da criança, vir observá-la.
Eu notava durante todo esse tempo, na casa da criança, ora uma alegria exagerada,
ora uma espécie de tolice; o pai e a mãe não achavam esses ares naturais, o que
justificava a previsão de nossos guias.
Em 21 de setembro, o pai e a criança foram comigo à sessão. No início, nossos
guias nos disseram: Chamai Germaine; pedi-lhe para permanecer junto de vós, e dizei-lhe
isto:
"Germaine, sois nossa irmã; esta jovem é também nossa irmã e a vossa. Se outrora
alguma ação funesta vos ligou, e fez pesar sobre vós duas a justiça divina, não podeis
dobrar o Juiz supremo. Fazei um apelo à sua misericórdia infinita; pedi-lhe vossa graça,
como a pedimos por vós; tocai o Senhor por vossa prece fervorosa e vosso
arrependimento. É em vão que procurais calma aos vossos remorsos e um refúgio na
vingança; é em vão que procurais vossa justificativa oprimindo com o peso de vossa
acusação. Retornai, pois, ao nosso conselho; perdoai, e vos será perdoado; não procureis
nos enganar; não creiais que apenas a aparência de franqueza possa nos seduzir;
quaisquer que sejam os meios empregados por vós, nós os conhecemos, e vos oporemos
nossa força e nossa vontade. Que vosso coração, enceguecido pelo sofrimento e pelo
ódio, se abra à piedade e ao perdão. Não deixaremos de pedir ao Eterno e aos bons
Espíritos, seus mensageiros fiéis, para derramar sobre vós a consolação e o favor. O que
queremos, Germaine, é vos livrar de vossos sofrimentos. Sereis sempre acolhida por nós
como uma irmã; sereis socorrida. Não nos olheis, pois, como inimigos; queremos a vossa
felicidade; não sejais surda às nossas palavras; escutai nossos conselhos, e dentro em
pouco conhecereis a paz da consciência. O remorso terá fugido para longe de vós, o
arrependimento terá tomado seu lugar. Os bons Espíritos vos acolherão como uma ovelha
perdida que terão reencontrado; os maus imitarão vosso exemplo. Nesta família onde
provocais a maldição, não será falado de vós senão o bem; haverá ali reconhecimento;
essa criança pedirá também por vós, e se o ódio vos desuniu, o amor um dia vos reunirá.
"Sempre se é infeliz quando se está alterado pela vingança; não mais repouso para
aquele que odeia. Aquele que perdoa está perto de amar; a felicidade e a tranqüilidade
substituem o sofrimento e a inquietação. Vinde, Germaine, vinde unir-vos a nós por
vossas preces. Queremos que, a exemplo de Jules (1-(1) O Espírito obsessor da jovem Thèrèse
B..., de Marmande. (V. Revista Espírita de junho de 1864.)) e de outros Espíritos que, como vós,
viviam no mal, ficai junto de nós sob a feliz proteção de nossos guias. Estais só; sede a
filha adotiva desta família que ora ao Eterno por aqueles que sofrem, e ensina a todos a
amar para serem felizes. Se vos obstinais em permanecer cruel com relação a esta
criança, prolongareis e agravareis vossos sofrimentos, e ouvireis a criança e aqueles que
a cercam vos maldizerem.
"Merecei, pois, de vossos irmãos a amizade que vos oferecem de todo coração;
cessai essas torturas, de onde vos retirareis toda machucada. Crede em nossa palavra;
crede sobretudo nos conselhos dos bons Espíritos que nos guiam, e particularmente nos
da Pequena Cárita. Não sereis surda a este pedido. Dai-nos por prova que acolheis a
nossa oferta, a paz e o sono sem perturbação da criança durante alguns dias. Nós iremos
orar por vós, e não cessaremos de pedir o fim de todos os vossos males."
Chamamos Germaine, e lemos para ela o que acaba de nos ser ditado.
P. Ouvistes e compreendestes bem os votos que acabamos de vos expressar? - R.
Sim; estou admirada de todas essas promessas; não mereço tanto. Mas sou um Espírito
desconfiado e não ouso acreditar nisso. Veremos se vossas preces me darão essa calma
da qual estou privada há muito tempo. É verdade, estou só, e não conheço senão aquele
que procura me dilacerar (1-(1) A seqüência do relato fará compreender estas últimas palavras.).
Veremos.
P. Não vedes junto de vós os bons Espíritos? - R. Sim, mas não espero nada senão
de vós.
P. Pois bem! em troca do bem que queremos vos fazer, não poderíeis cessar de
fazer o mal, de atormentar?... - R, E sou somente eu a causa desse mal? Ela nisso
contribuiu tanto quanto eu. Atormentar, dizeis? Nós lutamos, nos estreitamos; a culpa é
partilhada. Ela foi minha cúmplice; não vejo porque faríeis pesar apenas sobre mim a
responsabilidade desses atos violentos dos quais também sou vítima, eu.
P. No entanto, a criança não vai vos procurar, e se a atormentais, é bem porque a
quereis; tendes o vosso livre arbítrio. - R. Quem vos disse? estais no erro; uma fatalidade
nos liga.
P. Pois bem! contai-nos tudo. - R. Não posso; não gozo aqui de toda a sua
liberdade... Sou franca.
P. Vamos! Germaine, vamos orar por vós. Até uma outra vez!
Terminando, nossos guias nos disseram:
"Durante estes dias, reuni-vos tão numerosos quanto possível; ocupai-vos mais
particularmente dela. Vossa franqueza e vosso zelo a seu respeito a tocarão e os
resultados que pedimos serão, nós o esperamos, prontos graças a esta medida.
O dia 22 passou sem crise, e à noite nos reunimos, como de hábito.
Evocação de Germaine. - P. Pois bem! Germaine, credes em nossa afeição por
vós?-R. É-me bem permitido duvidar; o pária crê dificilmente no beijo fraternal que se lhe
dá de passagem. Estou habituada a ver o desdém e o desprezo me perseguirem.
P. Deus quer que tenhamos o amor uns para com os outros. - R. Não conheço isso.
Aqui, aquele que o remorso persegue ou oprime é um inimigo, uma serpente da qual se
foge atirando-lhe a pedra. Credes que isso não é revoltante para o maldito? Ele se torna o
inimigo de todos por instinto; a paixão e o ódio o cegam; infeliz aquele que cai sob a garra
desse abutre.
P. Nós, Germaine, queremos vos amar, e vos estendemos a mão. - R. Por que não
se me falou assim mais cedo? No entanto, há corações generosos no mundo que habito;
eu lhes causava, pois, medo? Por que não se me disse jamais: Tu és nossa irmã e podes
partilhar a nossa sorte? Tenho ainda o veneno na alma, sobretudo quando penso no
passado. O crime merece uma pena, mas a punição foi muito grande: parecia que tudo
caía sobre mim, para me esmagar. Nesses momentos desconhece-se Deus, se o
blasfema, se o nega, revolta-se contra ele e os seus, quando se está no abandono.
Nota. Este último raciocínio do Espírito é o resultado da su-perexcitação em que se
encontra, mas vem de pôr uma questão que tem a sua importância. "Por que, disse ele,
no mundo onde estou, não se me falou como vós o fazeis?" Pela razão de que a
ignorância do futuro, momentaneamente, faz parte do castigo de certos culpados; não é
senão quando seu endurecimento é vencido pela lassidão que se lhe faz entrever um raio
de esperança como alívio de suas penas; é preciso que seja voluntariamente que voltem
seus olhares para Deus. Mas os bons Espíritos não os abandonam; eles se esforçam por
lhes inspirar bons pensamentos; espiam os menores sinais de progresso e, desde que
vejam despontar neles o germe do arrependimento, provocam as instruções que,
esclarecendo-os, podem conduzi-los ao bem. Essas instruções lhes são dadas pelos
Espíritos em tempo oportuno; podem também sê-lo pelos encarnados, a fim de mostrar a
solidariedade que existe entre o mundo visível e o mundo invisível. No caso de que se
trata, era útil para a reabilitação de Germaine que o perdão lhe viesse da parte daqueles
que tinham a se lamentar dela, e que era, ao mesmo tempo, um mérito para estes
últimos. Tal é a razão pela qual a intervenção dos homens é com freqüência requerida
para a melhoria e o alívio dos Espíritos sofredores, sobretudo nos casos de obsessão. A
dos bons Espíritos, seguramente, basta, mas a caridade dos homens para com seus
irmãos da erraticidade é, para eles mesmos, um meio de adiantamento que Deus lhes
reservou.
P. O Espírito de Jules que vedes junto de nós, era também um criminoso, sofredor e
infeliz?... -R. Minha posição foi pior para mim. Citai tudo o que pode afligir a alma; dizei o
quanto o veneno queima as entranhas: eu tudo experimentei; e o mais cruel para mim era
estar só, abandonada, maldita; não inspirei a piedade a ninguém. Compreendeis a raiva
que extravasa de meu coração? Muito sofri! eu não podia morrer; o suicídio me era
impossível; e sempre diante de mim o futuro mais sombrio! Jamais vi despontar um luar;
jamais uma voz me disse: Espera! Então, gritei: "Raiva, vingança! A mim as vítimas! terei
ao menos companheiros de sofrimentos. Não é a primeira vez que a criança sente meus
abraços (1-(1) Os pais nos disseram que, com efeito, sua filha tinha, com a idade de seis anos, sentido
crises das quais não tinha podido se dar conta.)."
Nota. - Se se perguntasse por que Deus permite aos maus Espíritos saciarem sua
raiva sobre os inocentes, diríamos que não há sofrimento imerecido, e que aquele que é
inocente hoje e que sofre, sem dúvida, tem ainda alguma dívida a pagar; esses maus
Espíritos servem, nesse caso, de instrumentos à expiação. Sua maldade, além disso, é
uma prova para a paciência, a resignação e a caridade.
P. Agradecei a Deus de vos ter feito sofrer tanto; esses sofrimentos são a expiação
que vos purificou. - R. Agradecer a Deus! nisso me pedis muito; sofri muito! O inferno era
preferível ao que suportei. Os condenados, como me foi ensinado, sofrem, choram e
gritam juntos; podem se debater e lutar entre eles; eu, era só. Oh! é horrível! Eu me sinto,
em vos fazendo essas descrições, prestes a blasfemar e a precipitar sobre a minha presa.
Não creias me entravar, colocando entre ela e mim um anjo sorridente. Lutarei com todos,
quem quer que seja.
P. Qualquer que seja o sentimento que vos agita, não vos oporemos senão a calma,
a prece e o amor. - R. O que mais me apraz é que falais sem me injuriar, sem me repelir,
e quereis me fazer esperar. Oh! esperais que eu me livre logo em seguida; tenho medo da
decepção. Se, depois de me ter feito tão belas promessas, tão belas que não posso ainda
nelas crer, fósseis me abandonar! Oh! então, em que eu me tornaria? E, nisso refleti; por
que essas consolações tão tarde? e por que vós? seria isso uma armadilha oculta?
Tende! eu não sei o que crer, o que fazer; verdade, isso me parece estranho,
surpreendente!
Nota. -A experiência prova, com efeito, que as palavras duras e más são um meio
muito mau para se desembaraçar dos maus Espíritos; elas os irritam, o que os leva a se
obstinarem mais.
P. Germaine, escutai-me; vou vos explicar o que vos surpreende. Há poucos anos, a
imortalidade, a individualidade e a relação das almas com aqueles que estão ainda sobre
a Terra nos foram demonstradas de maneira que não podem deixar nenhuma dúvida. O
Espiritismo, é o nome desta nova doutrina, faz para seus adeptos um dever amar e
socorrer os seus irmãos. Somos Espíritas, e, por amor por duas irmãs que sofrem, vós e a
criança vossa vítima, viemos a vós para vos oferecer nosso coração e o socorro de
nossas preces. Compreendeis agora? - R. Não muito. Raciocinais como jamais ouvi.
Tendes, pois, a vos ocupar daqueles que vivem como vós e no vosso meio, e dos
Espíritos que sofrem como eu? É um trabalho que não deve ser sem mérito.
P. Se tiverdes lugar de nos crer sinceros, quereis nos prometer que as vossas
disposições com relação à criança serão boas? - R. Boas em razão de que fostes bons
para mim. Eu vos creio todos sinceros; vossa linguagem tende a me fazer crê-lo; mas
duvido ainda. Levantai-me essa dúvida, e sou à vós. Vou me esforçar por fazer o que vou
vos prometer: à medida que a dúvida se apagar, o mal se enfraquecerá, e tendo a dúvida
partido, o mal na criança terá cessado. Se brincarem comigo, infeliz! Ela morrerá
estrangulada. Uma vítima espera, ou a sua graça que depende de vós, ou o golpe que
tenho sobre a sua cabeça. Isto não é uma ameaça para vos intimidar, mas uma
advertência de que o ódio e a raiva me cegariam. Chegastes a tempo; ela seria talvez
morta já. Uma vez que não podemos sempre conversar juntos, dizei aos vossos amigos
que vivem onde vivo, para continuarem a conversa; que não me repilam, embora não haja
talvez cessado minhas maldades; porque não estou absolutamente obrigada; não podeis
exigir mais do que prometi.
Pedimos aos nossos guias para darem boa acolhida a Germaine. Eles responderam:
"Ela é, por antecipação, nossa irmã bem-amada, tanto mais que ela mais sofreu.
Vinde, Germaine; se jamais nenhuma mão amiga apertou a vossa mão, aproximai-vos:
nós vos estenderemos as nossas. Só a vossa felicidade nos ocupa. Encontrareis sempre
em nós irmãos, apesar da fraqueza de que vos sentis ainda capaz. Nós vos lamentamos
e não vos condenamos. Entrai em vossa família, a felicidade nos sorri. Entre nós as
lágrimas amargas não correm; a alegria substitui a dor, e o amor o ódio. Irmã, vossas
mãos!"
'VOSSOS GUIAS."
O dia 23 passou sem crise, como o da véspera. À noite a jovem vai com seu pai à
sessão, para ouvir Germaine por quem ela já levava muito interesse.
Nossos guias nos disseram:
"Começai vossos trabalhos pela evocação de Germaine; ela o deseja muito; deveis
provar-lhe que ela vos ocupa especialmente. Evitai tudo o que poderia ter a aparência de
esquecimento ou de indiferença, afim de afastar todas as suas dúvidas. Pensai que seus
ataques não estão senão suspensos. Sede prudentes; sede felizes sem amor-próprio e
sem orgulho; sobretudo, sede fervorosos em vossas preces. Se ela manifestar o desejo
de conversar longamente, deva ela vos prender toda a noite, não regateeis o tempo."
'VOSSOS GUIAS."
Evocação de Germaine. - R. Eis-me, muito mais calma; quero ser justa, creio vo-lo
dever. Vede também que agi segundo o que havia dito; as boas relações fazem os bons
amigos. Falai-me, pois, uma vez que sois vozes amigas; é tão estranho e tão novo para
mim, que me permitais bem saborear uma conversa onde o ódio será substituído pelo...
eu ia dizer o amor, e não o conheço! Dizei-me o que é preciso fazer para amar e ser
amada, eu, a pobre miserável Germaine, envelhecida pela infelicidade, o opróbrio e o
crime!... Batiza-se entre vós? Eis uma neófita."
- O batismo que perguntais, Jeanne, já o recebestes, respondi-lhe; ele está em
vosso arrependimento, em vossa resolução de caminhar num caminho novo.
O dia 24 de setembro foi tão calmo quanto o precedente. Na reunião da noite,
chamamos Germaine.
P. Germaine, nós vos agradecemos... - R "Não me faleis nisso, porque me tornais
toda envergonhada. Cabe a mim inclinar-me e pedir graça. Dou-te uma grande reparação,
pobre criança! A vida da qual os Espíritos gozam é eterna, Deus colocou diante de mim
os meios e o tempo de reparar os estragos causados pela cegueira da paixão. Fica
tranqüila; algumas vezes ore pela infeliz Germaine, a criminosa que, hoje, arrependida, te
pede seu perdão. Esquece, pobre criança, tuas dores e aquela que as causou; não te
lembres senão daquela que deseja agora ser tua amiga. Não é mais a mesma Germaine:
a prece que se derramou sobre mim tornou-me a alma mais limpa; minha sede de
vingança se extinguiu. A lembrança de meu infame passado será minha expiação. Minha
prece, junto à vossa, abrandará o remorso que me tortura. Obrigada a todos, que me
haveis chamado ao caminho da verdade e do bem, quando estava perdida nas
profundezas do vício e da impenitência.
"Agora eu creio em vós: a dúvida desapareceu. Amo-vos e vos agradeço por me
terdes salvo e curado; eu vos agradeço também por esta pobre criança, a quem
restituístes a saúde e a vida.
"Posso me dizer feliz, porque estou no meio de bons Espíritos, que me consolam e
me fortalecem por sua doce e persuasiva moral. Não estou mais só; apesar de todo o
negrume de minha alma, eles me admitiram em sua família bem-aventurada. Eu sou a
doente, eles são os meus guardiães. As expressões me faltam para vos dizer tudo o que
sinto.
"Dizei-me todos, tu sobretudo, pobre jovem, que me perdoais. Tenho necessidade
de ouvir esta palavra sair de teu coração. Dai-me, se vos apraz, essa consolação."
A jovem Valentine lhe disse: "Sim, Germaine, eu vos perdôo; muito mais, vos amo!"
- "E nós também, respondi logo, nós vos amamos como a uma irmã."
Germaine continuou:
"E eu também, começo a amar. A quem devo esta transformação? Àqueles que
injuriei, e que, apesar de todo o horror que eu devia lhes inspirar, tiveram piedade de mim
e me chamaram sua irmã, e me provaram que não me enganavam.
"Sim, me abristes o caminho do futuro feliz. Eu estava pobre e abandonada, e vivo
agora no meio daqueles que possuem muito: não tenho mais do que lamentar. Os bons
Espíritos me dizem que vão me preparar as provas que sofrerei infalivelmente; e, munida
desta força, descerei no meio de criaturas terrenas. Isso não será mais para semear a
morte ao meu redor, mas para amar e merecer delas sua benevolência e sua amizade.
'Teria muito a dizer, mas não quero ser importuna. Oremos; parece-me que isso me
fará bem.
"Deus Todo-Poderoso, eterno, misericordioso, ouve minha prece. Perdoa minhas
blasfêmias, perdoa meus desvios. Não conhecia o caminho que leva ao reino do justo.
Meus irmãos da Terra mo fizeram conhecer; meus irmãos, os Espíritos, a ele me
conduzem. Que a justiça divina siga o seu curso sobre a pobre Germaine; ela sofrerá
agora sem se lamentar; nunca um murmúrio sairá de sua boca. Reconheço tua grandeza
e tua bondade de Pai para teus bem-aventurados servidores que vieram me tirar do
caminho do vício. Que minha prece suba até ti; que os anjos que te servem e cercam o
teu trono possam, um dia, me acolher no meio deles, como fizeram estes bons Espíritos.
Eu o compreendo hoje, só a virtude leva à felicidade. Fazei graça, ó meu Deus, àqueles
que, como eu, sofrem ainda. Concedei à criança que torturei as doçuras e as virtudes que
fazem a felicidade sobre a Terra.
"GERMAINE."
"Ajuda-te, o céu te ajudará, se vos disse; os Espíritos que vos guiam não farão o
trabalho que o dever vos impõe; mas, segundo fordes trabalhadores, eles abreviarão,
tanto quanto esteja em seu poder, a tarefa empreendida sob a bandeira da imortal
caridade. Agi, pois, sem desencorajamento e sem fraqueza; que a vossa fé se fortaleça e,
um dia, talvez, vos perguntareis de onde vem esse poder. Trabalhai pela moralização de
vossos irmãos encarnados e a dos Espíritos atrasados; não vos contenteis de pregar as
consolações do Espiritismo; mostrai-lhes a grandeza e o poder por vossos atos; é a
melhor refutação que poderíeis opor aos vossos adversários. As palavras voam e os atos
fortalecem e levantam. Que a felicidade que entrará na família em companhia da jovem
Doutrina seja devida à caridade dos sinceros adeptos. Sede fiéis, sem orgulho, daquilo
que vos chega, sem isso os frutos que deveis disso retirar estariam perdidos para vós.
'VOSSOS GUIAS."
Nota. - Os Espíritos, como se vê, não são nem inativos nem indiferentes com relação
aos Espíritos sofredores, que é preciso conduzir ao bem; mas quando a intervenção dos
homens pode ser útil, deixam-lhes a iniciativa e o mérito, sob a condição de secundá-los
com seus conselhos e seus encorajamentos.
A partir de 25 de setembro, segundo os conselhos de nossos guias, adormeci todos
os dias com sono magnético a jovem Valentine, para purgá-la completamente da
impressão dos maus fluidos que a tinham envolvido, e fortalecer o seu organismo. Depois
de sua libertação, ela sentia mal-estar, apatias do estômago, pequenos puxões nervosos,
conseqüência inevitável da obsessão.
Nota. - Para que teria servido esse magnetismo, se a causa tivesse subsistido?
Seria preciso primeiro destruir a causa antes de atacar os efeitos; ou pelo menos agir
sobre os dois simultaneamente.
A criança era um pouco mimada pelos cuidados e os carinhos que lhe tinham sido
prodigalizados durante a sua enfermidade; tornara-se um pouco caprichosa e
voluntariosa, e se prestava com repugnância a ser adormecida. Um dia ela se recusou
mesmo a isso, e me fui dali. Reentrando em minha casa, vieram-me advertir de que ela
tinha uma crise. "Bem, exclamei, é uma punição de Germaine." Retornei imediatamente
para lá, e encontrei a criança se agitando sobre sua cama. Essa crise não era tão violenta
quanto as precedentes, mas tinha os mesmos caracteres; acalmei-a como nas outras.
Algumas horas depois, ela teve uma segunda crise, que detive do mesmo modo.
À noite nos reunimos. Germaine veio sem ser chamada; disse que tinha querido dar
uma lição na criança, e adverti-la de que, quando não fosse razoável, ela lhe faria sentir a
sua presença. Além disso deu-lhe muitos bons conselhos, e fez sentir aos pais os
inconvenientes de ceder aos caprichos de seus filhos.
À fase da cura e da conversão do Espírito, sucedeu a das revelações com respeito
ao drama, do qual a obsessão violenta da jovem Valentine era o desfecho. Por
interessante e emocionante que seja essa parte do relato, suprimimos-lhe os detalhes
como estranhos, até um certo ponto, ao nosso assunto, e porque trata de acontecimentos
contemporâneos, cuja penosa lembrança está ainda presente, e que tiveram por
testemunhas interessadas pessoas ainda vivas. Nós a resumimos para as conclusões que
delas teremos que tirar. Pelos mesmos motivos, dissimulamos os nomes próprios que não
acrescentariam nada à instrução que ressalta desta história.
Dessas revelações feitas na intimidade, fora do grupo, e por intermédio de um outro
médium, resulta que Germaine é a avó do senhor Laurent, o pai da jovem obsidiada
Valentine. Ela tinha uma filha que teve duas crianças, das quais uma é o próprio senhor
Laurent; a outra foi morta por sua avó, que a precipitou num barranco embaixo dos
rochedos de ... Por esse homicídio, ela foi condenada a dez anos de reclusão, que sofreu
na prisão de C... Ela deu sobre todos esses fatos as indicações mais minuciosas,
precisando com exatidão os nomes, os lugares e as datas, de maneira a não deixar
nenhuma dúvida sobre a sua identidade. Estes detalhes íntimos, conhecidos só de
Laurent e de sua mulher, foram confirmados por eles. Para se fazer melhor ainda
reconhecer por seu neto, ela o designou por seu pequeno nome ignorado do médium, e
não lhe falou senão em seu dialeto, como quando viva.
Não havia, pois aí nada ao ponto de enganar-se, Germaine era bem a avó de
Laurent, a condenada por infanticídio. Quanto à sua filha, da qual destruiu o filho, é hoje a
filha de Laurent, a jovem Valentine, que vinha ainda de atormentar por uma cruel
obsessão. Ela explicou a causa do ódio que lhe havia votado. Houvera luta entre as duas
como Espírito, e esta luta continuou quando uma delas reencarnou. Um fato veio
confirmar esta afirmativa, são as palavras que a jovem pronunciava durante o sono. Seus
pais, como se o concebe, lhe tinham sempre deixado ignorar o que se passou em sua
família; estas palavras: A criança! a criança! nos rochedos! nos rochedos! evidentemente,
eram o resultado da lembrança que seu Espírito conservava no estado de desligamento.
"Pois bem! disse eu ao pai de Valentine, estais bem convencido de que é o Espírito de
sua avó? - Oh! senhor, respondeu ele, disso estava já convencido antes desta conversa.
Este nome de Germaine, e as palavras de Valentine, em suas crises, não me deixam
nenhuma dúvida a esse respeito; eu o disse em seguida à minha mulher. Bem mais,
quando me fa-lastes do Espiritismo e das reencarnações, tive no pensamento que minha
mãe estava encarnada em Valentine."
Assim se explicam as exclamações repetidas de Laurent: "É má pessoa!" E as de
sua mulher: "Ali há um mistério!"

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