Introdução
José Castellani
Esta é uma História de apenas 30 (trinta) anos da Maçonaria brasileira, em relação à atuação político-social de
muitos de seus componentes, numa época agitada e de grandes transformações sociais. Foram trinta anos --- de
1860 a 1890 --- em que diversos acontecimentos importantes e inclusive modificadores de toda a estrutura social
brasileira, ocorreram, concomitantemente, ou em rápida seqüência.
Era a época em que os maçons brasileiros, nas Lojas, na imprensa, ou na tribuna, já vinham se preocupando com
a grave questão da escravatura no Brasil e, em seqüência, com a hipótese de um terceiro reinado, o qual poderia
dar sobrevida a um sistema, que já se esgotara e que vinha sendo rejeitado em muitas partes do mundo. E, ao
mesmo tempo em que se desenrolavam os dois movimentos --- abolicionista e republicano --- ocorria a questão
religiosa brasileira, que teria uma certa influência no incremento do movimento republicano, por ter indisposto o
alto clero com o imperador.
Na época do início desta História, o Grande Oriente do Brasil, matriz da Maçonaria brasileira --- fundado a
17 de junho de 1822 --- era a única Obediência maçônica do país, mas viria, logo, a sofrer uma dissidência, que
duraria vinte anos, promovida, exatamente, por um dos maiores líderes republicanos. Isso não significava,
todavia, um enfraquecimento dos movimentos, que, então, começavam a empolgar os maçons de ponta, porque
sua atividade independia das tricas políticas internas. Por isso, ao mesmo tempo em que são mostrados os passos
e as atividades dos maçons, na campanha republicana, é também abordada a situação interna da Maçonaria
brasileira --- com base em documentos e em depoimentos fidedignos --- numa época em que, sem embargo de
suas lutas intestinas, ela agrupava muitos dos melhores homens do país, sob sua bandeira social.
O que é importante destacar é que, conforme mostra uma farta documentação, só agora resgatada, o Grande
Oriente do Brasil, como instituição, não participou das campanhas da abolição da escravatura e da implantação
da República. Essa participação foi de Lojas e de maçons, que se empenharam em ambas as campanhas, sob a
égide e os princípios da instituição, mas sem que esta tomasse, oficialmente, partido, como acontecera em 1822,
por ocasião da independência do Brasil.
Trata-se assim, esta sintética obra, de uma pequena contribuição para a História real e documentada da
Maçonaria brasileira, numa época de importantes transformações sociais no país. A História da Maçonaria
brasileira tem sido mistificada e romanceada há algumas décadas, por autores simplesmente ufanos, sem base
documental e sem a imparcialidade do honesto pesquisador, fazendo com que ela fosse tratada com desdém e até
de maneira jocosa nos meios acadêmicos brasileiros, com grandes prejuízos para a sua divulgação e para o
conhecimento de suas reais e sempre perseguidas finalidades. Só de alguns anos para cá é que a realidade
histórica da maçonaria brasileira tem vindo à tona, sem maquiagem, sem arroubos tendenciosos, sem invenções
ufanistas, que destacam fatos positivos e varrem os negativos para baixo do tapete. E isso graças a poucos, mas
diligentes pesquisadores, que, paulatinamente, vão mudando o modo de pensar dos maçons brasileiros e
despertando, junto à comunidade pensante, a atenção e o respeito à atividade maçônica.
Para que se perpetue dal disposição é que as obras que divulgam as fontes primárias devem ser sempre
disseminadas entre os maçons, para que estes deixem de pensar que a Maçonaria é uma instituição
contemplativa, entregue a elucubrações de ordem ocultista e afastada dos grandes problemas político-sociais do
país. Construtora social, ela tem é que pugnar pelo aperfeiçoamento moral, material e intelectual do Homem e
não pelo atrelamento de sua mente a conceitos fantásticos de pretensos gurus, cujos pés se encontram na
estratosfera e cuja cabeça alcança o espaço sideral, talvez para equiparar o vácuo interno ao externo.
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sexta-feira, 31 de agosto de 2007
A Bíblia Sagrada - O Antigo Testamento / O Velho Testamento
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O Antigo Testamento ou as Escrituras Hebraicas constituem a primeira grande parte da Bíblia Cristã, e a totalidade da Bíblia Hebraica, foram compostos em hebraico ou aramaico.
Chama-se também Tanakh, acrônimo lembrando as grandes divisões dos escritos sagrados da Bíblia Hebraica que são os Livros da Lei ou Torá, os livros dos profetas ou Nevi'im, e os chamados escritos, ou Ketuvim. Entretanto, a tradição cristã divide o antigo testamento em outras partes, e reordena os livros. Segundo essa tradição, os livros são geralmente divididos nas categorias Lei, história, poesia (ou livros de sabedoria) e Profecias.
Diferentes composições do Antigo Testamento
Diferentes tradições cristãs possuem um diferente cânone para o Antigo Testamento. A Igreja Católica Romana utilizou , a partir do ano 400 d.C., como canônica a versão chamada Septuaginta, que foi uma tradução dos escritos hebraicos para o grego, feita antes mesmo do fechamento do cânone hebraico na tradição judaica. Assim, a Septuaginta inclui material que não foi incluído na Bíblia Hebraica, de fontes diferentes e divergentes, inclusive material original já escrito em grego. Os defensores da reforma protestante excluíram do cânone todos os livros ou fragmentos que não correspondiam ao texto hebraíco massorético, e como resposta a isso o Concílio de Trento em 1546 determinou que os livros de Judite, Tobias, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1° Macabeus e 2° Macabeus, os capítulos 13 e 14 e os versículos 24 a 90 do capítulo 3 de Daniel, os capítulos 11 a 16 de Ester (todos existentes em língua grega) deveriam ser tratados como canônicos, ao passo que os textos conhecidos como oração de Manassés e os livros de 3 e 4 Esdras não mais o seriam. A Igreja Católica Ortodoxa acabou por decidir pela inclusão de Tobias, Judite, Sirácida e Sabedoria.
Em outras tradições cristãs existe mais material adicional, como por exemplo na Bíblia Etíope e na Bíblia Copta. A tradição reformada optou por seguir o cânone estabelecido pela tradição judaica, porém mantendo a diferente ordem dos livros.
Temática do Antigo Testamento
O Antigo Testamento trata basicamente das relações entre Deus e o povo Israelita. Existem vários nexos temáticos entre os livros de acordo com suas divisões (seja a cristã ou a hebraica). Única entre essas tradições é a primeira divisão, a Torá ou Pentateuco, que trata da histórica sagrada do povo de israel, a partir da criação do mundo até a ocupação da Terra, passando pela legislação litúrgica e religiosa. Tradicionalmente, a Torá ou Lei é atribuida a Moisés e, depois de sua morte, terminada por Josué; porém, muitos autores defendem que a formação da Torá foi um processo longo passando por diversos grupos de autores até sua adoção uniforme pós-exílica.
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O Antigo Testamento ou as Escrituras Hebraicas constituem a primeira grande parte da Bíblia Cristã, e a totalidade da Bíblia Hebraica, foram compostos em hebraico ou aramaico.
Chama-se também Tanakh, acrônimo lembrando as grandes divisões dos escritos sagrados da Bíblia Hebraica que são os Livros da Lei ou Torá, os livros dos profetas ou Nevi'im, e os chamados escritos, ou Ketuvim. Entretanto, a tradição cristã divide o antigo testamento em outras partes, e reordena os livros. Segundo essa tradição, os livros são geralmente divididos nas categorias Lei, história, poesia (ou livros de sabedoria) e Profecias.
Diferentes composições do Antigo Testamento
Diferentes tradições cristãs possuem um diferente cânone para o Antigo Testamento. A Igreja Católica Romana utilizou , a partir do ano 400 d.C., como canônica a versão chamada Septuaginta, que foi uma tradução dos escritos hebraicos para o grego, feita antes mesmo do fechamento do cânone hebraico na tradição judaica. Assim, a Septuaginta inclui material que não foi incluído na Bíblia Hebraica, de fontes diferentes e divergentes, inclusive material original já escrito em grego. Os defensores da reforma protestante excluíram do cânone todos os livros ou fragmentos que não correspondiam ao texto hebraíco massorético, e como resposta a isso o Concílio de Trento em 1546 determinou que os livros de Judite, Tobias, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1° Macabeus e 2° Macabeus, os capítulos 13 e 14 e os versículos 24 a 90 do capítulo 3 de Daniel, os capítulos 11 a 16 de Ester (todos existentes em língua grega) deveriam ser tratados como canônicos, ao passo que os textos conhecidos como oração de Manassés e os livros de 3 e 4 Esdras não mais o seriam. A Igreja Católica Ortodoxa acabou por decidir pela inclusão de Tobias, Judite, Sirácida e Sabedoria.
Em outras tradições cristãs existe mais material adicional, como por exemplo na Bíblia Etíope e na Bíblia Copta. A tradição reformada optou por seguir o cânone estabelecido pela tradição judaica, porém mantendo a diferente ordem dos livros.
Temática do Antigo Testamento
O Antigo Testamento trata basicamente das relações entre Deus e o povo Israelita. Existem vários nexos temáticos entre os livros de acordo com suas divisões (seja a cristã ou a hebraica). Única entre essas tradições é a primeira divisão, a Torá ou Pentateuco, que trata da histórica sagrada do povo de israel, a partir da criação do mundo até a ocupação da Terra, passando pela legislação litúrgica e religiosa. Tradicionalmente, a Torá ou Lei é atribuida a Moisés e, depois de sua morte, terminada por Josué; porém, muitos autores defendem que a formação da Torá foi um processo longo passando por diversos grupos de autores até sua adoção uniforme pós-exílica.
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O Alcorão / O Corão, de Maomé / Muhammad / Mohammad / Mohammed / Muhammed
INTRODUÇÃO
Louvado seja Deus, Senhor do Universo, e que a paz e a misericórdia estejam com o Mensageiro e toda a sua estirpe, seus companheiros e seus seguidores!
O Alcorão é a palavra de Deus, revelada a Mohammad, desde a Surata da Abertura até a Surata dos Humanos, constituindo o derradeiro dos livros revelados à humanidade. Ele encerra, em sua totalidade, diversificadas nuanças, tais como: a felicidade, a reforma entre os homens, a concórdia no presente e no futuro; ele foi revelado, versículo por versículo, surata por surata, de acordo com as situações e os acontecimentos, no decorrer dos vente e três últimos anos da vida do Profeta Mohammad. Uma parte foi revelada antes da Hégira, em Makka, e outra depois, em Madina. Os versículos e as suratas revelados em Makka abrangem as normas da crença em Deus, em Seus Anjos, em Seus Livros, em Seus mensageiros e no Dia do Juízo Final. Os versículos e as suratas revelados em Madina dizem respeito aos rituais e à jurisprudência.
Nele há narrativas sobre os nossos antecessores e sobre os nossos sucessores, e é um árbitro entre nós. Há narrativas de povos anteriores, de séculos passados; há histórias dos profetas, dos Mensageiros, dos povos, dos grupos, das pessoas, dos acontecimentos e do desenrolar da história da civilização; nele há explicações e exemplos para aqueles que por ele queiram pautar suas vidas, e exortação para quem tem coração e está disposto a aceitá-la, e a prestar testemunho. Ele revela a Lei imutável de Deus, quer seja na perdição dos extraviados, quer seja na salvação dos encaminhados. Ele ensina que o mundo dos homens, no decorrer dos séculos, só é benéfico com a religião de Deus; que a humanidade, o que quer que faça, não alcançará a almejada felicidade se não se iluminar, guiando-se com a Mensagem Divina.
Nele há revelações do futuro sobre o dia da Ressurreição, sobre a vida futura, no dia em que os homens se congregarão junto ao Senhor do Universo. "Aquele que fizer um bem, quer seja do peso de um átomo., vê-lo-á; e aquele que fizer um mal, quer seja do peso de um átomo, vê-lo-á."(99ª Surata, versículos 7 e 8)
Nele há o julgamento dos problemas e das questões onde é premente uma explicação e uma diretriz do caminho a seguir, no que diz respeito às questões da crença e do pensamento, do caráter e do comportamento, das relações econômicas, dos ramos doutrinários, dos julgamentos pessoais ou não: "Ó humanos, já vos chegou uma prova convincente de vosso Senhor e vos enviamos uma translúcida Luz."(4ª Surata, versículo 174) "Recorda-lhes o dia em que faremos surgir uma testemunha de cada povo para testemunhar contra os seus, e te apresentaremos por testemunha contra os teus. Temos-te revelado, pois, o Livro que é uma explanação de tudo, é guia, misericórdia e auspício para os muçulmanos."(16ª Surata, versículo 89) Não há lei religiosa ou um problema, no que diz respeito ao mundo e à vida dos homens, que não tenha nele uma solução; ele é um auxílio ao inesgotável, guia, explicação e orientação para todos, quer seja em partes ou no todo: "Já vos chegou de Deus uma Luz e um Livro Lúcido."(5ª Surata, versículo 15)
Sim, este fabuloso Alcorão é a luz orientadora para a humanidade. Ele arrancou-a das trevas e transportou-a para luz, para a verdade e para a verdadeira senda. Foi o ponto de transformação na sua longa história, tirando-a da vida atroz de corrupção e levando-a para a vida de liberdade, de religião e de orientação, e instituiu, no mundo todo, o direito e a compreensão, elevando a humanidade do mais baixo degrau os píncaros da perfeição, de maneira sobranceira.
As evidências e os significados que o Alcorão abrange, já citados, só podem ser entendidos através de explicações do texto alcorânico e de seus versículos. Tal explicação é uma pesquisa sobre a vontade de Deus, sobre o conhecimento dessa vontade através de Suas palavras no Alcorão, de acordo com a capacidade humana. A ciência da exegese nasceu débil e cresceu paulatinamente até alcançar a maturidade, e seguir formidavelmente neste diapasão que conhecemos hoje. Na época da revelação do Alcorão, enquanto o Profeta vivia, não havia necessidade para a explicação dos versículos, nem a regulamentação dessa ciência, porque o texto, na sua totalidade, era claro, compreensível para o Profeta e seus Companheiros. Apesar disso, o Profeta explicava alguns versículos e algumas pronúncias que podiam causar ambigüidades; também os Companheiros do Profeta e alguns adeptos assim o fizeram. Isto porque poderia haver má interpretação, quaisquer que fossem as razões que teriam de se desenrolar na alvorada de um povo progressista, em formação, que iria se expandir através de conquistas, enriquecendo sua existência com acontecimentos históricos, discussões doutrinárias e pesquisas em jurisprudência e política.
O Alcorão era e continua sendo o centro da cultura islâmica, dos movimentos filosóficos e de todas as suas atividades intelectuais; seus versículos estimulam a nele pensarmos. Disse o Altíssimo: "Eis o Livro que te revelamos, para que os sensatos recordem seus versículos e neles meditem."(38ª Surata, versículo 29) Disse mais: "Não meditam, acaso, no Alcorão? Se fosse de outra origem que não de Deus, haveria nele muitas discrepâncias."(4ª Surata, versículo 82) E disse ainda: "Não meditam, acaso, no Alcorão, ou é que seus corações são insensíveis?"(47ª Surata, versículo 24.)
Sua explicação nada mais é do que o resultado de meditação e de deliberação. O ponto de vista dos doutos na matéria, bem como seus métodos, são diversificados. Alguns, levados pela simpatia doutrinária, apegaram-se à explicação dos versículos, nesse sentido. Outros, levados pela simpatia lingüística, eloqüente, estilística e literária, enredaram-se também, nesse particular; o mesmo aconteceu com os simpatizantes da jurisprudência. Outros, ainda, apegaram-se à explicação das narrativas. Nesse particular, houve aqueles que se prolongaram na explicação, até a prolixidade estafante, e outros restringiram-na à sucintez chocante, e outros, ainda, quedaram-se no meio-termo. Deles, houve quem tendesse para a explicação pessoal, e outros ainda no estilo esdrúxulo; outros em estilo claro. De tudo isso resultou uma grande riqueza científica e um movimento intelectual considerável, que elevam glorificam um povo que serve ao Livro de seu Senhor, quer seja em decorá-lo, preservá-lo explicá-lo, quer seja em examiná-lo, elevá-lo e consagrá-lo ao longo de catorze séculos, que serão seguidos por muitos outros, até que tudo que há no universo compareça perante o Criador: "Nós revelamos a Mensagem e somos Seu Preservador"(15ª Surata, versículo 9) "Este é o Livro (o Alcorão) veraz por excelência. A falsidade não se aproxima dele nem pela frente, nem por trás, porque é a revelação do Prudente, Laudabilíssimo."(41ª Surata, versículo 41-42)
Todas as importantes religiões do mundo são baseadas nos seus Livros Sagrados, os quais são freqüentemente atribuídos a revelações divinas. Seria patético se, por algum infortúnio, uma delas viesse a perder o texto original da revelação; a substituição jamais poderia estar em inteira conformidade com o que fora perdido. Os brâmanes, os budistas, os judeus, os masdeístas e os cristãos podem comparar o método empregado para a preservação dos ensinamentos básicos de suas respectivas religiões com o método dos muçulmanos. Quem lhes escreveu os livros? Quem lhos transmitiu de geração a geração? Será a transmissão provinda de textos originais ou apenas tradução? Não haveriam as guerras fratricidas causado dano às cópias dos textos? Não haverá contradições internas ou lacunas cujas referencias são encontradas em outro lugar? Estas são algumas das questões que poderão ser aventadas, e isso requer respostas satisfatórias.
No tempo em que emergiam o que nós chamamos de as Grandes Religiões, os homens não apenas confiaram em suas memórias, mas também inventaram a arte de escrever, para preservarem sues pensamentos, assinalando, de modo mais premente do que fariam as memórias individuais dos serres humanos que, afinal de contas, têm um limitado ciclo de vida.
Mesmo assim, nenhum destes dois meios é infalível quando tomados separadamente. É uma questão de experiência cotidiana o ato de que, quando se escreve algo e então se o revisa, encontram-se mais ou menos erros inadvertidos, omissão de letras ou mesmo de palavras, repetição de relatos, uso de palavras contrárias àquelas pretendidas, erros gramaticais etc., sem falar nas mudanças de opinião do escritor, que também corrige seu estilo, seus pensamentos, seus argumentos e, às vezes, reescreve todo o documento. O mesmo acontece quanto à faculdade da memória. Aqueles que têm obrigação ou habilidade em aprender de cor algum texto, para recitá-lo mais tarde, especialmente quando isso envolve longuíssimas passagens, sabem que às vezes suas memórias falham durante a recitação: pulam passagens, misturam umas com as outras, ou não se lembram de toda a seqüência; às vezes o texto correto permanece na subconsciência e é relembrado no último momento, ou no rebuscamento da memória por indicação de outrem, ou ao ser consultado o texto em documento escrito.
O Profeta do Islam, Mohammad, de memória privilegiada, empregava ambos os métodos simultaneamente, um ajudando o outro, reforçando a integridade do texto e diminuindo ao mínimo as possibilidades de erro.
Os ensinamentos islâmicos são baseados no que o Profeta Mohammad disse ou fez. Ele próprio ditou certos textos a seus escribas, o que chamamos de Alcorão; outros textos foram compilados por seus companheiros, na maioria das vezes por iniciativa própria; e a esses escritos chamamos de Tradição.
A palavra Alcorão literalmente significa "leitura por excelência" ou "recitação". Enquanto o ditava a seus Companheiros, o Profeta lhes assegurava que era a Revelação Divina que ele havia recebido. Ele não ditou tudo de uma só vez: as revelações chegavam-lhe em fragmentos, de tempos em tempos. Tão logo ele recebia uma, costumava comunicá-la a seus companheiros e pedir-lhes não somente que a prendessem de cor – para que a recitassem durante a prática das orações -, mas também que a escrevessem e que multiplicassem as cópias. Em tais ocasiões, ele indicava o lugar preciso da nova revelação no texto; não era dele a compilação cronológica. Não é de admirar a precaução e o cuidado tomados para a precisão, levando-se em consideração o padrão da cultura dos árabes daquele tempo.
É razoável acreditarmos que as primeiríssimas revelações recebidas pelo Profeta não foram imediatamente submetidas à escrita, pela simples razão de que não havia, ainda, companheiro algum ou aderentes. Estas primeiras partes não eram nem longas, nem numerosas. Não havia risco de que o Profeta pudesse esquecê-las, umas vez que ele as recitava freqüentemente em suas orações e em conversar proselíticas.
Alguns fatos da história dão-nos a idéia do que aconteceu. Ômar Ibn al Khattab é considerado a quadragésima pessoa a abraçar o Islam. Isso se refere ao ano quinto da Missão (oito antes da Hégira). Mesmo em uma data primordial existiam cópias escritas de certas suratas do Alcorão e, como Ibn Hicham relata, foi devido ao profundo efeito produzido pela leitura acurada de alguns versículos da vigésima Surata que Ômar abraçou o Islam. Não sabemos precisamente o tempo em que a prática de escrever o Alcorão começou; contudo, há informações precisas de que durante os remanescentes dezoito anos da vida do Profeta, o números dos muçulmanos, como também das cópias do texto Sagrado, continuou aumentando dia a dia. Como o Profeta recebia as revelações em fragmentos, era natural que o texto revelado se referisse aos problemas do dia. Se acontecesse um de seus companheiros morrer, a revelação consistiria em promulgar a lei da herança; não seria de lei penal, tratando de roubo, por exemplo, a ser revelada no momento. As revelações continuaram durante a inteira vida missionária de Mohammad, treze anos em Makka e dez em Madina. Uma revelação consistia às vezes de uma inteira Surata, curta ou longa, e às vezes de apenas uns poucos versículos.
A natureza das revelações impunha ao Profeta repeti-las constantemente em suas recitações, e revisar continuamente a forma que as coleções dos fragmentos teria que tomar. Todos os doutos afirmam, com autoridade, que o Profeta recitava todos os anos, no mês de Ramadan, perante o anjo Gabriel, aparte do Alcorão até então revelada, e que no último ano de sua vida Gabriel pediu-lhe que o recitasse inteiro duas vezes. O Profeta concluiu, desde então, que iria, em breve, despedir-se da vida. O Profeta costumava revisar, nos meses do jejum, os versículos e as suratas, e colocá-las em sua seqüência adequada. Isto era necessário por causa da continuidade das novas revelações. É também sabido que o Profeta tinha o hábito de celebrar uma prática adicional de oração durante os meses do jejum, todas as noites, às vezes mesmo em congregação, na qual ele recitava o Alcorão do princípio ao fim, tarefa esta que era completada ao cabo de um mês. Esta prática, chamada de Tarawih, continua a ser observada com grande devoção até estes nossos dias.
Quando o Profeta deu seu último suspiro, uma rebelião estava tomando vulto em certas partes do país. Tentando debelá-la, várias pessoas que conheciam o Alcorão de cor tombaram. O Califa Abu Bakr sentiu a urgência da codificação do Alcorão, e a tarefa foi cumprida um mês depois da morte do Profeta.
Durante seus últimos anos de vida, o Profeta costumava usar Zaid Ibn Sábet como principal amanuense, para tomar em ditado as revelações recentemente recebidas. Abu Bakr encarregou a mesma pessoa da tarefa de preparação de uma cópia condizente de todo o texto, em forma de livro. Havia então em Madina vários Huffaz (aqueles que sabiam todo o Alcorão de cor), e Zaid era um deles. Sob a direção do Califa, Zaid transcreveu o texto escrito em pergaminhos ou pedaços de couro, nas omoplatas das reses, nos ossos, nas pedras polidas e mesmo em pedaços de porcelana.
A cópia condizente, assim preparada, foi chamada de Musshaf (encadernação). Esta foi conservada sob a própria custódia do Califa Abu Bakr e, depois dele, por seu sucessor, Ômar Ibn al Khattab. Nesse meio tempo o estudo do Alcorão foi encorajado em toda parte do Império Muçulmano. O Califa Ômar sentiu a necessidade de enviar cópias do texto autêntico aos centros provincianos a fim de evitar as divergências; mas foi deixado a seu sucessor, Otman, continuar com a tarefa. Um de seus comandantes, Huzaifa Aliaman, havendo voltado de uma viagem pelas vastas terras conquistadas pelos muçulmanos, relatou que havia encontrado divergentes cópias do Alcorão e que havia, às vezes, desentendimento entre os diferentes mestres do Livro, concernente a isso. Otman fez imediatamente com que a cópia preparada para Abu Bakr fosse confiada a uma comissão presidida pelo acima mensionado Zaid Ibn Sábet, para a reprodução de sete cópias; ele autorizou-lhes a revisão da pronúncia, se necessário. Quando a tarefa foi concluída, o Califa efetuou uma recitação pública da nova edição perante os doutos presentes na capital, perante os companheiros do Profeta, e então enviou estas cópias aos diferentes centros do vasto mundo islâmico, ordenando que dali por diante todas as cópias fossem baseadas na edição autêntica. Ele ordenou a destruição das cópias que, de algum modo, se desviassem do texto assim oficialmente estabelecido.
É concebível que as grandes conquistas militares dos primeiros muçulmanos induzissem alguns espíritos hipócritas a proclamarem sua impulsiva conversão ao Islam por motivos materiais, e para tentar danificá-lo de maneira clandestina. Eles fabricaram versões do Alcorão com interpolações. As "lágrimas de crocodilo", que foram derramadas pela destruição das cópias não autenticadas do Alcorão, por ordem do Califa Otman, somente poderiam Ter sido de tais hipócritas. É sabido que o Profeta às vezes ab-rogava certos versículos que haviam sido comunicados previamente ao povo, e isso era feito para fortificar as novas Revelações Divinas. Houve Companheiros que aprenderam a primeira versão, sem contudo estarem cientes das últimas modificações, tanto por causa da morte do Profeta como por suas residências fora de Madina. Estes devem Ter deixado cópias a seus descendentes, as quais, embora autênticas, estavam ultrapassadas. Ainda, alguns muçulmanos tinham o hábito de pedir ao Profeta que explicasse certos termos empregados no texto sagrado e anotar tais explicações nas margens de suas cópias do Alcorão, a fim de não esquecerem delas. As cópias feitas mais tarde, com base nesses textos anotados, causariam às vezes confusões na questão do texto e do glossário. A despeito da ordem do Califa Otman, para que se destruíssem os textos inexatos, existia, nos séculos III e IV da Hégira, assunto bastante para a compilação de volumosas obras, constituindo as "variações do Alcorão". Estas chegaram até nós, mas um apurado estudo mostra-nos que tais variantes eram arábica, que não possuía vogais, nem se podia distinguir entre as letras semelhantes, nem davam idéia das mesmas, sendo meros pontos, como é feito agora. Além disso existiam diferentes dialetos em diferentes regiões, e o Profeta havia permitido aos muçulmanos de tais regiões recitarem de acordo com suas algaravias, e mesmo substituir as palavras que estavam além de sua argúcia, por sinônimos que conhecessem melhor. Esta foi uma medida imergente de graça e clemência. No tempo do Califa Otman, contudo, a instrução pública havia-se desenvolvido suficientemente, e fez-se necessário que aquelas concessões não fossem mais toleradas, pois o Texto Sagrado seria afetado e as variantes da leitura se radicariam.
As cópias do Alcorão enviadas por Otman aos chefes das províncias gradualmente desapareceram nos séculos subseqüentes; apenas uma delas, que presentemente se encontra em Tashkent, chegou até nós. O governo czarista da Rússia havia publicado em uma reprodução fac-símile; constata-se haver uma completa identidade entre essa cópia e o texto em uso noutras ocasiões. A mesma é cópia fiel do manuscrito existente do Alcorão, tanto completo como fragmentado, datando do primeiro século da Hégira.
O Alcorão é dirigido a toda humanidade, sem distinção de raça, cor, religião ou tempo. Ainda mais, ele procura guiar a humanidade em todas as sendas da vida: espirituais, materiais, individuais e coletivas. Ele contém diretrizes para a conduta do chefe do Estado, bem como do homem comum; do rico, bem como do pobre; diretrizes para a paz, bem como para a guerra; tanto para a cultura espiritual como para o comércio e bem-estar material. O Alcorão busca principalmente desenvolver a personalidade do indivíduo: Cada ser será pessoalmente responsável perante seu Criador. Para tal propósito, o Alcorão não somente fornece ordens, porém tenta ainda convencer. Ele apela para a razão do homem e relata histórias, parábolas e metáforas. Descreve os atributos de Deus, que é Um, Criador de tudo, Onisciente, Onipotente, Ressuscitador dos mortos e Observador de nosso comportamento terreno; é Justo, Clemente.(vide nota da 7ª Surata, versículo 180) O Alcorão indica ainda o modo de aprazermos a Deus, apontando quais as melhores orações, quais os deveres do homem com respeito a Ele, a seus semelhantes e a seu próprio ser; ele dá destaque ao fato de que não nos pertencemos, outrossim, pertencemos a Deus. O Alcorão fala das melhores normas relacionadas com a vida social, comercial, matrimonial, com a herança, com o direito penal, com o direito internacional, e assim por diante. Todavia, o Alcorão não é um livro, no senso comum; é a coleção das palavras de Deus, reveladas de tempos em tempos, durante vinte e três anos, a Seu Mensageiro, escolhido entre os seres humanos. O Soberano dá Suas instruções a Seu vassalo; portanto, há certas nuanças compreendidas e implícitas; há repetições, e mesmo mudanças nas formas de expressão. Deste modo, Deus fala às vezes na primeira pessoa e às vezes na terceira. Ele diz "Eu", bem como "Nós" e "Ele", porém, jamais "Eles". É uma coleção de revelações enviadas de ocasiões em ocasiões; e devemos, por isso, lê-lo mais e mais, a fim de melhor aquilatarmos os seus significados. Ele possui diretrizes para todos, em todos os lugares e para todos os tempos.
O estilo e a dicção do Alcorão são magníficos e apropriados para a sua qualidade Divina. Sua recitação comove o espírito até daqueles que apenas o ouvem sem entendê-lo. Com o passar do tempo, o Alcorão tem, em virtude de sua reivindicação de origem divina, desafiado a todos a criarem, conjuntamente, mesmo uns poucos versículos iguais aos que ele contém. Tal desafio porém tem permanecido sem resposta até os nossos dias.
Há algumas diferenças intrínsecas entre o Alcorão e os livros precedentes. Tais diferenças podem ser sucintamente estipuladas, como segue:
1. Os textos originais da maior parte dos primitivos Livros Divinos foram em sua quase totalidade perdidos, sendo que somente as suas traduções existem hoje. O Alcorão, por outro lado, existe hoje exatamente como foi revelado ao Profeta; nem uma palavra – mais ainda, nem uma letra sequer – foi trocada. Encontra-se à disposição, em seu texto original, fazendo com que a Palavra de Deus seja preservada agora, bem como por todo o porvir.
2. Nos primitivos Livros Divinos os homens mesclaram suas palavras com as palavras de Deus; porém, no Alcorão encontra-se tão-somente as palavras de Deus – em suas prístinas purezas. Isto é admitido, mesmo pelos oponentes ao Islam.
3. Não se pode dizer, com base na autêntica evidência histórica, em relação a nenhum outro Livro Sagrado possuído por diferentes povos, que ele realmente pertence ao mesmo profeta a quem é atribuído. No caso de alguns deles, mesmo isto não é sabido. Em que época e a que profeta eles foram revelados? Quanto ao Alcorão, as evidências que existem de que foi revelado a Mohammad são tão vultosas, tão convincentes, tão sólidas e completivas, que mesmo o mais ferrenho crítico do Islam não pode lançar dúvidas sobre isso. Tais evidências são tão vastas e detalhadas, que sobre muitos versículos do Alcorão, mesmo a ocasião e o local de suas revelações, podem ser conhecidos com exatidão.
4. Os primitivos Livros Divinos foram revelados em línguas que estão mortas desde há muito tempo. Na era presente, nação ou comunidade alguma fala tais línguas e há apenas umas poucas pessoas que se jactam de compreendê-las. Destarte, mesmo que tais Livros existissem hoje em suas formas originais e inadulteradas, seria virtualmente impossível, em nossa era, compreender e interpretar corretamente suas injunções, bem como pô-las em prática em sua forma requerida. A língua do Alcorão, por outro lado, é uma língua viva; milhões de pessoas falam-na e outro tanto a compreende. Ela está sendo ensinada e aprendida em quase todas as universidades do mundo; todas as pessoas podem aprendê-la, e aquele que não tem tempo para isso pode, em qualquer parte, deparar com quem conheça a língua, que lhe explique o significado do Alcorão.
5. Cada um dos Livros Sagrados existentes, encontrados entre as diferentes nações do mundo, foi dirigido a um povo em particular. Cada um deles contém um número de ditames que parece Ter sido dirigido a um período da história em particular e que supria tão-somente as necessidades daquela era. Tais necessidades não são válidas hoje, nem tampouco podem ser aplainadas e propiciamente vertidas para a prática. Depreende-se disto que tais livros eram dirigidos àqueles povos em particular e nenhum deles para o mundo. Ademais, eles não foram revelados para serem seguidos permanentemente, mesmo pelo povo para o qual foram revelados; restringiam-se a influenciar somente sobre um certo período. Em contraste a isso, o Alcorão é dirigido a toda humanidade; não se pode suspeitar que injunção alguma tenha sido dirigida a um povo em especial. Do mesmo modo, todos os ditames e injunções no Alcorão são os mesmos que podem ser aplicados em todos os lugares e em todas as épocas. Este fato vem provar que o Alcorão é dirigido ao mundo inteiro, constituindo-se em eterno código para a vida humana.
6. Não há negar o fato de que os precedentes Livros Divinos cultuavam o bem e a virtude, ensinavam também os princípios da moralidade e da veracidade, e apresentavam uma maneira de viver consentânea com a vontade de Deus. Contudo, nenhum deles era suficientemente compreensivo para englobar tudo quanto fosse necessário para uma vida humana virtuosa, sem nada supérfluo, sem nada carente. Alguns deles excediam em um aspecto, alguns em outros. É o Alcorão, e tão-somente o Alcorão, que cultua não apenas tudo o que havia de magnífico nos livros precedentes, porém, ainda, aperfeiçoa os desígnios de Deus e os apresenta em sua totalidade, delineando uma norma de vida que compreende tudo o que é necessário para o homem nesta terra.
Os pensamentos se renovam e as culturas se proliferam; a vida evolui e a colheita intelectual da humanidade aumenta a cada dia, e quanto mais a humanidade evolui, mais unida e mais mesclada fica. Os veículos de comunicação em muito ajudam nisso, como se quisessem corroborar as palavras do Alcorão:
"Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos para reconhecerdes uns aos outros."(49ª Surata, versículo 13)
No que diz respeito à tradução do Alcorão para outros idiomas, dando oportunidade a que outros povos, na pluralidade de suas línguas e cores, possam conhecer a Mensagem de Mohammad, os doutos na matéria dizem: "a Mensagem de Mohammad é para a humanidade em geral, e, sendo ele árabe, essa mensagem pode alcançar os não-árabes, através de traduções que substituirão o original. Todavia, deve ser uma tradução impecável, correta, concordante, para que se possa coibir a trajetória de muitas traduções incorretas e preambuladas de fábulas irreais".
Como o Livro de Deus é um mar sem porto, com profundeza ignorada, esforçamo-nos em Ter como base para a nossa versão uma explicação em estilo contemporâneo, fácil, simples, clara, solerte, sucinta, livre das divergências doutrinárias, dos aparatos artísticos, dos preâmbulos e dos problemas lingüísticos, para que isso nos facilitasse e auxiliasse de uma maneira satisfatória, a tradução.
E foi a paixão pelo Islam, o grande desejo de lhe útil – nós que somos um de seus adeptos -, que nos levou a enfrentar a empresa de traduzir o Alcorão Sagrado. Depois de muito trabalho, de muita perseverança, e de termos vencido o desânimo que chegou a nos invadir por dificuldades várias, sai este, g raças ao Altíssimo. Imbuído de força de força de vontade, seguimos avante, derrubando obstáculos, vencendo etapas, auxiliado pela graça Divina. Para tanto, tivemos de recorrer várias fontes, consultar várias interpretações, antigas e modernas. Estivemos trabalhando frente a obras como: "Ahcam al Cor’an" (As Máximas do Alcorão), de Abu Bakr ar Razi; "Ahcam al Cor’an (As Máximas do Alcorão), de Abu Bakr al Arabi; "Muntakhab Ahcam al Cor’an" (Coletânea de Máximas do Alcorão), de Abu Abdullah al Kurtubi; "Ahcam al Cor’an ( As Máximas do Alcorão), de Abul Hassan at Tabari; "At Tafsir al Wádhih" (A Exegese Inteligível), de Mohammad Mahmud Hijazi; "Al Cor’an al Mufassar" (O Alcorão Explicado), de Mohammad Farid Wajdi; "Tafsir al Manar" (A Exegese da Luz), de Mohammad Rachid Rida; "Al Muntakhab fi Tafsir al Cor’an al Carim" ( O Seleto na Exegese do Sagrado Alcorão), publicado pelo Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos do Cairo; "The Holy Kuran" (O Alcorão Sagrado), tradução de Maulana Abdur-Rahim Tariq; "Safwat al Bayan li Ma’ani al Cor’an (Gema do Discernimento das Exegeses do Alcorão), de Hassanain Mohammad Makhluf ; "The Meaning of the Glorius Koran" (O Alcorão Glorioso), uma tradução explanatória de Mohammad Marmuduke Pickthall; "Al M’ujan al Mufahrass li Alfaz al Cor’an al Carim" ( Índice dos termos do Sagrado Alcorão), de Mohammad Fuad Abdel Baqui, "The Holy Koran, Translation and Commentary" ( O Alcorão Sagrado, Tradução e Comentários), de A. Youssef Ali.
Na maioria dos casos seguimos as exegeses do Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos e do Professor Mohammad Mahmud Hijazi, por se situarem entre as que mais se coadunavam com os requisitos necessários. Por fim, quando ainda na permanência de dúvida a respeito do significado de algum termo, recorremos à ajuda inestimável de S. E. Dr. Abdalla Abdel Chakur Kamel, Diretor do Centro Islâmico do Brasil e Coordenador dos Assuntos Islâmicos da América Latina, que muito nos auxiliou neste sentido; a ele vão aqui nossos agradecimentos.
Queremos render os nossos mais sinceros agradecimentos ao Sr. Jorge Boucher, que lutou conosco, pesquisando, consultando, comparando e encontrando termos que ia ao encontro do sentido preciso, participando também conosco das cinco revisões que efetuamos dos originais. Finalmente, agradecemos a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, participaram na compilação deste livro, desde datilógrafos, digitadores, até impressores.
O nosso muito obrigado a todos.
Samir El Hayek
São Paulo, 1415 H. 1994 d.C.
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Louvado seja Deus, Senhor do Universo, e que a paz e a misericórdia estejam com o Mensageiro e toda a sua estirpe, seus companheiros e seus seguidores!
O Alcorão é a palavra de Deus, revelada a Mohammad, desde a Surata da Abertura até a Surata dos Humanos, constituindo o derradeiro dos livros revelados à humanidade. Ele encerra, em sua totalidade, diversificadas nuanças, tais como: a felicidade, a reforma entre os homens, a concórdia no presente e no futuro; ele foi revelado, versículo por versículo, surata por surata, de acordo com as situações e os acontecimentos, no decorrer dos vente e três últimos anos da vida do Profeta Mohammad. Uma parte foi revelada antes da Hégira, em Makka, e outra depois, em Madina. Os versículos e as suratas revelados em Makka abrangem as normas da crença em Deus, em Seus Anjos, em Seus Livros, em Seus mensageiros e no Dia do Juízo Final. Os versículos e as suratas revelados em Madina dizem respeito aos rituais e à jurisprudência.
Nele há narrativas sobre os nossos antecessores e sobre os nossos sucessores, e é um árbitro entre nós. Há narrativas de povos anteriores, de séculos passados; há histórias dos profetas, dos Mensageiros, dos povos, dos grupos, das pessoas, dos acontecimentos e do desenrolar da história da civilização; nele há explicações e exemplos para aqueles que por ele queiram pautar suas vidas, e exortação para quem tem coração e está disposto a aceitá-la, e a prestar testemunho. Ele revela a Lei imutável de Deus, quer seja na perdição dos extraviados, quer seja na salvação dos encaminhados. Ele ensina que o mundo dos homens, no decorrer dos séculos, só é benéfico com a religião de Deus; que a humanidade, o que quer que faça, não alcançará a almejada felicidade se não se iluminar, guiando-se com a Mensagem Divina.
Nele há revelações do futuro sobre o dia da Ressurreição, sobre a vida futura, no dia em que os homens se congregarão junto ao Senhor do Universo. "Aquele que fizer um bem, quer seja do peso de um átomo., vê-lo-á; e aquele que fizer um mal, quer seja do peso de um átomo, vê-lo-á."(99ª Surata, versículos 7 e 8)
Nele há o julgamento dos problemas e das questões onde é premente uma explicação e uma diretriz do caminho a seguir, no que diz respeito às questões da crença e do pensamento, do caráter e do comportamento, das relações econômicas, dos ramos doutrinários, dos julgamentos pessoais ou não: "Ó humanos, já vos chegou uma prova convincente de vosso Senhor e vos enviamos uma translúcida Luz."(4ª Surata, versículo 174) "Recorda-lhes o dia em que faremos surgir uma testemunha de cada povo para testemunhar contra os seus, e te apresentaremos por testemunha contra os teus. Temos-te revelado, pois, o Livro que é uma explanação de tudo, é guia, misericórdia e auspício para os muçulmanos."(16ª Surata, versículo 89) Não há lei religiosa ou um problema, no que diz respeito ao mundo e à vida dos homens, que não tenha nele uma solução; ele é um auxílio ao inesgotável, guia, explicação e orientação para todos, quer seja em partes ou no todo: "Já vos chegou de Deus uma Luz e um Livro Lúcido."(5ª Surata, versículo 15)
Sim, este fabuloso Alcorão é a luz orientadora para a humanidade. Ele arrancou-a das trevas e transportou-a para luz, para a verdade e para a verdadeira senda. Foi o ponto de transformação na sua longa história, tirando-a da vida atroz de corrupção e levando-a para a vida de liberdade, de religião e de orientação, e instituiu, no mundo todo, o direito e a compreensão, elevando a humanidade do mais baixo degrau os píncaros da perfeição, de maneira sobranceira.
As evidências e os significados que o Alcorão abrange, já citados, só podem ser entendidos através de explicações do texto alcorânico e de seus versículos. Tal explicação é uma pesquisa sobre a vontade de Deus, sobre o conhecimento dessa vontade através de Suas palavras no Alcorão, de acordo com a capacidade humana. A ciência da exegese nasceu débil e cresceu paulatinamente até alcançar a maturidade, e seguir formidavelmente neste diapasão que conhecemos hoje. Na época da revelação do Alcorão, enquanto o Profeta vivia, não havia necessidade para a explicação dos versículos, nem a regulamentação dessa ciência, porque o texto, na sua totalidade, era claro, compreensível para o Profeta e seus Companheiros. Apesar disso, o Profeta explicava alguns versículos e algumas pronúncias que podiam causar ambigüidades; também os Companheiros do Profeta e alguns adeptos assim o fizeram. Isto porque poderia haver má interpretação, quaisquer que fossem as razões que teriam de se desenrolar na alvorada de um povo progressista, em formação, que iria se expandir através de conquistas, enriquecendo sua existência com acontecimentos históricos, discussões doutrinárias e pesquisas em jurisprudência e política.
O Alcorão era e continua sendo o centro da cultura islâmica, dos movimentos filosóficos e de todas as suas atividades intelectuais; seus versículos estimulam a nele pensarmos. Disse o Altíssimo: "Eis o Livro que te revelamos, para que os sensatos recordem seus versículos e neles meditem."(38ª Surata, versículo 29) Disse mais: "Não meditam, acaso, no Alcorão? Se fosse de outra origem que não de Deus, haveria nele muitas discrepâncias."(4ª Surata, versículo 82) E disse ainda: "Não meditam, acaso, no Alcorão, ou é que seus corações são insensíveis?"(47ª Surata, versículo 24.)
Sua explicação nada mais é do que o resultado de meditação e de deliberação. O ponto de vista dos doutos na matéria, bem como seus métodos, são diversificados. Alguns, levados pela simpatia doutrinária, apegaram-se à explicação dos versículos, nesse sentido. Outros, levados pela simpatia lingüística, eloqüente, estilística e literária, enredaram-se também, nesse particular; o mesmo aconteceu com os simpatizantes da jurisprudência. Outros, ainda, apegaram-se à explicação das narrativas. Nesse particular, houve aqueles que se prolongaram na explicação, até a prolixidade estafante, e outros restringiram-na à sucintez chocante, e outros, ainda, quedaram-se no meio-termo. Deles, houve quem tendesse para a explicação pessoal, e outros ainda no estilo esdrúxulo; outros em estilo claro. De tudo isso resultou uma grande riqueza científica e um movimento intelectual considerável, que elevam glorificam um povo que serve ao Livro de seu Senhor, quer seja em decorá-lo, preservá-lo explicá-lo, quer seja em examiná-lo, elevá-lo e consagrá-lo ao longo de catorze séculos, que serão seguidos por muitos outros, até que tudo que há no universo compareça perante o Criador: "Nós revelamos a Mensagem e somos Seu Preservador"(15ª Surata, versículo 9) "Este é o Livro (o Alcorão) veraz por excelência. A falsidade não se aproxima dele nem pela frente, nem por trás, porque é a revelação do Prudente, Laudabilíssimo."(41ª Surata, versículo 41-42)
Todas as importantes religiões do mundo são baseadas nos seus Livros Sagrados, os quais são freqüentemente atribuídos a revelações divinas. Seria patético se, por algum infortúnio, uma delas viesse a perder o texto original da revelação; a substituição jamais poderia estar em inteira conformidade com o que fora perdido. Os brâmanes, os budistas, os judeus, os masdeístas e os cristãos podem comparar o método empregado para a preservação dos ensinamentos básicos de suas respectivas religiões com o método dos muçulmanos. Quem lhes escreveu os livros? Quem lhos transmitiu de geração a geração? Será a transmissão provinda de textos originais ou apenas tradução? Não haveriam as guerras fratricidas causado dano às cópias dos textos? Não haverá contradições internas ou lacunas cujas referencias são encontradas em outro lugar? Estas são algumas das questões que poderão ser aventadas, e isso requer respostas satisfatórias.
No tempo em que emergiam o que nós chamamos de as Grandes Religiões, os homens não apenas confiaram em suas memórias, mas também inventaram a arte de escrever, para preservarem sues pensamentos, assinalando, de modo mais premente do que fariam as memórias individuais dos serres humanos que, afinal de contas, têm um limitado ciclo de vida.
Mesmo assim, nenhum destes dois meios é infalível quando tomados separadamente. É uma questão de experiência cotidiana o ato de que, quando se escreve algo e então se o revisa, encontram-se mais ou menos erros inadvertidos, omissão de letras ou mesmo de palavras, repetição de relatos, uso de palavras contrárias àquelas pretendidas, erros gramaticais etc., sem falar nas mudanças de opinião do escritor, que também corrige seu estilo, seus pensamentos, seus argumentos e, às vezes, reescreve todo o documento. O mesmo acontece quanto à faculdade da memória. Aqueles que têm obrigação ou habilidade em aprender de cor algum texto, para recitá-lo mais tarde, especialmente quando isso envolve longuíssimas passagens, sabem que às vezes suas memórias falham durante a recitação: pulam passagens, misturam umas com as outras, ou não se lembram de toda a seqüência; às vezes o texto correto permanece na subconsciência e é relembrado no último momento, ou no rebuscamento da memória por indicação de outrem, ou ao ser consultado o texto em documento escrito.
O Profeta do Islam, Mohammad, de memória privilegiada, empregava ambos os métodos simultaneamente, um ajudando o outro, reforçando a integridade do texto e diminuindo ao mínimo as possibilidades de erro.
Os ensinamentos islâmicos são baseados no que o Profeta Mohammad disse ou fez. Ele próprio ditou certos textos a seus escribas, o que chamamos de Alcorão; outros textos foram compilados por seus companheiros, na maioria das vezes por iniciativa própria; e a esses escritos chamamos de Tradição.
A palavra Alcorão literalmente significa "leitura por excelência" ou "recitação". Enquanto o ditava a seus Companheiros, o Profeta lhes assegurava que era a Revelação Divina que ele havia recebido. Ele não ditou tudo de uma só vez: as revelações chegavam-lhe em fragmentos, de tempos em tempos. Tão logo ele recebia uma, costumava comunicá-la a seus companheiros e pedir-lhes não somente que a prendessem de cor – para que a recitassem durante a prática das orações -, mas também que a escrevessem e que multiplicassem as cópias. Em tais ocasiões, ele indicava o lugar preciso da nova revelação no texto; não era dele a compilação cronológica. Não é de admirar a precaução e o cuidado tomados para a precisão, levando-se em consideração o padrão da cultura dos árabes daquele tempo.
É razoável acreditarmos que as primeiríssimas revelações recebidas pelo Profeta não foram imediatamente submetidas à escrita, pela simples razão de que não havia, ainda, companheiro algum ou aderentes. Estas primeiras partes não eram nem longas, nem numerosas. Não havia risco de que o Profeta pudesse esquecê-las, umas vez que ele as recitava freqüentemente em suas orações e em conversar proselíticas.
Alguns fatos da história dão-nos a idéia do que aconteceu. Ômar Ibn al Khattab é considerado a quadragésima pessoa a abraçar o Islam. Isso se refere ao ano quinto da Missão (oito antes da Hégira). Mesmo em uma data primordial existiam cópias escritas de certas suratas do Alcorão e, como Ibn Hicham relata, foi devido ao profundo efeito produzido pela leitura acurada de alguns versículos da vigésima Surata que Ômar abraçou o Islam. Não sabemos precisamente o tempo em que a prática de escrever o Alcorão começou; contudo, há informações precisas de que durante os remanescentes dezoito anos da vida do Profeta, o números dos muçulmanos, como também das cópias do texto Sagrado, continuou aumentando dia a dia. Como o Profeta recebia as revelações em fragmentos, era natural que o texto revelado se referisse aos problemas do dia. Se acontecesse um de seus companheiros morrer, a revelação consistiria em promulgar a lei da herança; não seria de lei penal, tratando de roubo, por exemplo, a ser revelada no momento. As revelações continuaram durante a inteira vida missionária de Mohammad, treze anos em Makka e dez em Madina. Uma revelação consistia às vezes de uma inteira Surata, curta ou longa, e às vezes de apenas uns poucos versículos.
A natureza das revelações impunha ao Profeta repeti-las constantemente em suas recitações, e revisar continuamente a forma que as coleções dos fragmentos teria que tomar. Todos os doutos afirmam, com autoridade, que o Profeta recitava todos os anos, no mês de Ramadan, perante o anjo Gabriel, aparte do Alcorão até então revelada, e que no último ano de sua vida Gabriel pediu-lhe que o recitasse inteiro duas vezes. O Profeta concluiu, desde então, que iria, em breve, despedir-se da vida. O Profeta costumava revisar, nos meses do jejum, os versículos e as suratas, e colocá-las em sua seqüência adequada. Isto era necessário por causa da continuidade das novas revelações. É também sabido que o Profeta tinha o hábito de celebrar uma prática adicional de oração durante os meses do jejum, todas as noites, às vezes mesmo em congregação, na qual ele recitava o Alcorão do princípio ao fim, tarefa esta que era completada ao cabo de um mês. Esta prática, chamada de Tarawih, continua a ser observada com grande devoção até estes nossos dias.
Quando o Profeta deu seu último suspiro, uma rebelião estava tomando vulto em certas partes do país. Tentando debelá-la, várias pessoas que conheciam o Alcorão de cor tombaram. O Califa Abu Bakr sentiu a urgência da codificação do Alcorão, e a tarefa foi cumprida um mês depois da morte do Profeta.
Durante seus últimos anos de vida, o Profeta costumava usar Zaid Ibn Sábet como principal amanuense, para tomar em ditado as revelações recentemente recebidas. Abu Bakr encarregou a mesma pessoa da tarefa de preparação de uma cópia condizente de todo o texto, em forma de livro. Havia então em Madina vários Huffaz (aqueles que sabiam todo o Alcorão de cor), e Zaid era um deles. Sob a direção do Califa, Zaid transcreveu o texto escrito em pergaminhos ou pedaços de couro, nas omoplatas das reses, nos ossos, nas pedras polidas e mesmo em pedaços de porcelana.
A cópia condizente, assim preparada, foi chamada de Musshaf (encadernação). Esta foi conservada sob a própria custódia do Califa Abu Bakr e, depois dele, por seu sucessor, Ômar Ibn al Khattab. Nesse meio tempo o estudo do Alcorão foi encorajado em toda parte do Império Muçulmano. O Califa Ômar sentiu a necessidade de enviar cópias do texto autêntico aos centros provincianos a fim de evitar as divergências; mas foi deixado a seu sucessor, Otman, continuar com a tarefa. Um de seus comandantes, Huzaifa Aliaman, havendo voltado de uma viagem pelas vastas terras conquistadas pelos muçulmanos, relatou que havia encontrado divergentes cópias do Alcorão e que havia, às vezes, desentendimento entre os diferentes mestres do Livro, concernente a isso. Otman fez imediatamente com que a cópia preparada para Abu Bakr fosse confiada a uma comissão presidida pelo acima mensionado Zaid Ibn Sábet, para a reprodução de sete cópias; ele autorizou-lhes a revisão da pronúncia, se necessário. Quando a tarefa foi concluída, o Califa efetuou uma recitação pública da nova edição perante os doutos presentes na capital, perante os companheiros do Profeta, e então enviou estas cópias aos diferentes centros do vasto mundo islâmico, ordenando que dali por diante todas as cópias fossem baseadas na edição autêntica. Ele ordenou a destruição das cópias que, de algum modo, se desviassem do texto assim oficialmente estabelecido.
É concebível que as grandes conquistas militares dos primeiros muçulmanos induzissem alguns espíritos hipócritas a proclamarem sua impulsiva conversão ao Islam por motivos materiais, e para tentar danificá-lo de maneira clandestina. Eles fabricaram versões do Alcorão com interpolações. As "lágrimas de crocodilo", que foram derramadas pela destruição das cópias não autenticadas do Alcorão, por ordem do Califa Otman, somente poderiam Ter sido de tais hipócritas. É sabido que o Profeta às vezes ab-rogava certos versículos que haviam sido comunicados previamente ao povo, e isso era feito para fortificar as novas Revelações Divinas. Houve Companheiros que aprenderam a primeira versão, sem contudo estarem cientes das últimas modificações, tanto por causa da morte do Profeta como por suas residências fora de Madina. Estes devem Ter deixado cópias a seus descendentes, as quais, embora autênticas, estavam ultrapassadas. Ainda, alguns muçulmanos tinham o hábito de pedir ao Profeta que explicasse certos termos empregados no texto sagrado e anotar tais explicações nas margens de suas cópias do Alcorão, a fim de não esquecerem delas. As cópias feitas mais tarde, com base nesses textos anotados, causariam às vezes confusões na questão do texto e do glossário. A despeito da ordem do Califa Otman, para que se destruíssem os textos inexatos, existia, nos séculos III e IV da Hégira, assunto bastante para a compilação de volumosas obras, constituindo as "variações do Alcorão". Estas chegaram até nós, mas um apurado estudo mostra-nos que tais variantes eram arábica, que não possuía vogais, nem se podia distinguir entre as letras semelhantes, nem davam idéia das mesmas, sendo meros pontos, como é feito agora. Além disso existiam diferentes dialetos em diferentes regiões, e o Profeta havia permitido aos muçulmanos de tais regiões recitarem de acordo com suas algaravias, e mesmo substituir as palavras que estavam além de sua argúcia, por sinônimos que conhecessem melhor. Esta foi uma medida imergente de graça e clemência. No tempo do Califa Otman, contudo, a instrução pública havia-se desenvolvido suficientemente, e fez-se necessário que aquelas concessões não fossem mais toleradas, pois o Texto Sagrado seria afetado e as variantes da leitura se radicariam.
As cópias do Alcorão enviadas por Otman aos chefes das províncias gradualmente desapareceram nos séculos subseqüentes; apenas uma delas, que presentemente se encontra em Tashkent, chegou até nós. O governo czarista da Rússia havia publicado em uma reprodução fac-símile; constata-se haver uma completa identidade entre essa cópia e o texto em uso noutras ocasiões. A mesma é cópia fiel do manuscrito existente do Alcorão, tanto completo como fragmentado, datando do primeiro século da Hégira.
O Alcorão é dirigido a toda humanidade, sem distinção de raça, cor, religião ou tempo. Ainda mais, ele procura guiar a humanidade em todas as sendas da vida: espirituais, materiais, individuais e coletivas. Ele contém diretrizes para a conduta do chefe do Estado, bem como do homem comum; do rico, bem como do pobre; diretrizes para a paz, bem como para a guerra; tanto para a cultura espiritual como para o comércio e bem-estar material. O Alcorão busca principalmente desenvolver a personalidade do indivíduo: Cada ser será pessoalmente responsável perante seu Criador. Para tal propósito, o Alcorão não somente fornece ordens, porém tenta ainda convencer. Ele apela para a razão do homem e relata histórias, parábolas e metáforas. Descreve os atributos de Deus, que é Um, Criador de tudo, Onisciente, Onipotente, Ressuscitador dos mortos e Observador de nosso comportamento terreno; é Justo, Clemente.(vide nota da 7ª Surata, versículo 180) O Alcorão indica ainda o modo de aprazermos a Deus, apontando quais as melhores orações, quais os deveres do homem com respeito a Ele, a seus semelhantes e a seu próprio ser; ele dá destaque ao fato de que não nos pertencemos, outrossim, pertencemos a Deus. O Alcorão fala das melhores normas relacionadas com a vida social, comercial, matrimonial, com a herança, com o direito penal, com o direito internacional, e assim por diante. Todavia, o Alcorão não é um livro, no senso comum; é a coleção das palavras de Deus, reveladas de tempos em tempos, durante vinte e três anos, a Seu Mensageiro, escolhido entre os seres humanos. O Soberano dá Suas instruções a Seu vassalo; portanto, há certas nuanças compreendidas e implícitas; há repetições, e mesmo mudanças nas formas de expressão. Deste modo, Deus fala às vezes na primeira pessoa e às vezes na terceira. Ele diz "Eu", bem como "Nós" e "Ele", porém, jamais "Eles". É uma coleção de revelações enviadas de ocasiões em ocasiões; e devemos, por isso, lê-lo mais e mais, a fim de melhor aquilatarmos os seus significados. Ele possui diretrizes para todos, em todos os lugares e para todos os tempos.
O estilo e a dicção do Alcorão são magníficos e apropriados para a sua qualidade Divina. Sua recitação comove o espírito até daqueles que apenas o ouvem sem entendê-lo. Com o passar do tempo, o Alcorão tem, em virtude de sua reivindicação de origem divina, desafiado a todos a criarem, conjuntamente, mesmo uns poucos versículos iguais aos que ele contém. Tal desafio porém tem permanecido sem resposta até os nossos dias.
Há algumas diferenças intrínsecas entre o Alcorão e os livros precedentes. Tais diferenças podem ser sucintamente estipuladas, como segue:
1. Os textos originais da maior parte dos primitivos Livros Divinos foram em sua quase totalidade perdidos, sendo que somente as suas traduções existem hoje. O Alcorão, por outro lado, existe hoje exatamente como foi revelado ao Profeta; nem uma palavra – mais ainda, nem uma letra sequer – foi trocada. Encontra-se à disposição, em seu texto original, fazendo com que a Palavra de Deus seja preservada agora, bem como por todo o porvir.
2. Nos primitivos Livros Divinos os homens mesclaram suas palavras com as palavras de Deus; porém, no Alcorão encontra-se tão-somente as palavras de Deus – em suas prístinas purezas. Isto é admitido, mesmo pelos oponentes ao Islam.
3. Não se pode dizer, com base na autêntica evidência histórica, em relação a nenhum outro Livro Sagrado possuído por diferentes povos, que ele realmente pertence ao mesmo profeta a quem é atribuído. No caso de alguns deles, mesmo isto não é sabido. Em que época e a que profeta eles foram revelados? Quanto ao Alcorão, as evidências que existem de que foi revelado a Mohammad são tão vultosas, tão convincentes, tão sólidas e completivas, que mesmo o mais ferrenho crítico do Islam não pode lançar dúvidas sobre isso. Tais evidências são tão vastas e detalhadas, que sobre muitos versículos do Alcorão, mesmo a ocasião e o local de suas revelações, podem ser conhecidos com exatidão.
4. Os primitivos Livros Divinos foram revelados em línguas que estão mortas desde há muito tempo. Na era presente, nação ou comunidade alguma fala tais línguas e há apenas umas poucas pessoas que se jactam de compreendê-las. Destarte, mesmo que tais Livros existissem hoje em suas formas originais e inadulteradas, seria virtualmente impossível, em nossa era, compreender e interpretar corretamente suas injunções, bem como pô-las em prática em sua forma requerida. A língua do Alcorão, por outro lado, é uma língua viva; milhões de pessoas falam-na e outro tanto a compreende. Ela está sendo ensinada e aprendida em quase todas as universidades do mundo; todas as pessoas podem aprendê-la, e aquele que não tem tempo para isso pode, em qualquer parte, deparar com quem conheça a língua, que lhe explique o significado do Alcorão.
5. Cada um dos Livros Sagrados existentes, encontrados entre as diferentes nações do mundo, foi dirigido a um povo em particular. Cada um deles contém um número de ditames que parece Ter sido dirigido a um período da história em particular e que supria tão-somente as necessidades daquela era. Tais necessidades não são válidas hoje, nem tampouco podem ser aplainadas e propiciamente vertidas para a prática. Depreende-se disto que tais livros eram dirigidos àqueles povos em particular e nenhum deles para o mundo. Ademais, eles não foram revelados para serem seguidos permanentemente, mesmo pelo povo para o qual foram revelados; restringiam-se a influenciar somente sobre um certo período. Em contraste a isso, o Alcorão é dirigido a toda humanidade; não se pode suspeitar que injunção alguma tenha sido dirigida a um povo em especial. Do mesmo modo, todos os ditames e injunções no Alcorão são os mesmos que podem ser aplicados em todos os lugares e em todas as épocas. Este fato vem provar que o Alcorão é dirigido ao mundo inteiro, constituindo-se em eterno código para a vida humana.
6. Não há negar o fato de que os precedentes Livros Divinos cultuavam o bem e a virtude, ensinavam também os princípios da moralidade e da veracidade, e apresentavam uma maneira de viver consentânea com a vontade de Deus. Contudo, nenhum deles era suficientemente compreensivo para englobar tudo quanto fosse necessário para uma vida humana virtuosa, sem nada supérfluo, sem nada carente. Alguns deles excediam em um aspecto, alguns em outros. É o Alcorão, e tão-somente o Alcorão, que cultua não apenas tudo o que havia de magnífico nos livros precedentes, porém, ainda, aperfeiçoa os desígnios de Deus e os apresenta em sua totalidade, delineando uma norma de vida que compreende tudo o que é necessário para o homem nesta terra.
Os pensamentos se renovam e as culturas se proliferam; a vida evolui e a colheita intelectual da humanidade aumenta a cada dia, e quanto mais a humanidade evolui, mais unida e mais mesclada fica. Os veículos de comunicação em muito ajudam nisso, como se quisessem corroborar as palavras do Alcorão:
"Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos para reconhecerdes uns aos outros."(49ª Surata, versículo 13)
No que diz respeito à tradução do Alcorão para outros idiomas, dando oportunidade a que outros povos, na pluralidade de suas línguas e cores, possam conhecer a Mensagem de Mohammad, os doutos na matéria dizem: "a Mensagem de Mohammad é para a humanidade em geral, e, sendo ele árabe, essa mensagem pode alcançar os não-árabes, através de traduções que substituirão o original. Todavia, deve ser uma tradução impecável, correta, concordante, para que se possa coibir a trajetória de muitas traduções incorretas e preambuladas de fábulas irreais".
Como o Livro de Deus é um mar sem porto, com profundeza ignorada, esforçamo-nos em Ter como base para a nossa versão uma explicação em estilo contemporâneo, fácil, simples, clara, solerte, sucinta, livre das divergências doutrinárias, dos aparatos artísticos, dos preâmbulos e dos problemas lingüísticos, para que isso nos facilitasse e auxiliasse de uma maneira satisfatória, a tradução.
E foi a paixão pelo Islam, o grande desejo de lhe útil – nós que somos um de seus adeptos -, que nos levou a enfrentar a empresa de traduzir o Alcorão Sagrado. Depois de muito trabalho, de muita perseverança, e de termos vencido o desânimo que chegou a nos invadir por dificuldades várias, sai este, g raças ao Altíssimo. Imbuído de força de força de vontade, seguimos avante, derrubando obstáculos, vencendo etapas, auxiliado pela graça Divina. Para tanto, tivemos de recorrer várias fontes, consultar várias interpretações, antigas e modernas. Estivemos trabalhando frente a obras como: "Ahcam al Cor’an" (As Máximas do Alcorão), de Abu Bakr ar Razi; "Ahcam al Cor’an (As Máximas do Alcorão), de Abu Bakr al Arabi; "Muntakhab Ahcam al Cor’an" (Coletânea de Máximas do Alcorão), de Abu Abdullah al Kurtubi; "Ahcam al Cor’an ( As Máximas do Alcorão), de Abul Hassan at Tabari; "At Tafsir al Wádhih" (A Exegese Inteligível), de Mohammad Mahmud Hijazi; "Al Cor’an al Mufassar" (O Alcorão Explicado), de Mohammad Farid Wajdi; "Tafsir al Manar" (A Exegese da Luz), de Mohammad Rachid Rida; "Al Muntakhab fi Tafsir al Cor’an al Carim" ( O Seleto na Exegese do Sagrado Alcorão), publicado pelo Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos do Cairo; "The Holy Kuran" (O Alcorão Sagrado), tradução de Maulana Abdur-Rahim Tariq; "Safwat al Bayan li Ma’ani al Cor’an (Gema do Discernimento das Exegeses do Alcorão), de Hassanain Mohammad Makhluf ; "The Meaning of the Glorius Koran" (O Alcorão Glorioso), uma tradução explanatória de Mohammad Marmuduke Pickthall; "Al M’ujan al Mufahrass li Alfaz al Cor’an al Carim" ( Índice dos termos do Sagrado Alcorão), de Mohammad Fuad Abdel Baqui, "The Holy Koran, Translation and Commentary" ( O Alcorão Sagrado, Tradução e Comentários), de A. Youssef Ali.
Na maioria dos casos seguimos as exegeses do Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos e do Professor Mohammad Mahmud Hijazi, por se situarem entre as que mais se coadunavam com os requisitos necessários. Por fim, quando ainda na permanência de dúvida a respeito do significado de algum termo, recorremos à ajuda inestimável de S. E. Dr. Abdalla Abdel Chakur Kamel, Diretor do Centro Islâmico do Brasil e Coordenador dos Assuntos Islâmicos da América Latina, que muito nos auxiliou neste sentido; a ele vão aqui nossos agradecimentos.
Queremos render os nossos mais sinceros agradecimentos ao Sr. Jorge Boucher, que lutou conosco, pesquisando, consultando, comparando e encontrando termos que ia ao encontro do sentido preciso, participando também conosco das cinco revisões que efetuamos dos originais. Finalmente, agradecemos a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, participaram na compilação deste livro, desde datilógrafos, digitadores, até impressores.
O nosso muito obrigado a todos.
Samir El Hayek
São Paulo, 1415 H. 1994 d.C.
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A Torá / A Torah
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Torá (do hebraico תּוֹרָה, significando instrução, apontamento, lei) é o nome dado aos cinco primeiros livros do Tanakh (também chamados de Hamisha Humshei Torah, חמשה חומשי תורה - as cinco partes da Torá) e que constituem o texto central do judaísmo. Contém os relatos sobre a criação do mundo, da origem da humanidade, do pacto de Deus com Abraão e seus filhos, e a libertação dos filhos de Israel do Egito e sua peregrinação de quarenta anos até a terra prometida. Inclui também os mandamentos e leis que teriam sido dadas a Moisés para que entregasse e ensinasse ao povo de Israel.
Chamado também de Lei de Moisés (Torat Moshe, תּוֹרַת־מֹשֶׁה), hoje a maior parte dos estudiosos são unânimes em concordar que Moisés não é o autor do texto que possuímos, mas sim que se trate de uma compilação posterior. Por vezes o termo "Torá" é usado dentro do judaísmo rabínico para designar todo o escopo da tradição judaica, incluindo a Torá escrita, a Torá oral (ver Talmud) e os ensinamentos rabínicos. O cristianismo baseado na tradução grega Septuaginta também conhece a Torá como Pentateuco, que constitui os cinco primeiros livros da Bíblia cristã.
Divisão da Torá
As cinco partes que constituem a Torá são nomeadas de acordo com a primeira palavra de seu texto, e são assim chamadas:
* בראשית, Bereshit - No princípio conhecido pelo público não-judeu como Gênesis
* שמות, Shemot - Os nomes ou Êxodo
* ויקרא, Vaicrá - E chamou ou Levítico
* במדבר, Bamidbar- No ermo ou Números
* דברים, Devarim - Palavras ou Deuteronômio
Geralmente suas cópias feitas à mão, em rolos, e dentro de certas regras de composição, usadas para fins litúrgicos, são conhecidas como Sefer Torá, enquanto suas versões impressas, em livro, são conhecidas como Chumash.
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Torá (do hebraico תּוֹרָה, significando instrução, apontamento, lei) é o nome dado aos cinco primeiros livros do Tanakh (também chamados de Hamisha Humshei Torah, חמשה חומשי תורה - as cinco partes da Torá) e que constituem o texto central do judaísmo. Contém os relatos sobre a criação do mundo, da origem da humanidade, do pacto de Deus com Abraão e seus filhos, e a libertação dos filhos de Israel do Egito e sua peregrinação de quarenta anos até a terra prometida. Inclui também os mandamentos e leis que teriam sido dadas a Moisés para que entregasse e ensinasse ao povo de Israel.
Chamado também de Lei de Moisés (Torat Moshe, תּוֹרַת־מֹשֶׁה), hoje a maior parte dos estudiosos são unânimes em concordar que Moisés não é o autor do texto que possuímos, mas sim que se trate de uma compilação posterior. Por vezes o termo "Torá" é usado dentro do judaísmo rabínico para designar todo o escopo da tradição judaica, incluindo a Torá escrita, a Torá oral (ver Talmud) e os ensinamentos rabínicos. O cristianismo baseado na tradução grega Septuaginta também conhece a Torá como Pentateuco, que constitui os cinco primeiros livros da Bíblia cristã.
Divisão da Torá
As cinco partes que constituem a Torá são nomeadas de acordo com a primeira palavra de seu texto, e são assim chamadas:
* בראשית, Bereshit - No princípio conhecido pelo público não-judeu como Gênesis
* שמות, Shemot - Os nomes ou Êxodo
* ויקרא, Vaicrá - E chamou ou Levítico
* במדבר, Bamidbar- No ermo ou Números
* דברים, Devarim - Palavras ou Deuteronômio
Geralmente suas cópias feitas à mão, em rolos, e dentro de certas regras de composição, usadas para fins litúrgicos, são conhecidas como Sefer Torá, enquanto suas versões impressas, em livro, são conhecidas como Chumash.
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A Reencarnação, de Papus
Para procurar fazer compreender bem os detalhes desta reencarnação espiritual, vamos lembrar a idéia que a tradição iniciática dá da constituição do corpo humano e dos princípios que o constituem.
O corpo humano é formado de um envoltório físico material, que todos conhecemos e vemos. Este envoltório material era chamado pelos Egípcios de KHAT.
Ao lado deste envoltório material há um princípio que recebe a forma do corpo, que é verdadeiramente seu duplo. Este princípio que está ligado ao plano astral, que nele respira secretamente e sofre a influencia dos astros, foi chamado por Paracelso de corpo astral e pelos Egípcios de KHA, que os sábios orientalistas contemporâneos muito bem traduziram, com Maspero, pela palavra duplo.
Da mesma forma que o corpo físico vem do plano físico e volta a ele, este corpo astral vem do plano astral e volta a ele.
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O corpo humano é formado de um envoltório físico material, que todos conhecemos e vemos. Este envoltório material era chamado pelos Egípcios de KHAT.
Ao lado deste envoltório material há um princípio que recebe a forma do corpo, que é verdadeiramente seu duplo. Este princípio que está ligado ao plano astral, que nele respira secretamente e sofre a influencia dos astros, foi chamado por Paracelso de corpo astral e pelos Egípcios de KHA, que os sábios orientalistas contemporâneos muito bem traduziram, com Maspero, pela palavra duplo.
Da mesma forma que o corpo físico vem do plano físico e volta a ele, este corpo astral vem do plano astral e volta a ele.
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A Pistis Sophia Revelada, de Samael Aun Weor
E sucedeu, quando Jesus ressuscitou de entre os mortos, que passou onze anos discorrendo com os Seus discípulos e instruindo-os somente até às regiões do Primeiro Mandamento, até às regiões do Primeiro Mistério, esse que está dentro do véu, dentro do Primeiro Mandamento, o qual é o Vigésimo Quarto Mistério por fora e em baixo (esses vinte e quatro) que estão no Segundo Espaço do Primeiro Mistério, o qual é antes de todos os Mistérios, o Pai em forma de Pomba.
«Gozoso na esperança, sofrido na tribulação, sê constante na oração».
Os Reis do Fogo Sexual trabalham com paciência na Grande Obra.
O Cristo Íntimo instrui a Mente e o Coração.
O Primeiro Mandamento é: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao Próximo como a ti mesmo.
O Primeiro Mistério é Kether, o Ancião dos Dias, tu o sabes.
Quando o devoto compreende o Primeiro Mandamento, então entende facilmente o Vigésimo Quarto Mistério.
O Mistério Vinte e Quatro encontra-se oculto no Tear de Deus.
«Malha atrás de Malha tece meu tear, tela para minha honra e telas para honrar».
O Ancião dos Dias encontra-se sempre oculto no seu próprio tear, na sua própria criação.
Não seria possível entender o Mistério Vinte e Quatro sem haver previamente compreendido o Sexto Mistério.
«Trabalhos me dás Senhor, mas com eles Fortaleza».
O Sexto Mistério explica com inteira claridade o Mistério Vinte e Quatro.
O Espírito é forte, porém a carne é débil, não caiais em tentação.
A Alma, o Sexo, a Tentação, a Queda, a Regeneração encontram-se ocultos no Sexto Mistério.
No Primeiro Espaço está o Ancião dos Dias, o Pai que está em Segredo.
No Segundo Espaço está a Natureza, explicável somente com Sexto Mistério.
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«Gozoso na esperança, sofrido na tribulação, sê constante na oração».
Os Reis do Fogo Sexual trabalham com paciência na Grande Obra.
O Cristo Íntimo instrui a Mente e o Coração.
O Primeiro Mandamento é: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao Próximo como a ti mesmo.
O Primeiro Mistério é Kether, o Ancião dos Dias, tu o sabes.
Quando o devoto compreende o Primeiro Mandamento, então entende facilmente o Vigésimo Quarto Mistério.
O Mistério Vinte e Quatro encontra-se oculto no Tear de Deus.
«Malha atrás de Malha tece meu tear, tela para minha honra e telas para honrar».
O Ancião dos Dias encontra-se sempre oculto no seu próprio tear, na sua própria criação.
Não seria possível entender o Mistério Vinte e Quatro sem haver previamente compreendido o Sexto Mistério.
«Trabalhos me dás Senhor, mas com eles Fortaleza».
O Sexto Mistério explica com inteira claridade o Mistério Vinte e Quatro.
O Espírito é forte, porém a carne é débil, não caiais em tentação.
A Alma, o Sexo, a Tentação, a Queda, a Regeneração encontram-se ocultos no Sexto Mistério.
No Primeiro Espaço está o Ancião dos Dias, o Pai que está em Segredo.
No Segundo Espaço está a Natureza, explicável somente com Sexto Mistério.
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Memórias de futuro
Termina hoje um trajecto de quatro anos. Termina hoje uma experiência que foi enriquecedora a vários níveis. Pelos projectos pensados e concretizados, pelas partilhas pessoais.
Para o futuro, mantêm-se a vontade e o empenho.
Do que passou, fica a doce memória.
HOJE É UM DIA TRISTE
O que fazer com sonhos, crenças, projectos, quando as primeiras cedências se transformam na derradeira rendição? O que fazem os resistentes ao seu orgulho quando os que os acompanham se degladiam? O que fazem os resistentes com a memória daqueles que foram solidários? O que faz cada um com a sua história?
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
Memórias do Padre Germano, de Amália Domingo Sóler
PREFÁCIO
Aos 29 de abril de 1880 comecei a publicar, no jornal espírita ”A Luz do Porvir”, as Memórias do Padre Germano - uma
sêrie de comunicações que, sob a forma de novela, nem por isso deixam de instruir deleitando. O Espírito do Padre Germano
foi relatando alguns episódios de sua última encarnação terrena, consagrada à consolação dos humildes e oprimidos, ao
mesmo tempo que desmascarava os hipócritas e falsos religiosos da Igreja Romana.
Tal proceder, como era natural, lhe acarretou Inúmeros dissabores, perseguições sem tréguas, cruéis insultos e ameaças de
morte, ameaças que, por mais de uma vez, e por pouco se não converteram em amarissima realidade. Vítima dos superiores
hierárquicos, assim viveu desterrado em obscura aldeia, ele que, pelo talento, bondade e poredicados especiais, poderia
ter conduzido a seguro porto, sem perigo de soçobro, a arca de São Pedro.
Mas, nem por viver em recanto ermo da Terra, obscura foi sua existência. Assim como as ocultas violetas exalam delicado
perfume entre as heras que as sobrepujam, assim a religiosidade dessa alma exalou o sutil aroma do sentimento, e com
tanta fragrância, que a essência embriagadora pôde ser aspirada em muitos lugares da Terra.
Muitos foram os potentados que, aterrados pela idéia de crimes enormes, correram pressurosos à sua presença,
porostrando-se humildes ante o humilde sacerdote, para que fosse intermediário entre eles e Deus.
O Padre Germano arrebanhou muitas ovelhas desgarradas, guiando-as pela senda estreita da verdadeira religião, que outra
não é senão a do bem pelo bem, e amando - não só o bom,
que por excepcionais virtudes merece ser amado ternamente, como também o delinqüente - enfermo dalma que, em gravíssimo estado, só com amor se pode curar.
A missão desse Padre em sua última encarnação foi, de fato, a mais bela que porventura possa ter o homem na Terra; e
visto como, ao deixar o invólucro carnal, o Espírito porossegue no espaço com os mesmos sentimentos humanos, pôde ele
sentir, liberto dos seus inimigos, a mesma necessidade de amar e instruir o próximo, buscando todos os meios de completar
tão nobílissimos desejos.
À espera de propicia ocasião, encontrou, finalmente, um médium falante puramente inconsciente, ao qual dedicava, contudo,
esse achado: - importava que tal médium tivesse um escrevente capaz de sentir, compreender e apreciar o que o médium por si dissesse.
A isso me porestei eu, de boa-vontade, e no intuito de propagar o Espiritismo, trabalhamos os três na redação destas
”Memórias”, até 10 de janeiro de 1884.
Não guardam elas perfeita ordem com relação à existência do Padre, sendo que, tão depressa relatam episódios
verdadeiramente dramáticos da sua juventude, como deploram o isolamento da sua velhice; em tudo, porém, que diz o Padre
Germano, há tantos sentimentos, religiosidade e amor a Deus; admiração tão profunda das leis eternas e tão grande
adoração à Natureza, que, lendo estes fragmentos, a criatura mais atribulada se consola, o mais céptico espírito
conjetura, comove-se o maior criminoso, cada qual procurando Deus a seu modo, convencido de que Ele existe na imensidade dos céus.
Um dos fundadores de ”A Luz do Porvir”, o editor João Torrents, teve a feliz idéia de reunir em volumes as Memórias do
Padre Germano, ás quais adicionei algumas comunicações do mesmo Espírito, por ter encontrado nelas imensos tesouros de
Amor e de Esperança - esperança e amor que são frutos sazonados da verdadeira religiosidade por ele possuída de muitos
séculos. Sim, porque para sentir e amar como ele, conhecendo ao mesmo tempo tão profundamente as misêrias da Humanidade, 2
é preciso haver lutado com a fonte nunca estanque das paixões, com a tendência dos vícios, com o estímulo indômito das
vaidades mundanas.
As grandes e inveteradas virtudes, tanto quanto os múltiplos conhecimentos científicos, não se imporovisam porque são a
obra paciente dos séculos.
E sejam estas linhas - humilde porólogo às Memórias do Padre Germano - as heras que ocultam o ramo de violetas, cujo
delicadíssimo perfume hà de ser aspirado com prazer pelos sedentos de justiça e famintos de amor e verdade.
Grécia, 25 de fevereiro de 1900.
amalia domingo soler
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Aos 29 de abril de 1880 comecei a publicar, no jornal espírita ”A Luz do Porvir”, as Memórias do Padre Germano - uma
sêrie de comunicações que, sob a forma de novela, nem por isso deixam de instruir deleitando. O Espírito do Padre Germano
foi relatando alguns episódios de sua última encarnação terrena, consagrada à consolação dos humildes e oprimidos, ao
mesmo tempo que desmascarava os hipócritas e falsos religiosos da Igreja Romana.
Tal proceder, como era natural, lhe acarretou Inúmeros dissabores, perseguições sem tréguas, cruéis insultos e ameaças de
morte, ameaças que, por mais de uma vez, e por pouco se não converteram em amarissima realidade. Vítima dos superiores
hierárquicos, assim viveu desterrado em obscura aldeia, ele que, pelo talento, bondade e poredicados especiais, poderia
ter conduzido a seguro porto, sem perigo de soçobro, a arca de São Pedro.
Mas, nem por viver em recanto ermo da Terra, obscura foi sua existência. Assim como as ocultas violetas exalam delicado
perfume entre as heras que as sobrepujam, assim a religiosidade dessa alma exalou o sutil aroma do sentimento, e com
tanta fragrância, que a essência embriagadora pôde ser aspirada em muitos lugares da Terra.
Muitos foram os potentados que, aterrados pela idéia de crimes enormes, correram pressurosos à sua presença,
porostrando-se humildes ante o humilde sacerdote, para que fosse intermediário entre eles e Deus.
O Padre Germano arrebanhou muitas ovelhas desgarradas, guiando-as pela senda estreita da verdadeira religião, que outra
não é senão a do bem pelo bem, e amando - não só o bom,
que por excepcionais virtudes merece ser amado ternamente, como também o delinqüente - enfermo dalma que, em gravíssimo estado, só com amor se pode curar.
A missão desse Padre em sua última encarnação foi, de fato, a mais bela que porventura possa ter o homem na Terra; e
visto como, ao deixar o invólucro carnal, o Espírito porossegue no espaço com os mesmos sentimentos humanos, pôde ele
sentir, liberto dos seus inimigos, a mesma necessidade de amar e instruir o próximo, buscando todos os meios de completar
tão nobílissimos desejos.
À espera de propicia ocasião, encontrou, finalmente, um médium falante puramente inconsciente, ao qual dedicava, contudo,
esse achado: - importava que tal médium tivesse um escrevente capaz de sentir, compreender e apreciar o que o médium por si dissesse.
A isso me porestei eu, de boa-vontade, e no intuito de propagar o Espiritismo, trabalhamos os três na redação destas
”Memórias”, até 10 de janeiro de 1884.
Não guardam elas perfeita ordem com relação à existência do Padre, sendo que, tão depressa relatam episódios
verdadeiramente dramáticos da sua juventude, como deploram o isolamento da sua velhice; em tudo, porém, que diz o Padre
Germano, há tantos sentimentos, religiosidade e amor a Deus; admiração tão profunda das leis eternas e tão grande
adoração à Natureza, que, lendo estes fragmentos, a criatura mais atribulada se consola, o mais céptico espírito
conjetura, comove-se o maior criminoso, cada qual procurando Deus a seu modo, convencido de que Ele existe na imensidade dos céus.
Um dos fundadores de ”A Luz do Porvir”, o editor João Torrents, teve a feliz idéia de reunir em volumes as Memórias do
Padre Germano, ás quais adicionei algumas comunicações do mesmo Espírito, por ter encontrado nelas imensos tesouros de
Amor e de Esperança - esperança e amor que são frutos sazonados da verdadeira religiosidade por ele possuída de muitos
séculos. Sim, porque para sentir e amar como ele, conhecendo ao mesmo tempo tão profundamente as misêrias da Humanidade, 2
é preciso haver lutado com a fonte nunca estanque das paixões, com a tendência dos vícios, com o estímulo indômito das
vaidades mundanas.
As grandes e inveteradas virtudes, tanto quanto os múltiplos conhecimentos científicos, não se imporovisam porque são a
obra paciente dos séculos.
E sejam estas linhas - humilde porólogo às Memórias do Padre Germano - as heras que ocultam o ramo de violetas, cujo
delicadíssimo perfume hà de ser aspirado com prazer pelos sedentos de justiça e famintos de amor e verdade.
Grécia, 25 de fevereiro de 1900.
amalia domingo soler
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A Mística Filosófica Dos Números De Louis Claude de Saint-Martin
O conhecimento obtido por Saint-Martin através de sua iniciação, que ocorreu quando ele era jovem, está relacionado ao misticismo numérico, ao qual ele recorria muito freqüentemente para estabelecer os argumentos doutrinários nos seus primeiros trabalhos. Esta correlação com a mística dos números também ocupa um lugar importante em sua correspondência e foi o assunto de um tratado póstumo, chamado "Os Números". Ao mesmo tempo, nós não temos esta correlação completa, pois as considerações nas quais ele a recebeu fizeram impossível a sua transmissão completa. Aparentemente, nós também não possuímos esta correlação numérica da mesma forma que ele (Saint-Martin) a recebeu. Ela foi sempre mantida por ele na mais alta estima, por toda sua vida e foi desenvolvida por muitas considerações próprias que na realidade abarcam todos os sinais peculiares do seu dom filosófico.
Mas, seria um exagero afirmar que toda sua doutrina está baseada nas propriedades ocultas dos números e as partes misteriosas desta mesma doutrina ficariam assim, totalmente encobertas. Como há alguns detalhes extremamente técnicos nestas correlações numéricas, pretendemos, nesta curta dissertação, lidar com as questões técnicas da forma mais completa que for possível.
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Mas, seria um exagero afirmar que toda sua doutrina está baseada nas propriedades ocultas dos números e as partes misteriosas desta mesma doutrina ficariam assim, totalmente encobertas. Como há alguns detalhes extremamente técnicos nestas correlações numéricas, pretendemos, nesta curta dissertação, lidar com as questões técnicas da forma mais completa que for possível.
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A medula da alquimia - Elucidando a Prática - O Primeiro Livro, de Ireneu Filaleto
A Alquimia - que alguns chamam de Arte Dourada - trata-se não de uma fábula, como muitos quereriam, mas de uma verdadeira Ciência, como ficou por nós provado e por exemplos demonstrado na parte anterior deste tratado, Ciência esta cuja prática passaremos a elucidar nesta Segunda Parte, através da qual será possível obter grande provisão de prata e ouro. E para uma boa compreensão das nossas intenções considera correctamente, e com justeza pesa bem a razão da nossa Obra, caso contrário é mais certo que percas o teu tempo e dinheiro em vão, encontrando apenas esforço e despesa, tal como muitos já o fizeram.
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Diálogo Entre Uma Alma Iluminada E Outra Em Busca Da Iluminação, de Jacob Boheme / Jakob Böhme / Jacob Boehme, Jakob Boehme, Jacob Böhme, Jakob Böehme
COMO UMA ILUMINADA DEVE BUSCAR OUTRA E CONSOLÁ-LA, LEVANDO-A, POR SEU CONHECIMENTO, ÁS SENDAS DA PEREGRINAÇÃO DE CRISTO, ADVERTINDO-A LEALMENTE DO ESPINHOSO CAMINHO DO MUNDO, NO QUAL CAMINHA A ALMA CAÍDA, QUE CONDUZ AO ABISMO OU FOSSA DO INFERNO.
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quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Liber DCCCLX - John St. John - O Diário Do Retiro Mágicko De G.H. Frater O\M\, de Aleister Crowley
APRESENTAÇÃO
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
ALEISTER CROWLEY é uma das figuras mais importantes de nosso tempo, pelo menos para nós, que seguimos a doutrina por ele exposta.
Este livro é um dos trabalhos deslumbrantes deste gênio literário. O assunto aqui tratado nos mostra Crowley como ele era, revela sua identidade e afasta dele a figura mítica pela qual ele é deveras conhecido no ocultismo.
Neste texto publicado pela primeira vez no The Equinox I(1) em 1909 E.V., G.H. Frater O\M\[Crowley] nos dá uma visão dos problemas enfrentados por um Adepto para atingir a consecução final de seu objetivo. Aprendemos nesta obra que a iniciação não deve ser floreada pelas rosas da ilusão, mas sim calcada em bases sólidas com resultados científicos em todos os pontos da caminhada.
Acredito que ao ler esta obra, o leitor entrará em uma jornada única, onde poderá observar de perto os acontecimentos, ilusões, sucessos e fracassos de um homem considerado por muitos o Ultimo Grande Mago do Século XX e por outros, um dos maiores Magos Negros. Isso nos mostra quão essencial é a obra de Crowley pois, “podemos estar contra ou a seu favor, mas nunca sem ele”.
Um Homem destemido que não escondia sua sombra, não velava seus defeitos com palavras virtuosas e nunca tivera medo de mostrar a humanidade quem ele realmente era, apenas mais um homem procurando respostas!
Assim espero que todos que possam vir a ler essa obra, tenham em mente que Crowley era uma pessoa comum, com gostos comuns e defeitos como qualquer outro ser humano, todavia, completamente dotado de uma capacidade espiritual que o fazia se destacar aonde estivesse. Um poeta – um dos melhores de seu tempo – que compunha versos de maravilhosa erudição.
O leitor notará neste livro como o autor lutava, dia e noite, mesmo sendo um Adepto Avançado, contra seu corpo, contra todas as fraquezas que fazem com que o homem desista dos ideais propostos por si mesmo. O livro é marcado pela luta contra todos os sofismas pessoais.
Falar sobre as qualidades de Crowley aqui é impossível, assim, sugiro aos leitores que consultem a edição de dezembro do Jornal Oriflamme, onde uma pequena biografia detalhada foi publicada.
Amor é a lei, amor sob vontade.
— Fernando Aiwass Ligvori
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Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
ALEISTER CROWLEY é uma das figuras mais importantes de nosso tempo, pelo menos para nós, que seguimos a doutrina por ele exposta.
Este livro é um dos trabalhos deslumbrantes deste gênio literário. O assunto aqui tratado nos mostra Crowley como ele era, revela sua identidade e afasta dele a figura mítica pela qual ele é deveras conhecido no ocultismo.
Neste texto publicado pela primeira vez no The Equinox I(1) em 1909 E.V., G.H. Frater O\M\[Crowley] nos dá uma visão dos problemas enfrentados por um Adepto para atingir a consecução final de seu objetivo. Aprendemos nesta obra que a iniciação não deve ser floreada pelas rosas da ilusão, mas sim calcada em bases sólidas com resultados científicos em todos os pontos da caminhada.
Acredito que ao ler esta obra, o leitor entrará em uma jornada única, onde poderá observar de perto os acontecimentos, ilusões, sucessos e fracassos de um homem considerado por muitos o Ultimo Grande Mago do Século XX e por outros, um dos maiores Magos Negros. Isso nos mostra quão essencial é a obra de Crowley pois, “podemos estar contra ou a seu favor, mas nunca sem ele”.
Um Homem destemido que não escondia sua sombra, não velava seus defeitos com palavras virtuosas e nunca tivera medo de mostrar a humanidade quem ele realmente era, apenas mais um homem procurando respostas!
Assim espero que todos que possam vir a ler essa obra, tenham em mente que Crowley era uma pessoa comum, com gostos comuns e defeitos como qualquer outro ser humano, todavia, completamente dotado de uma capacidade espiritual que o fazia se destacar aonde estivesse. Um poeta – um dos melhores de seu tempo – que compunha versos de maravilhosa erudição.
O leitor notará neste livro como o autor lutava, dia e noite, mesmo sendo um Adepto Avançado, contra seu corpo, contra todas as fraquezas que fazem com que o homem desista dos ideais propostos por si mesmo. O livro é marcado pela luta contra todos os sofismas pessoais.
Falar sobre as qualidades de Crowley aqui é impossível, assim, sugiro aos leitores que consultem a edição de dezembro do Jornal Oriflamme, onde uma pequena biografia detalhada foi publicada.
Amor é a lei, amor sob vontade.
— Fernando Aiwass Ligvori
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A.·.A.·. - Astrum Argentum,
Magia / bruxaria / feitiçaria,
Satanismo,
Thelema
Liber CXI: Liber Aleph - O Livro da Sabedoria ou da Tolice, de Aleister Crowley
APRESENTAÇÃO
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
Liber Aleph é considerado por Crowley como um comentário sobre o Livro da Lei. A princípio, Liber Aleph é uma carta ao Filho Mágicko de Crowley, Frater Achad.
Essa é uma carta resposta a um diário de Frater Achad. Mas quem foi Frater Achad? O Filho Mágicko de Crowley, Frater Achad — Charles Stansfeld Jones — foi a prova viva de que O Livro do Lei emanou de uma Inteligência præter-humana que usou Crowley como um foco para sua influência. Por outro lado, Achad parece também ter sido um exemplo clássico do tipo de insanidade que toma conta de um indivíduo que se vincula a um Juramento Mágicko além do seu Grau.
Frater Achad fez o Juramento de um Mestre do Templo 8°=3� A\A\, ou seja, fez o voto para interpretar tudo o que ocorresse com ele como um trato particular de Deus com sua alma, em Vancouver B.C., em 21 de junho de 1916 E.V..
Quando uma pessoa faz tal voto, o efeito psicológico – como pode ser imaginado — tem conseqüências profundas. O mundo tema uma forma totalmente diferente daquela na qual ele é visto pelo indivíduo comum. Cada incidente torna-se carregado por uma significância particular; todo e qualquer evento casual é vividamente sentido como estando carregado de uma relação pessoal e direta para a pessoa que o experimenta; um padrão cósmico e vasto começa a formular-se na mente de modo que o evento mais trivial aparece carregado com portentosos significados.
A realização do Juramento por parte de Achad foi absolutamente legítima. Qualquer indivíduo tem o direito de fazê-lo. mesmo que ele não seja um membro da Ordem. Mas fazer o Juramento implica o ordálio do Abismo, que é a experiência mais crítica pela qual uma pessoa pode passar. Menos de um mês depois, Crowley recebeu um telegrama de Achad que anunciava — em termos ininteligíveis para Crowley naquele momento que ele havia cruzado o Abismo e tinha renascido na Terceira Ordem da Grande Irmandade Branca (A\A\).
Crowley, obviamente, tinha se dado conta da necessidade de produzir um herdeiro mágicko, e ele interpretou a necessidade literalmente. Por várias semanas que precederam a chegada do telegrama de Achad, ele estava tentando gerar uma criança física em sua Mulher Escarlate, àquela época Jane Foster, conhecida na Ordem como Soror Hilarion. Mas todos os seus esforços não tiveram sucesso. Hilarion, e outra mulher com quem ele estava coabitando para o mesmo fim, não conceberam então ou durante os meses seguintes. Foi com espanto, portanto, que Crowley registrou em seu Diário Mágicko. Em 2l de Agosto de 1916 E. V.:
Uma descoberta espantosa. As Operações para obter uma criança de Hilarion, de 8 de julho de 1916 E.V. em diante – sete ao todo - e uma com Helen Westley, terminaram em 12 de Setembro e 16 de Setembro com três Operações no início e no fim do catamênio. Estas Operações são descritas como particularmente boas.
Em 23 de setembro (1915 E.V.), a Palavra do Equinócio era NEBULÆ [1] : Isto é, a Criança do Universo, como eu a vejo agora. Neste Equinócio (atual), a palavra é SOL-OM-ON, a Criança do adultério de Davi. Agora, O.I.V.V.I.O. [2] nasceu em 21 de Junho (1916 E.V.), exatamente nove meses após o Equinócio de Libra (isto é, o Outono de 1915 E.V.). Como conclusão da Cerimônia do Equinócio, Hilarion me seduziu; e eu me concentrei na Palavra então obtida.
É realmente notável que eu não tenha feito nenhuma Operação para uma Criança após 12-1 6 de Setembro. Estávamos em Vancouver em 19 de Outubro, e eu dois ou três dias mais cedo. É de se notar também que Hilarion era a perfeita Mulher Escarlate como descrito no Livro da Lei. Então, O.I.V.V.I.O. pode ser a Criança vinda de ‘de nenhuma casa esperada’ [3] , uma vez que eu sempre pensei num bebê material, e nunca tentei um filho espiritual, mesmo assim e a criança de minhas entranhas, uma vez que O.I.V.V.I.O. tem Sagitário como Ascendente, e Sagitário está na cúspide de minha Sexta Casa (Virgem, as entranhas), e também porque eu fiz a Operação de IX° para ele sobre o corpo de Hilarion.
Ele pode ser ‘mais poderoso que todos os reis da terra’, porque foi lançado de volta para Malkuth. [4]
Eu despertei com estas idéias em minha cabeça cerca de 3h 40 desta manhã. Note-se, também, os sonhos de 20 e 21 de Setembro: Hilarion como uma mulher Titã sobre a qual eu realizava o IX° completo. Neste sonho eu estava mais do que meio acordado...
A realização de Achad não apenas justificou os métodos que Crowley adotou em seu treinamento de aspirantes na A\A\, ela foi também um cumprimento inequívoco da profecia do Livro da Lei que declara que a própria Besta não entenderia todos os Mistérios que o Livro continha.
Quando Jones se tomou um Neófito da A\A\(em 1913 E.V.), ele adotou o moto de Achad (dha) que significa “UM”, Unidade. Crowley logo se deu conta de que Achad era deveras o “um” que viria após ele, no sentido da sucessão ao Grau de (Mestre do Templo). Ele viera após Crowley e cruzara o Abismo para renascer na Terceira Ordem — A Ordem da Estrela de Prata - S\S\. Achad também descobriu de fato a Chave do Livro da Lei na palavra AL, que significa “Existência”, ou “Deus”, sendo o seu número 3 1.
A palavra Achad (Unidade) soma 13, que é 31 ao inverso. Trinta e um é o número não apenas de AL, mas também de LA, significando do “Não” ou Nuit: também, pelo Tarot, 31 é igual a ShT (o deus Set ou Shaitan). A fórmula LAShTAL, que compreende 3 x 31, se soma a 93, o número sagrado de Thelema, Ágape e Aiwaz, ou Vontade, Amor, e a fórmula mágicka da operação delas ShT, ou Set.
Estas descobertas resultaram na revelação de Achad referente ao número 31, que ele obteve no Solstício de Inverno, em 1917 E.V. e que ele entregou a Crowley em 1919 E.V.. Ele aceitou a Chave e, em conseqüência, o título de Livro da Lei - originalmente Liber Legis – foi mudado para Liber AI vel Legis.
O relato de Frater Achad sobre sua associação com Crowley e sobre sua descoberta da Chave do Livro da Lei estão incorporadas num documento não publicado que ele intitulou Liber XXXI [5] . Ele formaria o apêndice Qabalístico para o relato de Crowley sobre o Livro da Lei que foi publicado — finalmente — muitos anos mais tarde como O Equinócio dos Deuses.
Nesta época [1936 E.V.], entretanto, Achad havia perdido sua posição na A\A\, pelo menos aos olhos de Crowley, por ter falhado em provar sua linha ininterrupta de ascendência do Grau de Probacionista ao de Mestre do Templo. De acordo com Crowley, foi em relação ao Grau de 7°=4� (Adeptus Exemptus) que Achad havia falhado. Ele não havia composto e publicado uma tese sobre o Universo, conforme requerido de um membro deste Grau. Exemplos de tais teses são citados por Crowley em Uma Estrela à Vista: La Clef des Grands Mvstères de Éliphas Lévi, as obras de Swedenborg, von Eckartshausen, Robert Fludd. Paracelsus, Newton, Bolyai, Hinton, Berkeley, Loyola, etc.
Mas, na época da descoberta de Achad, Crowley estava sobremodo contente por pensar que ele havia produzido um Filho e Herdeiro magicamente competente para tomar seu lugar na Grande Irmandade Branca. Além disso, ele considerava a estranha concatenação das circunstâncias como prova conclusiva da Inteligência præter-humana de Aiwaz, seu Sagrado Anjo Guardião. Ele viu nestes eventos a completa justificativa para sua reorganização do sistema original da Aurora Dourada, e a aceitação desta reorganização pelos próprios Chefes Secretos. O Sistema provou-se a si mesmo. Qualquer pessoa de inteligência e capacidade medianas poderia em uma única vida – atingir por estes meios à mais elevada eminência espiritual.
Mas o sucesso de Achad, uma prova surpreendente da origem transcendental do Livro da Lei — terminou em fracasso, e anos mais tarde Crowley escreveu a Frater O.P.V. (Norman Mudd) no sentido de que embora qualquer homem fosse livre para fazer o formidável Juramento de um Mestre do Templo, ele, - o Conselheiro [6] – deveria dissuadir qualquer um de fazê-lo a menos que os Graus anteriores tivessem sido sistematicamente trabalhados. Achad, sem dúvida encorajado pelo rápido progresso incomum que ele havia feito como um Neófito, tinha omitido certas Tarefas ligadas aos Graus posteriores, e isso havia ocasionado drásticas conseqüências.
O Renascer do Egito, que Achad escreveu e publicou em 1923 E.V., contém evidências de sua consecução desequilibrada e, portanto, imperfeita. Ele inverteu a ordem dos Caminhos da Árvore da Vida e colocou a Serpente da Sabedoria de cabeça para baixo! Ele também declarou que um novo Æon, o Æon de Maat (Verdade e Justiça) estava à mão; que o Æon de Hórus havia acabado, apesar de ter apenas começado!
Em 2 de abril de 1948 E.V., menos de um ano após a morte de Crowley, e pouco antes da sua própria, Achad anunciou o princípio da Era de Aquário precisamente 44 anos depois do Equinócio dos Deuses em 1904 E.V., quando Aiwaz anunciou o começo do Æon de Hórus, que deveria durar aproximadamente 2.000 anos. Achad chama a nova Era de Ma-Ion, o Æon da Verdade e da Justiça, e diz que ele profetizara seu princípio num livro intitulado QBL, que ele publicara em 1923 E.V.. Provas aparentes estão por toda a parte, entretanto, de que nenhum Æon da Verdade e da Justiça já tenha surgido.
Mas se Achad falhou pessoalmente em seu renascimento na Terceira Ordem, ele, sem dúvida alguma. descobriu a chave para o Livro da Lei; ele veio realmente após Crowley e ele certamente provou a eficácia do sistema da A\A\conforme reconstruído por Crowley de acordo com as linhas Thelêmicas.
Achad acreditava ter atingido o ápice da realização espiritual, tendo – como ele declarou ultrapassado o Magista (isto é, Crowley) no Caminho para a Coroa (Kether). Ele. então, entrou num período de insanidade temporária, durante o qual ele veio à Inglaterra e juntou-se à Igreja Católica Romana, convencido de que forjando assim uma ligação mágicka com o inimigo ele seria capaz de persuadir esta Igreja a aceitar a Lei de Thelema. Ele, então, voltou a Vancouver, vestido apenas com uma capa de chuva. Ao desembarcar, ele a despiu e começou um ritual de circunambulação pelo centro da cidade para afirmar sua intenção de sobrepujar qualquer restrição; sua ação era um desafiante gesto de libertação do comportamento ortodoxo. Ele foi sumariamente preso e posto na cadeia. Durante seu encarceramento, ele continuou a interpretar cada evento como tendo um significado oracular e divino; as palavras casuais, gestos e mesmo as blasfêmias de seus colegas prisioneiros eram interpretadas desta maneira. Durante este período, ele diz ter completado seu cruzamento do Abismo, tendo cumprido o Juramento de um Mestre do Templo e tendo de fato interpretado cada fenômeno como um trato particular de Deus com sua alma. O Diário com esta consecução de Achad é um documento de grande interesse místico. Parte dele foi publicado em Equinox III(1). [7]
Embora Crowley tivesse aceitado a descoberta por Achad da Chave do Livro da Lei, declarando que ela abria o Palácio do Rei, ele não aceitou a reivindicação de Achad aos Graus de Magus (9°=2�) e Ipsissimus (l0°=l�). Por causa disso, ou assim parece, Achad empenhou-se em arruinar a obra de Crowley, particularmente a obra da O.T.O. na Califórnia, e Crowley expulsou-o desta Ordem. Achad, então, voltou-se contra o gênio de Crowley, o “Anjo” deste, e num escrito intitulado Os ensinamentos do Novo Æon descreve Aiwaz como “a Inteligência Maligna que transmitiu a ele (isto é, a Crowley) O Livro da Lei em 1904 E.V.”. Ele prossegue dizendo que “A Besta pode ser considerada como seu pior inimigo mas Aiwaz é evidentemente o inimigo da humanidade e deveria ser reconhecido como tal, se este novo sistema, calculado deliberadamente para trazer a autodestruição da raça humana, fosse corretamente avaliado.”
O caso de Achad, trágico como deve parecer àqueles que o viam tão promissor e valioso, não pode ser simplesmente descartado, se é que, de fato, ele pode ser de todo descartado. Em 1 925 E.V., Crowley escreveu a Mudd:
Estou tratando Achad como se ele estivesse no meio de um longo ordálio, e assim quase cego, embora em um aspecto 8°=3� (Mestre do Templo). Assim, cuidado para não lhe dar uma cotovelada na esperança de que ele venha a superar isso. Eu acho que ambos, ele e Fuller [8] podem ser salvos por você: é (como sempre) o Ego que cria o Inferno. Nunca se esqueça disso, não há exceções. Assim, se A e B (na A\A\) entram numa querela, a única questão é ‘Qual dos dois tem um Ego abscesso formado de alguma gota de sangue que ele falhou em derramar na Taça de Babalon’?
A última sentença se refere à fórmula suprema do Místico: o absoluto abandono de tudo, até mesmo do Sagrado Anjo Guardião, pois se um único ego-pensamento, uma “gota de sangue”, permanecer “na Taça de Babalon”, a força da consecução entra por si mesma em curto-circuito e acaba em obsessão. O ego cresce em proporções inimagináveis e o aspirante começa a acreditar que como um indivíduo — ele é igual ao Absoluto.
Seria adequado que o leitor pesquisasse Liber XXXI & CLXI.
Amor é a lei, amor sob vontade.
Fernando Aiwass Ligvori
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Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
Liber Aleph é considerado por Crowley como um comentário sobre o Livro da Lei. A princípio, Liber Aleph é uma carta ao Filho Mágicko de Crowley, Frater Achad.
Essa é uma carta resposta a um diário de Frater Achad. Mas quem foi Frater Achad? O Filho Mágicko de Crowley, Frater Achad — Charles Stansfeld Jones — foi a prova viva de que O Livro do Lei emanou de uma Inteligência præter-humana que usou Crowley como um foco para sua influência. Por outro lado, Achad parece também ter sido um exemplo clássico do tipo de insanidade que toma conta de um indivíduo que se vincula a um Juramento Mágicko além do seu Grau.
Frater Achad fez o Juramento de um Mestre do Templo 8°=3� A\A\, ou seja, fez o voto para interpretar tudo o que ocorresse com ele como um trato particular de Deus com sua alma, em Vancouver B.C., em 21 de junho de 1916 E.V..
Quando uma pessoa faz tal voto, o efeito psicológico – como pode ser imaginado — tem conseqüências profundas. O mundo tema uma forma totalmente diferente daquela na qual ele é visto pelo indivíduo comum. Cada incidente torna-se carregado por uma significância particular; todo e qualquer evento casual é vividamente sentido como estando carregado de uma relação pessoal e direta para a pessoa que o experimenta; um padrão cósmico e vasto começa a formular-se na mente de modo que o evento mais trivial aparece carregado com portentosos significados.
A realização do Juramento por parte de Achad foi absolutamente legítima. Qualquer indivíduo tem o direito de fazê-lo. mesmo que ele não seja um membro da Ordem. Mas fazer o Juramento implica o ordálio do Abismo, que é a experiência mais crítica pela qual uma pessoa pode passar. Menos de um mês depois, Crowley recebeu um telegrama de Achad que anunciava — em termos ininteligíveis para Crowley naquele momento que ele havia cruzado o Abismo e tinha renascido na Terceira Ordem da Grande Irmandade Branca (A\A\).
Crowley, obviamente, tinha se dado conta da necessidade de produzir um herdeiro mágicko, e ele interpretou a necessidade literalmente. Por várias semanas que precederam a chegada do telegrama de Achad, ele estava tentando gerar uma criança física em sua Mulher Escarlate, àquela época Jane Foster, conhecida na Ordem como Soror Hilarion. Mas todos os seus esforços não tiveram sucesso. Hilarion, e outra mulher com quem ele estava coabitando para o mesmo fim, não conceberam então ou durante os meses seguintes. Foi com espanto, portanto, que Crowley registrou em seu Diário Mágicko. Em 2l de Agosto de 1916 E. V.:
Uma descoberta espantosa. As Operações para obter uma criança de Hilarion, de 8 de julho de 1916 E.V. em diante – sete ao todo - e uma com Helen Westley, terminaram em 12 de Setembro e 16 de Setembro com três Operações no início e no fim do catamênio. Estas Operações são descritas como particularmente boas.
Em 23 de setembro (1915 E.V.), a Palavra do Equinócio era NEBULÆ [1] : Isto é, a Criança do Universo, como eu a vejo agora. Neste Equinócio (atual), a palavra é SOL-OM-ON, a Criança do adultério de Davi. Agora, O.I.V.V.I.O. [2] nasceu em 21 de Junho (1916 E.V.), exatamente nove meses após o Equinócio de Libra (isto é, o Outono de 1915 E.V.). Como conclusão da Cerimônia do Equinócio, Hilarion me seduziu; e eu me concentrei na Palavra então obtida.
É realmente notável que eu não tenha feito nenhuma Operação para uma Criança após 12-1 6 de Setembro. Estávamos em Vancouver em 19 de Outubro, e eu dois ou três dias mais cedo. É de se notar também que Hilarion era a perfeita Mulher Escarlate como descrito no Livro da Lei. Então, O.I.V.V.I.O. pode ser a Criança vinda de ‘de nenhuma casa esperada’ [3] , uma vez que eu sempre pensei num bebê material, e nunca tentei um filho espiritual, mesmo assim e a criança de minhas entranhas, uma vez que O.I.V.V.I.O. tem Sagitário como Ascendente, e Sagitário está na cúspide de minha Sexta Casa (Virgem, as entranhas), e também porque eu fiz a Operação de IX° para ele sobre o corpo de Hilarion.
Ele pode ser ‘mais poderoso que todos os reis da terra’, porque foi lançado de volta para Malkuth. [4]
Eu despertei com estas idéias em minha cabeça cerca de 3h 40 desta manhã. Note-se, também, os sonhos de 20 e 21 de Setembro: Hilarion como uma mulher Titã sobre a qual eu realizava o IX° completo. Neste sonho eu estava mais do que meio acordado...
A realização de Achad não apenas justificou os métodos que Crowley adotou em seu treinamento de aspirantes na A\A\, ela foi também um cumprimento inequívoco da profecia do Livro da Lei que declara que a própria Besta não entenderia todos os Mistérios que o Livro continha.
Quando Jones se tomou um Neófito da A\A\(em 1913 E.V.), ele adotou o moto de Achad (dha) que significa “UM”, Unidade. Crowley logo se deu conta de que Achad era deveras o “um” que viria após ele, no sentido da sucessão ao Grau de (Mestre do Templo). Ele viera após Crowley e cruzara o Abismo para renascer na Terceira Ordem — A Ordem da Estrela de Prata - S\S\. Achad também descobriu de fato a Chave do Livro da Lei na palavra AL, que significa “Existência”, ou “Deus”, sendo o seu número 3 1.
A palavra Achad (Unidade) soma 13, que é 31 ao inverso. Trinta e um é o número não apenas de AL, mas também de LA, significando do “Não” ou Nuit: também, pelo Tarot, 31 é igual a ShT (o deus Set ou Shaitan). A fórmula LAShTAL, que compreende 3 x 31, se soma a 93, o número sagrado de Thelema, Ágape e Aiwaz, ou Vontade, Amor, e a fórmula mágicka da operação delas ShT, ou Set.
Estas descobertas resultaram na revelação de Achad referente ao número 31, que ele obteve no Solstício de Inverno, em 1917 E.V. e que ele entregou a Crowley em 1919 E.V.. Ele aceitou a Chave e, em conseqüência, o título de Livro da Lei - originalmente Liber Legis – foi mudado para Liber AI vel Legis.
O relato de Frater Achad sobre sua associação com Crowley e sobre sua descoberta da Chave do Livro da Lei estão incorporadas num documento não publicado que ele intitulou Liber XXXI [5] . Ele formaria o apêndice Qabalístico para o relato de Crowley sobre o Livro da Lei que foi publicado — finalmente — muitos anos mais tarde como O Equinócio dos Deuses.
Nesta época [1936 E.V.], entretanto, Achad havia perdido sua posição na A\A\, pelo menos aos olhos de Crowley, por ter falhado em provar sua linha ininterrupta de ascendência do Grau de Probacionista ao de Mestre do Templo. De acordo com Crowley, foi em relação ao Grau de 7°=4� (Adeptus Exemptus) que Achad havia falhado. Ele não havia composto e publicado uma tese sobre o Universo, conforme requerido de um membro deste Grau. Exemplos de tais teses são citados por Crowley em Uma Estrela à Vista: La Clef des Grands Mvstères de Éliphas Lévi, as obras de Swedenborg, von Eckartshausen, Robert Fludd. Paracelsus, Newton, Bolyai, Hinton, Berkeley, Loyola, etc.
Mas, na época da descoberta de Achad, Crowley estava sobremodo contente por pensar que ele havia produzido um Filho e Herdeiro magicamente competente para tomar seu lugar na Grande Irmandade Branca. Além disso, ele considerava a estranha concatenação das circunstâncias como prova conclusiva da Inteligência præter-humana de Aiwaz, seu Sagrado Anjo Guardião. Ele viu nestes eventos a completa justificativa para sua reorganização do sistema original da Aurora Dourada, e a aceitação desta reorganização pelos próprios Chefes Secretos. O Sistema provou-se a si mesmo. Qualquer pessoa de inteligência e capacidade medianas poderia em uma única vida – atingir por estes meios à mais elevada eminência espiritual.
Mas o sucesso de Achad, uma prova surpreendente da origem transcendental do Livro da Lei — terminou em fracasso, e anos mais tarde Crowley escreveu a Frater O.P.V. (Norman Mudd) no sentido de que embora qualquer homem fosse livre para fazer o formidável Juramento de um Mestre do Templo, ele, - o Conselheiro [6] – deveria dissuadir qualquer um de fazê-lo a menos que os Graus anteriores tivessem sido sistematicamente trabalhados. Achad, sem dúvida encorajado pelo rápido progresso incomum que ele havia feito como um Neófito, tinha omitido certas Tarefas ligadas aos Graus posteriores, e isso havia ocasionado drásticas conseqüências.
O Renascer do Egito, que Achad escreveu e publicou em 1923 E.V., contém evidências de sua consecução desequilibrada e, portanto, imperfeita. Ele inverteu a ordem dos Caminhos da Árvore da Vida e colocou a Serpente da Sabedoria de cabeça para baixo! Ele também declarou que um novo Æon, o Æon de Maat (Verdade e Justiça) estava à mão; que o Æon de Hórus havia acabado, apesar de ter apenas começado!
Em 2 de abril de 1948 E.V., menos de um ano após a morte de Crowley, e pouco antes da sua própria, Achad anunciou o princípio da Era de Aquário precisamente 44 anos depois do Equinócio dos Deuses em 1904 E.V., quando Aiwaz anunciou o começo do Æon de Hórus, que deveria durar aproximadamente 2.000 anos. Achad chama a nova Era de Ma-Ion, o Æon da Verdade e da Justiça, e diz que ele profetizara seu princípio num livro intitulado QBL, que ele publicara em 1923 E.V.. Provas aparentes estão por toda a parte, entretanto, de que nenhum Æon da Verdade e da Justiça já tenha surgido.
Mas se Achad falhou pessoalmente em seu renascimento na Terceira Ordem, ele, sem dúvida alguma. descobriu a chave para o Livro da Lei; ele veio realmente após Crowley e ele certamente provou a eficácia do sistema da A\A\conforme reconstruído por Crowley de acordo com as linhas Thelêmicas.
Achad acreditava ter atingido o ápice da realização espiritual, tendo – como ele declarou ultrapassado o Magista (isto é, Crowley) no Caminho para a Coroa (Kether). Ele. então, entrou num período de insanidade temporária, durante o qual ele veio à Inglaterra e juntou-se à Igreja Católica Romana, convencido de que forjando assim uma ligação mágicka com o inimigo ele seria capaz de persuadir esta Igreja a aceitar a Lei de Thelema. Ele, então, voltou a Vancouver, vestido apenas com uma capa de chuva. Ao desembarcar, ele a despiu e começou um ritual de circunambulação pelo centro da cidade para afirmar sua intenção de sobrepujar qualquer restrição; sua ação era um desafiante gesto de libertação do comportamento ortodoxo. Ele foi sumariamente preso e posto na cadeia. Durante seu encarceramento, ele continuou a interpretar cada evento como tendo um significado oracular e divino; as palavras casuais, gestos e mesmo as blasfêmias de seus colegas prisioneiros eram interpretadas desta maneira. Durante este período, ele diz ter completado seu cruzamento do Abismo, tendo cumprido o Juramento de um Mestre do Templo e tendo de fato interpretado cada fenômeno como um trato particular de Deus com sua alma. O Diário com esta consecução de Achad é um documento de grande interesse místico. Parte dele foi publicado em Equinox III(1). [7]
Embora Crowley tivesse aceitado a descoberta por Achad da Chave do Livro da Lei, declarando que ela abria o Palácio do Rei, ele não aceitou a reivindicação de Achad aos Graus de Magus (9°=2�) e Ipsissimus (l0°=l�). Por causa disso, ou assim parece, Achad empenhou-se em arruinar a obra de Crowley, particularmente a obra da O.T.O. na Califórnia, e Crowley expulsou-o desta Ordem. Achad, então, voltou-se contra o gênio de Crowley, o “Anjo” deste, e num escrito intitulado Os ensinamentos do Novo Æon descreve Aiwaz como “a Inteligência Maligna que transmitiu a ele (isto é, a Crowley) O Livro da Lei em 1904 E.V.”. Ele prossegue dizendo que “A Besta pode ser considerada como seu pior inimigo mas Aiwaz é evidentemente o inimigo da humanidade e deveria ser reconhecido como tal, se este novo sistema, calculado deliberadamente para trazer a autodestruição da raça humana, fosse corretamente avaliado.”
O caso de Achad, trágico como deve parecer àqueles que o viam tão promissor e valioso, não pode ser simplesmente descartado, se é que, de fato, ele pode ser de todo descartado. Em 1 925 E.V., Crowley escreveu a Mudd:
Estou tratando Achad como se ele estivesse no meio de um longo ordálio, e assim quase cego, embora em um aspecto 8°=3� (Mestre do Templo). Assim, cuidado para não lhe dar uma cotovelada na esperança de que ele venha a superar isso. Eu acho que ambos, ele e Fuller [8] podem ser salvos por você: é (como sempre) o Ego que cria o Inferno. Nunca se esqueça disso, não há exceções. Assim, se A e B (na A\A\) entram numa querela, a única questão é ‘Qual dos dois tem um Ego abscesso formado de alguma gota de sangue que ele falhou em derramar na Taça de Babalon’?
A última sentença se refere à fórmula suprema do Místico: o absoluto abandono de tudo, até mesmo do Sagrado Anjo Guardião, pois se um único ego-pensamento, uma “gota de sangue”, permanecer “na Taça de Babalon”, a força da consecução entra por si mesma em curto-circuito e acaba em obsessão. O ego cresce em proporções inimagináveis e o aspirante começa a acreditar que como um indivíduo — ele é igual ao Absoluto.
Seria adequado que o leitor pesquisasse Liber XXXI & CLXI.
Amor é a lei, amor sob vontade.
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Liber LXV: Liber Cordis Cincti Serpente - O Livro do Coração Cingido com a Serpente, de Aleister Crowley
“Embora [Liber Legis] não fosse o resultado direto de uma invocação, a não ser que a bem sucedida invocação de Hórus seja assim considerada, ainda assim, do ponto de vista da tradição Mágicka, de que comunicações desse tipo podem e devem resultar mais ou menos diretamente do uso de métodos cerimoniais, e na ausência de qualquer outra teoria razoável que cubra os fatos, eu sou levado a fazer experimentos e a induzir outros a fazerem experimentos supondo que pessoas treinadas nas artes (a) Mágicka, (b) Mística, (c) Qabalística são mais aptas do que os que não foram assim treinados a receber comunicações similares com tal plenitude e exatidão que os habilite a resistir ao mais severo criticismo. (A comunicação original foi feita a Rose [Crowley], mas obviamente teria dado em nada se eu não estivesse presente para gestar e parir a semente.) Esses experimentos se justificaram por resultados tais como os livros LXV, VII, 418, I, Ararita, e por obras como a edição do Tao Te King e o Yi King. A validade dos métodos é demonstrada por John St. John. Também pelo sucesso daqueles que o puseram em prática com fidelidade, energia e inteligência. Indiretamente, também, pela qualidade dos fracassos e desastres que acompanharam experimentos conduzidos de maneiras que eu desaprovo. Incidentemente eu fui capaz de prever resultados tanto dos sábios quanto dos tolos virgens sob minha supervisão. [...] É a minha função especial capacitar as pessoas a obterem o Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião por métodos tais que eu mesmo tenha provado como sendo válidos. Pela palavra “conversação” eu entendo comunicações similares ao Livro da Lei quanto à origem, autoridade e valor, cada um adequado à natureza da Verdadeira Vontade do aspirante ou experimentador.”
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O despertar dos mágicos, de Louis Pawels e Jacques Bergier
Prefácio
Tenho uma grande falta de habilidade manual e lamento-o.
Seria mais perfeito se as minhas mãos soubessem trabalhar. Mãos
que fazem qualquer coisa de útil mergulham nas profundidades
do ser e dali extraem uma fonte de bondade e de paz. O meu
padrasto (a quem chamarei aqui pai, pois foi ele que me educou)
era alfaiate. Tinha uma alma profunda, um espírito verdadeiramente
mensageiro. Por vezes dizia, sorrindo, que a traição dos
clérigos, principiara no dia em que um deles representou um
anjo com asas: é com as mãos que se sobe ao céu.
A despeito desta falta de habilidade, consegui no entanto
encadernar um livro. Tinha dezasseis anos. Era aluno do curso
complementar de Juvisy, nuns arrabaldes pobres. Ao sábado à
tarde podíamos escolher entre o trabalhar a madeira, o ferro,
a modelagem ou a encadernação. Nessa época eu lia os poetas,
principalmente Rimbaud. No entanto, impus a mim próprio não
' A palavra "clerc" significa simultaneamente clérigo e letrado, erudito,
sábio. Aliás, há aqui, proventura, alusão ao célebre livro de Julien
Benda, La Trahison des Clercs, que tanta celeuma levantou há cerca de
quarenta anos. (N. da T.)
encadernar Une Saison en Enfer. Meu pai possuía cerca de trinta
livros dispostos no estreito armário da sua oficina, juntamente
com os carros de linhas, o giz, os chumaços e os moldes. Havia
também, nesse armário, milhares de notas tomadas numa caligrafia
miúda e aplicada, a um canto da banca de alfaiate durante
as inumeráveis noites de labor. Entre esses livros eu lera Le
Monde avant la Création de lHomme, de Flammarion, e entregava-me
à descoberta, nessa altura, de Para Onde Vaz o Mundo?
de Walter Rathenau. Foi o livro de Rathenau que resolvi encadernar,
não sem custo. Rathenau fora a primeira vítima dos
nazis, e nós estávamos em 1936. Na pequena oficina do curso
complementar, aos sábados, eu fazia trabalhos manuais por
amor ao meu pai e ao mundo operário. No dia 1 de Maio
ofereci-lhe, juntamente com um ramo de junquilho, o Rathenau
encadernado.
Nesse livro, meu pai sublinhara a lápis vermelho uma longa
frase que nunca mais esqueci:
"Mesmo as épocas de opressão são dignas de respeito, pois
são a obra, não dos homens, mas da humanidade, e portanto da
natureza criadora, que pode ser dura, mas nunca é absurda.
Se a época que vivemos é dura, temos o dever de a amar ainda
mais, de a penetrar com o nosso amor, até que tenhamos afastado
as enormes montanhas que dissimulam a luz que há para
além delas."
*
"Mesmo as épocas de opressão..." Meu pai morreu em 1948
sem jamais deixar de crer na natureza criadora, sem jamais
deixar de amar e de penetrar com o seu amor o mundo sofredor
em que vivia, sem jamais perder a esperança de ver brilhar a
luz para além das enormes montanhas. Ele pertencia à geração
dos socialistas românticos, que tinham como ídolos Vítor Hugo,
Romain Rolland, Jean Jaurès, usavam grandes chapéus e conservavam
a pequena flor azul da sentimentalidade entre as pregas
da bandeira vermelha. Na fronteira da mística pura e da acção
social, o meu pai, preso à sua banca de alfaiate mais de catorze
horas por dia - e nós vivíamos à beira da miséria - conciliava
um ardente sindicalismo e uma busca de libertação interior. Nos
gestos muito limitados e humildes do seu ofício introduzira
um método de concentração e de purificação do espírito a respeito
do qual deixou centenas de páginas. Enquanto fazia casas,
ou passava a ferro as fazendas, tinha uma presença resplandecente.
À quinta-feira e ao domingo, os meus camaradas reuniam-se
à volta da sua banca, para o escutar e sentir aquela presença
vigorosa, e a maior parte deles alteraram as suas vidas devido
à sua influência.
Cheio de confiança no progresso e na ciência, acreditando
na ascensão do proletariado, elaborara uma sólida filosofia. Sentira
uma espécie de inspiração ao ler a obra de Flammarion
sobre a pré-história. Depois, guiado pela paixão, lera livros de
paleontologia, de astronomia, de física. Embora sem preparação,
penetrara no âmago dos assuntos. Falava pouco mais ou menos
como "Teilhard de Chardin, que então desconhecíamos: "O que
o nosso século vai viver é mais importante do que a aparição
do budismo! De futuro já não se trata de dedicar a tal ou tal
divindade as faculdades humanas. É o poder religioso da terra
que sofre em nós uma crise definitiva: a da sua própria descoberta.
Começamos a perceber, e para sempre, que para o
homem a única religião aceitável é a que antes de mais o ensinará
a reconhecer, amar e servir apaixonadamente o Universo
de que ele é o elemento mais importante" ". Ele achava que a
evolução não se confunde com o transformismo, mas que ela
é integral e ascendente, aumentando a densidade psíquica do
nosso planeta, preparando-o para tomar contacto com as inteligências
dos outros mundos, para se aproximar da própria alma
do cosmos. Para ele, a espécie humana não estava concluída.
Ela progredia em direcção a um estado de superconsciência,
através da ascensão da vida colectiva e da lenta criação de um
psiquismo unânime. Dizia que o homem ainda não estava perfeito
e salvo, mas que as leis de condensação da energia
criadora permitem-nos alimentar, à escala do cosmos, uma formidável
esperança. E não perdia de vista essa esperança. Era por
isso que julgava com uma serenidade e um dinamismo religiosos
os problemas deste mundo, indo procurar muito longe, muito
alto, um optimismo e uma coragem imediatamente e realmente
utilizáveis. Em 1948 a guerra terminara, e ressurgiam ameaças
de batalhas, desta vez atómicas. No entanto ele considerava as
inquietações e os sofrimentos actuais como negativos de uma
imagem magnífica. Havia nisso um fio que o unia ao destino
espiritual da Terra e espalhava sobre a época de opressão em
que terminava a sua vida de trabalhador, apesar de imensos desgostos
íntimos, muita confiança e muito amor.
Morreu nos meus braços, na noite de 31 de Dezembro
e disse-me, antes de fechar os olhos:
"É preciso não contar demasiadamente com Deus, mas tal
vez Deus conte connosco..."
*
Em que ponto da minha evolução estava eu nesse momento?
Tinha vinte e oito anos. Fizera vinte anos em 1940, em plena
derrocada. Pertencia a uma geração de transição que assistira
ao desmoronar de um mundo, estava separada do passado e
desconfiava do futuro. Eu estava longe de acreditar que a época
de opressão fosse digna de respeito e que era necessário penetrá-la
com o nosso amor. Antes me parecia que a lucidez nos
levava a recusar um jogo em que todos fazem batota.
Durante a guerra refugiara-me no induísmo. Era o meu
"m"uis". Nele vivia em resistência absoluta. Não procuremos o
ponto de apoio na história e entre os homens: escapa-se-nos sem
cessar. Procuremo-lo em nós próprios. Sejamos deste mundo
como se o não fôssemos. Coisa alguma me parecia tão bela como
o pássaro mergulhador da Bhagavad Gita, "que mergulha e volta
à superfície sem ter molhado as penas". Perante os acontecimentos
contra os quais nada podemos, pensava eu, procedamos de
forma que eles nada possam contra nós. Permanecia nas alturas,
sentado em lódão sobre uma nuvem vinda do Oriente. À noite,
meu pai lia às escondidas os meus livros de cabeceira tentando
compreender a estranha doença que tanto me afastava dele.
Mais tarde, após a Libertação, ofereci a mim próprio um
mestre para viver e pensar. Tornei-me discípulo de Gurdjieff.
Esforçava-me por me separar das minhas emoções, dos meus
sentimentos, dos meus impulsos, a fim de encontrar, para além,
qualquer coisa de imóvel e permanente, uma presença muda,
anónima, transcendente, que me consolaria da minha pequena
realidade e da incongruência do mundo. Julgava meu pai com
certa comiseração. Supunha possuir os segredos do governo do
espírito e de todo o conhecimento. Na verdade, eu não possuía
mais que a ilusão de possuir um enorme desprezo por aqueles
que não partilhavam essa ilusão.
Meu pai desesperava-se por minha causa. Eu próprio me desesperava.
Mantinha-me obstinadamente numa posição de recusa.
Lia René Guénon. Pensava que tínhamos a pouca sorte de viver
num mundo radicalmente pervertido e justamente votado ao apocalipse.
Fazia meu o discurso de Cortes à Câmara dos Deputados de
Madrid em 1849: "Meus senhores, a causa de todos os vossos erros
é ignorardes o caminho da civilização e do mundo. Julgais que a
civilização e o mundo progridem, e eles retrocedem!" Para mim,
a idade actual era a idade negra. Entretinha-me a enumerar os crimes
do espírito moderno contra o espírito. Desde o século &I que o
Ocidente, separado dos Princípios, corria para a própria destruição.
Alimentar qualquer esperança era aliar-se ao mal. Denunciava a
mais pequena confiança como uma cumplicidade. Só me restava
entusiasmo para a recusa, para a ruptura. Neste mundo cujas três
quartas partes já se perdiam no abismo, onde os padres, os sábios,
os políticos, os sociólogos e os organizadores de toda a espécie
me apareciam como coprófagos, apenas os estudos tradicionais
e uma resistência incondicional ao século eram dignos de respeito.
Neste estado de espírito chegava a considerar meu pai um
ingénuo primário. O seu poder de adesão, de amor, de visão
remota irritava-me como coisa ridícula. Acusava-o de ter permanecido
nos entusiasmos da Exposição de 1900. A esperança que
ele punha numa colectivização crescente (e colocava-a infinitamente
mais acima que o plano político) provocava-me desprezo.
Eu só acreditava nas antigas teocracias.
Einstein fundava um núcleo desesperado dos sábios do
átomo, a ameaça de uma guerra total pairava sobre a humanidade
dividida em dois blocos. Meu pai morria sem nada ter perdido
da sua fé no futuro, e eu já não o compreendia. Não evocarei,
nesta obra, os problemas de classe. Não é o lugar adequado.
Mas sei muito bem que esses problemas existem, pois crucificaram
o homem que me amava. Não conheci o meu verdadeiro
pai. Ele pertencia à velha burguesia de Gante. Tanto minha mãe
como o meu segundo pai eram operários, descendiam de operários.
Foram os meus antepassados flamengos, folgazões, artistas,
ociosos e orgulhosos, que me afastaram do pensamento generoso,
dinâmico, que me fizeram desprezar e ignorar a virtude da participação.
Há muito tempo já que existia uma barreira entre meu
pai e eu. Ele que não quisera outro filho além deste que não
era do seu sangue, com receio de me prejudicar, sacrificara-se
para que eu me tornasse um intelectual. Tendo-me dado
tudo, idealizara a minha alma semelhante à dele. A seus olhos
eu devia tornar-me um farol, um homem capaz de esclarecer os
outros homens, de lhes dar coragem e esperança, de lhes mostrar,
como ele dizia, a luz que brilha no fundo de nós. Mas eu
não via qualquer espécie de luz, senão a luz negra, em mim
e no fundo da humanidade. Não passava de um letrado semelhante
a tantos outros. Levava até às suas consequências extremas
esse sentimento de exílio, essa necessidade de revolta radical
que se exprimia nas revistas literárias por volta de 1947, ao falar
de "inquietação metafísica", e que constituíram a complicada
herança da minha geração. Nestas condições, de que maneira
ser um farol? Esta ideia, expressão à Vítor Hugo faziam-me sorrir
maldosamente. Meu pai censurava-me por me deixar corromper,
por ter passado, como ele dizia, para o lado dos privilegiados
da cultura, dos mandarins dos orgulhosos da sua impotência.
A bomba atómica, ao passo que para mim marcava o princípio
do fim dos tempos, era para ele o sinal de um novo despertar.
A matéria ia-se espiritualizando e o homem descobriria
à sua volta e em si próprio forças até ali insuspeitadas. O espírito
burguês, para o qual a Terra é um local de descanso confortável
de que é necessário extrair o máximo, ia ser sacudido pelo
espírito novo, o espírito dos obreiros da Terra, para quem o
mundo é uma máquina em marcha, um organismo em evolução,
uma unidade a construir, uma Verdade a fazer desabrochar.
A humanidade estava apenas no início da sua evolução. Ela recebia
as primeiras informações a respeito da missão que lhe era
destinada pela Inteligência do Universo. Mal começávamos a
perceber o que é o amor do mundo.
Para meu pai, a aventura humana tinha uma direcção. Ele
julgava os acontecimentos conforme se situavam ou não nessa
direcção. A história tinha um sentido: ela evoluía para qualquer
forma de ultra-humano, trazia em si a promessa de uma superconsciência.
A sua filosofia cósmica não o separava do século.
No presente, as suas adesões eram "progressistas". Eu irritava-me,
sem perceber que ele punha uma espiritualidade infinitamente
maior no seu progressismo do que os progressos que
eu fazia na minha espiritualidade.
No entanto, eu sufocava no meu pensamento limitado. Diante
daquele homem sentia-me por vezes um pequeno intelectual árido
e transido, e acontecia-me desejar pensar como ele, respirar tão
amplamente como ele. Ao canto da sua banca de alfaiate, à noite,
eu levava a contradição ao extremo, provocava-o, desejando secretamente
sentir-me perturbado e modificado. Mas, com a ajuda do
cansaço, ele exaltava-se contra mim, contra o destino que lhe dera
um grande pensamento sem lhe conceder os meios de o transferir
para esse filho de sangue rebelde, e separávamo-nos encolerizados
e indispostos. Eu buscava de novo as minhas meditações
e os meus livros desesperados. Ele inclinava-se sobre os tecidos e
pegava novamente na agulha, sob a luz forte que lhe amarelecia
os cabelos. Da minha cama ouvia-o durante muito tempo resfolgar,
resmungar. Depois, de súbito, começava a assobiar entre
dentes, suavemente os primeiros compassos do "Hino à Alegria"
de Beethoven, para me dizer de longe que o amor encontra sempre
os seus. Penso nele quase todas as noites, à hora das nossas
antigas discussões. Oiço essa respiração, esse resmungar que terminava
em canto, esse sublime vento desaparecido.
*
Há doze anos que morreu! E eu vou fazer quarenta. Se o
tivesse compreendido em vida teria encaminhado mais habilmente
a minha inteligência e o meu coração. Não parei de procurar.
Agora, alio-me de novo a ele, mas após quantas pesquisas, muitas
vezes inúteis, e perigosas divagações! Podia ter conciliado, muito
mais cedo, o gosto pela vida interior e o amor pelo mundo em
movimento. Podia ter construído mais cedo, e talvez com maior
eficácia, quando as minhas forças estavam intactas, uma ponte
entre a mística e o espírito moderno. Ter-me-ia sentido simultaneamente
religioso e solidário com o grande impulso da história.
Podia ter sentido mais cedo a fé, a caridade e a esperança.
Este livro resume cinco anos de pesquisas, em todos os sectores
do conhecimento, nas fronteiras da ciência e da tradição
Lancei-me nesta empresa nitidamente superior às minhas possibilidades,
porque já não podia recusar por mais tempo este mundo
presente e futuro que, no entanto, é o meu. Mas todo o excesso
é esclarecedor. Podia ter descoberto mais cedo um meio de
comunicação com a minha época. Pode ser que não tenha perdido
totalmente o tempo ao ir até ao extremo da minha procura. Não
acontece aos homens aquilo que eles merecem, mas sim o que
se lhes assemelha. Procurei durante muito tempo, como o desejava
o Rimbaud da minha adolescência, "a Verdade numa alma e num
corpo". Não o consegui. Na perseguição dessa Verdade perdi o
contacto com as pequenas verdades que teriam feito de mim, não
decerto o super-homem por que ansiava, mas um homem melhor
e mais unificado do que sou. No entanto, aprendi, a respeito do
comportamento profundo do espírito, dos diversos estados possíveis
da consciência, da memória e da intuição, coisas preciosas
que não teria aprendido de outra forma e que me permitiriam,
mais tarde, compreender o que há de grandioso, de essencialmente
revolucionário na base do espírito moderno: a interrogação sobre
a natureza do acontecimento e a necessidade imperiosa de uma
espécie de transmutação da inteligência.
Quando saí do meu nicho de Yogi para lançar um golpe de
vista sobre este mundo moderno que eu condenava sem o
conhecer, aprendi repentinamente o maravilhoso. O meu estudo
reaccionário, tão cheio de orgulho e de ódio, fora útil na medida
em que me impedira de aderir a este mundo pelo lado mau:
o velho racionalismo do século xIx, o progressismo demagógico.
Impedira-me igualmente de aceitar este mundo como uma coisa
natural e simplesmente porque era o meu, de o aceitar num
estado de consciência sonolenta, como acontece à maior parte
das pessoas. Com os olhos remoçados por essa longa permanência
fora do meu tempo, vi este mundo tão rico em fantástico real
como o mundo da tradição era para mim em fantástico suposto.
Melhor ainda: aquilo que aprendia sobre a época modificava,
aprofundando-o, o meu conhecimento do espírito antigo. Vi as
coisas antigas com um olhar novo, e os meus olhos estavam
igualmente novos para ver as coisas novas.
*
Encontrei Jacques Bergier (mais adiante direi em que circunstâncias)
na altura em que acabava de escrever uma obra a respeito
do grupo de espíritos reunido à volta de Gurdjieff. Esse encontro,
que não atribuo ao acaso, foi determinante. Acabava de consagrar
dois anos a descrever uma escola esotérica e a minha própria
aventura. Mas nesse momento principiava para mim outra aventura.
Foi o que me pareceu necessário dizer ao despedir-me dos meus
leitores. Terão de desculpar-me o facto de me citar a mim próprio,
dado que não tenho a menor preocupação em chamar as atenções
para a minha obra: são outros os meus objectivos. Inventei a
fábula do macaco e da cabaça. Os indígenas, a fim de capturarem
o animal com vida, amarram a um coqueiro uma cabaça contendo
pistaches. O macaco precipita-se, estende a pata, pega nas pistaches,
fecha a mão. E eis que não a pode retirar novamente.
Aquilo que conquistou retém-no prisioneiro. Ao sair da escola
Gurdjieff escrevi:
"É necessário apalpar, examinar os frutos-armadilhas, depois
afastarmo-nos com rapidez. Satisfeita uma certa curiosidade, convém
dirigir imediatamente a nossa atenção para o mundo em que
estamos, recuperar a nossa liberdade e a nossa lucidez, retomar
o caminho sobre a terra dos homens da qual fazemos parte.
O que importa é ver em que medida o movimento essencial do
pensamento dito tradicional encontra o movimento do pensamento
contemporâneo. A física, a biologia, as matemáticas, nos seus
aspectos terminais, contém actualmente certos dados do esoterismo,
reúnem certas visões do cosmos, relações da energia e da matéria
que são visões ancestrais. As ciências de hoje, se as abordamos
sem conformismo científico, mantêm um diálogo com os antigos
mágicos, alquimistas, taumaturgos. Opera-se, sob o nosso olhar
uma revolução, e há de novo um casamento inesperado da
razão, no auge das suas conquistas, com a intuição espiritual.
Para os observadores verdadeiramente atentos, os problemas que
se põem à inteligência contemporânea já não são problemas de
progresso. Há alguns anos que a noção de progresso deixou
de existir. São problemas de mudança de estado, problemas de
transmutação. Neste sentido, os homens atentos às realidades da
experiência interior vão na direcção do futuro e dão solidamente
a mão aos sábios de vanguarda que preparam o surgimento de
um mundo sem nada de comum com o mundo de pesada transição
no qual vivemos ainda por algumas horas."
É exactamente o assunto que será desenvolvido neste
grande volume. É portanto necessário, pensava eu antes de o
iniciar, projectar a inteligência muito longe em direcção ao passado
e muito longe em direcção ao futuro para compreender
o presente. Apercebi-me de que tinha razão para não amar,
outrora, as pessoas que são simplesmente "modernas". Somente
eu condenava-as sem saber porquê. Na verdade, são condenáveis
porque o seu espírito apenas ocupa uma fracção demasiado
pequena do tempo. Mal surgem, tornam-se anacrónicas. O que
é preciso ser, para estar presente, é contemporâneo do futuro.
E o próprio passado remoto pode ser interpretado como uma
ressaca do futuro. Desde então, quando interrogo o presente,
obtenho respostas cheias de estranhezas e de promessas.
*
James Blish, escritor americano, diz em homenagem a Einstein
que este último "engoliu Newton vivo". Admirável fórmula!
Se o nosso pensamento se eleva para uma visão mais alta da
vida, é vivas que ele deve ter absorvido as verdades do plano
inferior. Tal é a certeza que adquiri no decorrer das minhas
pesquisas. Isto pode parecer banal, mas quando se viveu no
meio de ideias que pretendiam estar acima de tudo, como seja
a sabedoria de Guénon e o sistema Gurdjieff, e que ignoravam
ou desprezavam a maior parte das realidades sociais e científicas,
esta nova forma de julgar modifica a direcção e os anseios
do espírito. "As coisas inferiores, já Platão dizia, devem encontrar-se
entre as coisas superiores, embora num estado diferente."
Agora tenho a convicção de que qualquer filosofia superior,
na qual não continuem a existir as realidades do plano que ela
pretende ultrapassar, é uma impostura.
Eis a razão que me levou a fazer uma longa digressão pelos
domínios da física, da antropologia, das matemáticas, da biologia,
antes de tentar novamente fazer uma ideia do homem, da sua
natureza, dos seus poderes, do seu destino. Outrora, eu procurava
conhecer e compreender o todo do homem, e desprezava a ciência.
Julgava o espírito capaz de atingir altitudes sublimes. Mas que
sabia eu das suas diligências no domínio científico? Não revelara
ele alguns desses poderes nos quais eu me sentia inclinado
a acreditar? Dizia para mim próprio: é necessário ultrapassar a
contradição aparente entre materialismo e espiritualismo. Mas
o progresso científico não nos conduziria a isso? E, nesse caso,
não seria meu dever informar-me? Não seria, no fim de contas,
uma atitude mais racional, para um ocidental do século xx,
do que agarrar num bordão de peregrino e dirigir-se descalço
para a Índia? Não haveria à minha volta número suficiente de
homens e de livros onde colher informações? Não deveria eu,
antes de mais nada, perscrutar a fundo o meu próprio terreno?
Se a reflexão científica, nos seus aspectos extremos, tendia
para uma revisão das ideias admitidas a respeito do homem
então era necessário que eu o soubesse. E havia ainda outra
necessidade. Depois disso, qualquer ideia que eu fizesse sobre
o destino da inteligência, sobre o sentido da aventura humana,
não poderia ser dada como válida senão na medida em que não
fosse contra o movimento do conhecimento moderno.
Descobri o eco desta meditação nas seguintes palavras de
Oppenheimer:
"Actualmente vivemos num mundo em que poetas, historiadores,
filósofos sentem orgulho em dizer que não quereriam sequer
prever a hipótese de aprender fosse o que fosse relativo as ciências:
vêem a ciência ao fundo de um longo túnel, longo demais
para que um homem precavido lá meta a cabeça. A nossa filosofia
- se é que temos uma - é portanto francamente anacrónica,
e, estou convencido, perfeitamente inadaptada à nossa época."
Ora, para um intelectual bem preparado, não é mais difícil,
se realmente o deseja, compreender o sistema de pensamento
que rege a física nuclear do que penetrar na economia marxista
ou no tomismo. Não é mais difícil aprender a teoria da cibernética
do que analisar as causas da revolução chinesa ou a experiência
poética de Mallarmé. Na verdade, recusamo-nos a esse
esforço, não por recearmos o esforço, mas porque pressentimos
que ele provocaria uma mudança na forma de pensar e de exprimir,
uma revisão dos valores até aqui admitidos.
"E no entanto, prossegue Oppenheimer, há muito tempo já
que uma compreensão mais subtil a respeito da natureza do
conhecimento humano e das relações do homem com o Universo
deveria ter sido prescrita."
Resolvi-me portanto a pesquisar o tesouro das ciências e das
técnicas actuais, seguramente de forma inexperiente, com uma
ingenuidade e uma admiração talvez perigosas, mas propícias ao
desabrochar de comparações, de correspondências, de aproximações
esclarecedoras. Foi então que recuperei um certo número
de convicções que tivera, outrora, em relação ao esoterismo,
à mística, à grandeza infinita do homem. Mas recuperei-as num
estado diferente. Actualmente eram convicções que tinham absorvido
com vida as formas e as obras da inteligência humana
do meu tempo, aplicada ao estudo das realidades. Já não eram
"reaccionárias", reduziam os antagonismos em vez de os excitar.
Conflitos muito pesados, como sejam entre materialismo e espiritualismo,
vida individual e vida colectiva, fundiam-se sob o
efeito de uma alta temperatura. Neste caso, elas já não eram
o resultado de uma opção, e portanto de uma ruptura, mas de
um devir, de uma ultrapassagem, de uma renovação, por assim
dizer, da Existência.
*
As reviravoltas das abelhas, tão rápidas e incoerentes, parecem
desenhar no espaço figuras matemáticas precisas e constituem
uma linguagem. Idealizo escrever um romance no qual
todos os encontros que um homem tem durante a sua existência,
fugazes ou importantes, conduzidos por aquilo a que chamamos
o acaso, ou pela necessidade, desenhassem igualmente figuras,
exprimissem ritmos e fossem o que talvez sejam: um discurso
sabiamente planeado, dedicado a uma alma para que se realize
totalmente, e de que esta não apreende, ao longo da vida, mais
do que algumas palavras sem continuidade.
Por vezes julgo abranger o sentido deste bailado humano
à minha volta, adivinhar que alguém me fala através do movimento
dos seres que se aproximam, se detêm ou se afastam.
Depois perco o fio à meada, como toda a gente, até à próxima
grande e no entanto fragmentária evidência.
Acabava de abandonar Gurdjieff. Liguei-me a André Breton
por uma intensa amizade. Foi por seu intermédio que conheci
René Alleau, historiador de Alquimia. Um dia em que procurava
um vulgarizador científico para uma colecção de obras da actualidade,
Alleau apresentou-me Bergier. Tratava-se de questões
alimentares, e eu fazia pouco caso da ciência, vulgarizada ou
não. Ora esse encontro absolutamente fortuito viria a influenciar
durante muito tempo a minha vida, a reunir e orientar todas as
grandes influências intelectuais ou espirituais que se tinham exercido
em mim, de Vivekananda a Guénon, de Guénon a Gurdjieff,
de Gurdjieff a Breton, e conduzir-me-ia na idade madura ao
ponto de partida: meu pai.
Em cinco anos de estudos e reflexões, no decorrer dos quais
os nossos dois espíritos, bastante dissemelhantes, se sentiram sempre
felizes em conjunto, parece-me que descobrimos um novo
ponto de vista e rico em possibilidades. Era o que faziam, à sua
maneira, os surrealistas há trinta anos atrás. Mas, ao contrário
deles, não foi no sono e na infraconsciência que procurámos. Foi
na outra extremidade: do lado da ultraconsciência e da vigília
superior. Resolvemos chamar à escola que iniciávamos a escola do
realismo fantástico. Ela não manifesta em coisa alguma preferência
pelo insólito, o exotismo intelectual, o barroco, o pitoresco.
"O viajante caiu morto, ferido pelo pitoresco", disse Max Jacob.
Nós não procuramos a fuga a este mundo. Não exploramos os
arrabaldes longínquos da realidade, tentamos pelo contrário, instalar-nos
no centro. Cremos que é no próprio centro da realidade
que a inteligência, por muito pouco excitada que seja, descobre
o fantástico. Um fantástico que não convida a evasão, mas antes
a uma mais profunda adesão.
É por falta de imaginação que os letrados, os artistas vão
procurar o fantástico fora da realidade, entre as nuvens. Trazem
apenas um subproduto. O fantástico, à semelhança das outras
matérias preciosas, deve ser arrancado às entranhas da terra,
do real. E a verdadeira imaginação é coisa muito diferente de
uma fuga para o irreal. "Nenhuma faculdade do espírito se
afunda e penetra mais que a imaginação: é ela a grande mergulhadora.
"
Geralmente o fantástico é definido como uma violação das
leis naturais, como a aparição do impossível. Para nós não é
nada disso. O fantástico é uma manifestação das leis naturais,
um resultado do contacto com a realidade quando esta nos
chega directamente, e não filtrada pelo véu do sono intelectual,
pelos hábitos, os preconceitos, os conformismos.
A ciência moderna ensina-nos que para além do visível simples
está o invisível complicado. Uma mesa, uma cadeira, o céu
estrelado são na verdade radicalmente diferentes da ideia que
deles fazemos: sistemas em rotação, energias em suspenso, etc.
Era neste sentido que Valéry dizia que, no conhecimento moderno,
"o maravilhoso e o positivo contraíram uma espantosa aliança".
O que sobressai claramente, como se verá, segundo espero, neste
livro, é que esse contrato entre o maravilhoso e o positivo não
é apenas válido no domínio das ciências físicas e matemáticas.
O que é verdadeiro para essas ciências é sem dúvida igualmente
verdadeiro para os outros aspectos da existência: a antropologia,
por exemplo, ou a história contemporânea, ou a psicologia individual,
ou a sociologia. O que tem valor nas ciências físicas, é provável
que também tem valor nas ciências humanas. Mas existem
grandes dificuldades para que disso nos apercebamos. É que, nas
ciências humanas, todos os preconceitos se refugiaram, incluindo
aqueles que as ciências exactas actualmente desprezaram. E que,
num domínio tão perto deles, e tão instável, os investigadores,
para verem enfim claro, constantemente tentaram reduzir tudo
a um sistema: Freud explica tudo, O Capztal explica tudo, etc.
Quando dizemos preconceitos, deveriamos dizer: superstições.
Há as antigas e há as modernas. Para certas pessoas, nenhum
fenómeno de civilização é compreensível se não admitimos, nas
origens, a existência da Atlântida. Para outros, o marxismo chega
para explicar Hitler. Alguns vêem Deus em todo e qualquer
génio, outros vêem apenas o sexo. Toda a história humana é templária,
a menos que seja hegeliana. O nosso problema é portanto
tornar sensível, no estado bruto, a aliança entre o maravilhoso e
o positivo no homem isolado ou no homem em sociedade,
da mesma forma que o é em biologia, em física ou em matemática
modernas, onde se fala muito abertamente e, no fim de contas,
muito simplesmente, de "Algures Absoluto" de "Luz Interdita"
e de "Número Quântico de Estranheza".
"À escala do cósmico (toda a física moderna no-lo ensina), só
o fantástico tem probabilidades de ser verdadeiro", diz Teilhard de
Chardin. Mas, para nós, o fenómeno humano deve igualmente
medir-se pela escala do cósmico. É o que dizem os mais antigos
textos da sabedoria. É igualmente o que diz a nossa civilização,
que principia a lançar foguetões em direcção aos planetas
e procura o contacto com outras inteligências. A nossa posição é
portanto a de homens testemunhas das realidades do seu tempo.
Vista de perto, a nossa atitude, que introduz o realismo fantástico
das ciências superiores nas ciências humanas, nada tem
de original. Aliás, nós não pretendemos ser espíritos originais.
A ideia de aplicar as matemáticas às ciências não era realmente
revolucionária: não obstante, deu resultados novos e importantes.
A ideia de que o Universo talvez não seja aquilo que supomos
não é original: mas reparemos como Einstein altera as coisas
ao aplicá-la.
É evidente que a partir do nosso método, um trabalho como
o nosso, elaborado com o máximo de honestidade e o mínimo
de ingenuidade, deve provocar mais interrogações do que soluções.
Um método de trabalho não é um sistema de pensamento.
Não acreditamos que um sistema, por muito engenhoso que seja,
possa esclarecer por completo a totalidade da vida que nos
ocupa. Podemos remoer indefinidamente o marxismo sem conseguir
que nele caiba o facto de que Hitler teve várias vezes
consciência, com terror, de que o Superior Desconhecido o
visitara. E podia virar-se em todos os sentidos a medicina anterior
a Pasteur sem dela extrair a ideia de que as doenças são
causadas por animais pequenos demais para serem vistos.
No entanto, é possível que haja uma resposta global e definitiva
para todas as perguntas que formulamos, e que não a tenhamos
ouvido. Nada é excluído, nem o sim, nem o não. Nós não descobrimos
nenhuma "panaceia"; não nos transformámos em discípulos
de um novo messias; não propomos doutrina alguma.
Esforçámo-nos simplesmente por abrir para o leitor o maior
número possível de portas, e, como a maior parte delas se
abrem do lado de dentro, afastámo-nos para o deixar passar.
*
Repito: o fantástico, a nossos olhos, não é o imaginário. Mas
uma imaginação poderosamente aplicada ao estudo da realidade
descobre que é muito ténue a fronteira entre o maravilhoso e
o positivo, ou, se preferem, entre o universo visível e o universo
invisível. Existe talvez um ou vários universos paralelos ao
nosso. Creio que não teríamos empreendido esta tarefa se,
no decorrer da nossa vida, não tivesse acontecido sentirmo-nos,
realmente, fisicamente, em contacto com outro mundo. Isto
deu-se, com Bergier, em Mauthausen. Em escala diferente,
comigo deu-se na escola de Gurdjieff. As circunstâncias são
muito diferentes, mas o facto essencial é o mesmo.
O antropólogo americano Loren Eiseley, cuja forma de pensar
se aproxima da nossa, conta uma bela história que exprime
bem o que pretendo dizer.
"Descobrir outro mundo, diz ele, não é apenas um facto
imaginário. Pode acontecer aos homens. Aos animais também.
Por vezes, as fronteiras resvalam ou interpenetram-se: basta estar
presente nesse momento. Vi o facto acontecer a um corvo. Esse
corvo é meu vizinho: nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o
cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e
de evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha
vista acaba. Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados
num nevoeiro extraordinariamente espesso, e eu dirigia-me
às apalpadelas para a estação. Bruscamente, à altura dos
meus olhos, surgiram duas asas negras, imensas, precedidas
por um bico gigantesco, e tudo isto passou como um raio,
soltando um grito de terror tal que eu faço votos para que nunca
mais oiça coisa semelhante. Esse grito perseguiu-me durante
toda a tarde. Cheguei a consultar o espelho, perguntando a mim
próprio o que teria eu de tão revoltante...
"Acabei por perceber. A fronteira entre os nossos dois mundos
resvalara, devido ao nevoeiro. Aquele corvo, que supunha
voar à altitude habitual, vira de súbito um espectáculo espantoso,
contrário, para ele, às leis da natureza. Vira um homem
caminhar no espaço, mesmo no centro do mundo dos corvos.
Deparara com a manifestação de estranheza mais completa que
um corvo pode conceber: um homem voador. . .
"Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos,
e reconheço nesses gritos a incerteza de um espírito cujo universo
foi abalado. Já não é, nunca mais será como os outros corvos..."
*
Este livro não é um romance, embora a intenção seja romanesca.
Não faz parte da ficção científica, embora nele se deparem
mitos que sustentam esse género. Não é conjunto de factos
estranhos, embora o Anjo do Bizarro nele se sinta à vontade.
Também não é uma contribuição científica, o veículo de um
ensino desconhecido, um documentário, ou uma efabulação. É a
narrativa, por vezes romanceada e por vezes exacta, de uma primeira
viagem pelos domínios dos conhecimentos ainda quase por
explorar. Como nos diários de bordo dos Navegadores do Renascimento,
o imaginário e o real, a extrapolação audaciosa e a visão
confundem-se. É que não tivemos nem o tempo nem os meios de
aprofundar completamente a exploração. Podemos apenas sugerir
hipóteses e indicar as vias de comunicação entre esses diversos
domínios que ainda são, por agora, terrenos proibidos. Sobre
esses terrenos proibidos apenas fizemos pequenas paragens.
Quando tiverem sido melhor explorados, sem dúvida se verificará
que muitas das nossas suposições eram delirantes, como os relatos
de Marco Polo. É uma eventualidade que aceitamos calmamente.
"Havia uma quantidade de disparates no livro de Pauwels
e Bergier." Eis o que dirão. Mas se tiver sido este livro a provocar
a curiosidade de aprofundar o assunto, o nosso fim terá
sido atingido.
Poderíamos escrever, como Fulcanelli ao tentar esclarecer e
descrever o mistério das catedrais: "Deixamos ao leitor o cuidado
de estabelecer todas as comparações úteis, de coordenar as versões,
de isolar a verdade positiva combinada com a alegoria lendária
nestes fragmentos enigmáticos." Todavia, a nossa documentação
nada deve a sábios ocultos, a livros enterrados ou a arquivos
secretos. É vasta, mas acessível a todos. Para que não se tornasse
excessivamente pesada, evitámos multiplicar as referências,
as notas no final das páginas, as indicações bibliográficas, etc. Por
vezes servimo-nos de imagens e alegorias, preocupados com a
eficácia e não por gosto pelo mistério, tão vivo nos esotéricos que
nos faz pensar neste diálogo dos Irmãos Marx:
"Olha, há um tesouro na casa ao lado.
- Mas não há casa alguma aqui ao lado.
- Então construiremos uma!"
*
Este livro, como já disse, deve muito a Jacques Bergier. Não
apenas na sua teoria geral, que é o fruto de uma comunhão das
nossas ideias, como ainda na documentação. Todos aqueles que
se aproximaram deste homem de memória sobre-humana,
de curiosidade voraz e - o que é ainda mais raro - com uma
permanente presença de espírito, acreditar-me-ão facilmente se
eu disser que num lustro Bergier fez-me ganhar vinte anos de
leitura activa. Nesse cérebro poderoso há uma formidável biblioteca
sempre em serviço; a escolha, a classificação, as conexões
mais complexas estabelecem-se à velocidade electrónica. O espectáculo
dessa inteligência em movimento jamais deixou de provocar
em mim uma exaltação das faculdades sem a qual concepção
e a redacção deste trabalho me teriam sido impossíveis.
Num escritório da Rua de Berri que um grande impressor
pusera generosamente à nossa disposição, reunimos uma quantidade
de livros, revistas, relatos, jornais em todas as línguas, e uma
secretária dactilografou centenas de páginas de notas, de citações,
de traduções de reflexões que nós lhe ditámos. Em minha casa, no
Mesnil-le-Roi, prosseguíamos todos os domingos a nossa conversa,
entrecortada por leituras, e eu anotava por escrito, na própria
noite, o essencial das nossas palavras, as ideias que delas tinham
surgido, as novas direcções sugeridas pelas pesquisas. Todos
os dias, durante cinco anos, me sentei à secretária logo de madrugada,
porque mais tarde esperavam-me longas horas de trabalho
exterior. Sendo as coisas como são neste mundo a que não queremos
fugir, a questão do tempo é uma questão de energia. Mas
ter-nos-iam sido necessários mais dez anos, muito dinheiro e
uma numerosa equipa para podermos iniciar com êxito a nossa
empresa. O que desejaríamos, se um dia pudéssemos dispor de
algum dinheiro, arranjado aqui e além, era criar e dar vida a uma
espécie de instituto onde os estudos, esboçados neste livro
fossem continuados. Desejo que estas páginas nos auxiliem nesse
sentido, se acaso têm algum valor. Como diz Chesterton, "a ideia
que não procura tornar-se palavra é uma ideia inútil, e a palavra
que não procura tornar-se acção é uma palavra inútil".
Por diversas razões, as actividades exteriores de Bergier são
numerosas; As minhas também, e de certa amplidão. Mas na
minha infância vi pessoas morrerem de trabalho. "Como consegue
fazer tudo o que faz?" Não sei, mas poderia responder pelas
palavras do Zen: "Caminho a pé e no entanto estou sentado
sobre o dorso de um boi."
Inúmeras dificuldades, solicitações e incómodos de toda a
espécie surgiram inopinadamente, chegando a fazer-me desesperar.
Detesto a figura do criador grotescamente indiferente a
tudo o que não seja a sua obra. Anima-me um amor mais vasto
e a pequenez em,amor, mesmo que o preço seja uma bela obra
parece-me uma contorção indigna. Mas devem compreender que
nestas disposições, na confusão de uma vida largamente participante,
corremos o risco do afogamento. Ajudou-me um pensamento
de Vicente de Paula: "Os grandes propósitos são sempre
atravessados por diversos obstáculos e dificuldades. A carne e
o sangue dirão que é necessário abandonar a missão, evitemos
portanto dar-lhes ouvidos. Deus jamais altera aquilo que uma
vez decidiu, seja o que for que de contrário nos aconteça."
*
Naquele curso complementar de Juvisy, que evoquei no início
deste prefácio, deram-nos um dia para comentar a frase de
!V'tgny: "Uma vida plena é um sonho de adolescente realizado
na idade madura." Então eu sonhava aprofundar e honrar a
filosofia de meu pai, que era uma filosofia do progresso. É, após
bastantes fugas, oposições e desvios, o que tento fazer. Que a
minha luta conceda paz às suas cinzas! Às suas cinzas hoje dispersas,
como ele desejava, pensando, como eu penso também,
que "a matéria talvez não seja mais do que uma das máscaras
entre todas as máscaras usadas pelo Grande Rosto".
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Tenho uma grande falta de habilidade manual e lamento-o.
Seria mais perfeito se as minhas mãos soubessem trabalhar. Mãos
que fazem qualquer coisa de útil mergulham nas profundidades
do ser e dali extraem uma fonte de bondade e de paz. O meu
padrasto (a quem chamarei aqui pai, pois foi ele que me educou)
era alfaiate. Tinha uma alma profunda, um espírito verdadeiramente
mensageiro. Por vezes dizia, sorrindo, que a traição dos
clérigos, principiara no dia em que um deles representou um
anjo com asas: é com as mãos que se sobe ao céu.
A despeito desta falta de habilidade, consegui no entanto
encadernar um livro. Tinha dezasseis anos. Era aluno do curso
complementar de Juvisy, nuns arrabaldes pobres. Ao sábado à
tarde podíamos escolher entre o trabalhar a madeira, o ferro,
a modelagem ou a encadernação. Nessa época eu lia os poetas,
principalmente Rimbaud. No entanto, impus a mim próprio não
' A palavra "clerc" significa simultaneamente clérigo e letrado, erudito,
sábio. Aliás, há aqui, proventura, alusão ao célebre livro de Julien
Benda, La Trahison des Clercs, que tanta celeuma levantou há cerca de
quarenta anos. (N. da T.)
encadernar Une Saison en Enfer. Meu pai possuía cerca de trinta
livros dispostos no estreito armário da sua oficina, juntamente
com os carros de linhas, o giz, os chumaços e os moldes. Havia
também, nesse armário, milhares de notas tomadas numa caligrafia
miúda e aplicada, a um canto da banca de alfaiate durante
as inumeráveis noites de labor. Entre esses livros eu lera Le
Monde avant la Création de lHomme, de Flammarion, e entregava-me
à descoberta, nessa altura, de Para Onde Vaz o Mundo?
de Walter Rathenau. Foi o livro de Rathenau que resolvi encadernar,
não sem custo. Rathenau fora a primeira vítima dos
nazis, e nós estávamos em 1936. Na pequena oficina do curso
complementar, aos sábados, eu fazia trabalhos manuais por
amor ao meu pai e ao mundo operário. No dia 1 de Maio
ofereci-lhe, juntamente com um ramo de junquilho, o Rathenau
encadernado.
Nesse livro, meu pai sublinhara a lápis vermelho uma longa
frase que nunca mais esqueci:
"Mesmo as épocas de opressão são dignas de respeito, pois
são a obra, não dos homens, mas da humanidade, e portanto da
natureza criadora, que pode ser dura, mas nunca é absurda.
Se a época que vivemos é dura, temos o dever de a amar ainda
mais, de a penetrar com o nosso amor, até que tenhamos afastado
as enormes montanhas que dissimulam a luz que há para
além delas."
*
"Mesmo as épocas de opressão..." Meu pai morreu em 1948
sem jamais deixar de crer na natureza criadora, sem jamais
deixar de amar e de penetrar com o seu amor o mundo sofredor
em que vivia, sem jamais perder a esperança de ver brilhar a
luz para além das enormes montanhas. Ele pertencia à geração
dos socialistas românticos, que tinham como ídolos Vítor Hugo,
Romain Rolland, Jean Jaurès, usavam grandes chapéus e conservavam
a pequena flor azul da sentimentalidade entre as pregas
da bandeira vermelha. Na fronteira da mística pura e da acção
social, o meu pai, preso à sua banca de alfaiate mais de catorze
horas por dia - e nós vivíamos à beira da miséria - conciliava
um ardente sindicalismo e uma busca de libertação interior. Nos
gestos muito limitados e humildes do seu ofício introduzira
um método de concentração e de purificação do espírito a respeito
do qual deixou centenas de páginas. Enquanto fazia casas,
ou passava a ferro as fazendas, tinha uma presença resplandecente.
À quinta-feira e ao domingo, os meus camaradas reuniam-se
à volta da sua banca, para o escutar e sentir aquela presença
vigorosa, e a maior parte deles alteraram as suas vidas devido
à sua influência.
Cheio de confiança no progresso e na ciência, acreditando
na ascensão do proletariado, elaborara uma sólida filosofia. Sentira
uma espécie de inspiração ao ler a obra de Flammarion
sobre a pré-história. Depois, guiado pela paixão, lera livros de
paleontologia, de astronomia, de física. Embora sem preparação,
penetrara no âmago dos assuntos. Falava pouco mais ou menos
como "Teilhard de Chardin, que então desconhecíamos: "O que
o nosso século vai viver é mais importante do que a aparição
do budismo! De futuro já não se trata de dedicar a tal ou tal
divindade as faculdades humanas. É o poder religioso da terra
que sofre em nós uma crise definitiva: a da sua própria descoberta.
Começamos a perceber, e para sempre, que para o
homem a única religião aceitável é a que antes de mais o ensinará
a reconhecer, amar e servir apaixonadamente o Universo
de que ele é o elemento mais importante" ". Ele achava que a
evolução não se confunde com o transformismo, mas que ela
é integral e ascendente, aumentando a densidade psíquica do
nosso planeta, preparando-o para tomar contacto com as inteligências
dos outros mundos, para se aproximar da própria alma
do cosmos. Para ele, a espécie humana não estava concluída.
Ela progredia em direcção a um estado de superconsciência,
através da ascensão da vida colectiva e da lenta criação de um
psiquismo unânime. Dizia que o homem ainda não estava perfeito
e salvo, mas que as leis de condensação da energia
criadora permitem-nos alimentar, à escala do cosmos, uma formidável
esperança. E não perdia de vista essa esperança. Era por
isso que julgava com uma serenidade e um dinamismo religiosos
os problemas deste mundo, indo procurar muito longe, muito
alto, um optimismo e uma coragem imediatamente e realmente
utilizáveis. Em 1948 a guerra terminara, e ressurgiam ameaças
de batalhas, desta vez atómicas. No entanto ele considerava as
inquietações e os sofrimentos actuais como negativos de uma
imagem magnífica. Havia nisso um fio que o unia ao destino
espiritual da Terra e espalhava sobre a época de opressão em
que terminava a sua vida de trabalhador, apesar de imensos desgostos
íntimos, muita confiança e muito amor.
Morreu nos meus braços, na noite de 31 de Dezembro
e disse-me, antes de fechar os olhos:
"É preciso não contar demasiadamente com Deus, mas tal
vez Deus conte connosco..."
*
Em que ponto da minha evolução estava eu nesse momento?
Tinha vinte e oito anos. Fizera vinte anos em 1940, em plena
derrocada. Pertencia a uma geração de transição que assistira
ao desmoronar de um mundo, estava separada do passado e
desconfiava do futuro. Eu estava longe de acreditar que a época
de opressão fosse digna de respeito e que era necessário penetrá-la
com o nosso amor. Antes me parecia que a lucidez nos
levava a recusar um jogo em que todos fazem batota.
Durante a guerra refugiara-me no induísmo. Era o meu
"m"uis". Nele vivia em resistência absoluta. Não procuremos o
ponto de apoio na história e entre os homens: escapa-se-nos sem
cessar. Procuremo-lo em nós próprios. Sejamos deste mundo
como se o não fôssemos. Coisa alguma me parecia tão bela como
o pássaro mergulhador da Bhagavad Gita, "que mergulha e volta
à superfície sem ter molhado as penas". Perante os acontecimentos
contra os quais nada podemos, pensava eu, procedamos de
forma que eles nada possam contra nós. Permanecia nas alturas,
sentado em lódão sobre uma nuvem vinda do Oriente. À noite,
meu pai lia às escondidas os meus livros de cabeceira tentando
compreender a estranha doença que tanto me afastava dele.
Mais tarde, após a Libertação, ofereci a mim próprio um
mestre para viver e pensar. Tornei-me discípulo de Gurdjieff.
Esforçava-me por me separar das minhas emoções, dos meus
sentimentos, dos meus impulsos, a fim de encontrar, para além,
qualquer coisa de imóvel e permanente, uma presença muda,
anónima, transcendente, que me consolaria da minha pequena
realidade e da incongruência do mundo. Julgava meu pai com
certa comiseração. Supunha possuir os segredos do governo do
espírito e de todo o conhecimento. Na verdade, eu não possuía
mais que a ilusão de possuir um enorme desprezo por aqueles
que não partilhavam essa ilusão.
Meu pai desesperava-se por minha causa. Eu próprio me desesperava.
Mantinha-me obstinadamente numa posição de recusa.
Lia René Guénon. Pensava que tínhamos a pouca sorte de viver
num mundo radicalmente pervertido e justamente votado ao apocalipse.
Fazia meu o discurso de Cortes à Câmara dos Deputados de
Madrid em 1849: "Meus senhores, a causa de todos os vossos erros
é ignorardes o caminho da civilização e do mundo. Julgais que a
civilização e o mundo progridem, e eles retrocedem!" Para mim,
a idade actual era a idade negra. Entretinha-me a enumerar os crimes
do espírito moderno contra o espírito. Desde o século &I que o
Ocidente, separado dos Princípios, corria para a própria destruição.
Alimentar qualquer esperança era aliar-se ao mal. Denunciava a
mais pequena confiança como uma cumplicidade. Só me restava
entusiasmo para a recusa, para a ruptura. Neste mundo cujas três
quartas partes já se perdiam no abismo, onde os padres, os sábios,
os políticos, os sociólogos e os organizadores de toda a espécie
me apareciam como coprófagos, apenas os estudos tradicionais
e uma resistência incondicional ao século eram dignos de respeito.
Neste estado de espírito chegava a considerar meu pai um
ingénuo primário. O seu poder de adesão, de amor, de visão
remota irritava-me como coisa ridícula. Acusava-o de ter permanecido
nos entusiasmos da Exposição de 1900. A esperança que
ele punha numa colectivização crescente (e colocava-a infinitamente
mais acima que o plano político) provocava-me desprezo.
Eu só acreditava nas antigas teocracias.
Einstein fundava um núcleo desesperado dos sábios do
átomo, a ameaça de uma guerra total pairava sobre a humanidade
dividida em dois blocos. Meu pai morria sem nada ter perdido
da sua fé no futuro, e eu já não o compreendia. Não evocarei,
nesta obra, os problemas de classe. Não é o lugar adequado.
Mas sei muito bem que esses problemas existem, pois crucificaram
o homem que me amava. Não conheci o meu verdadeiro
pai. Ele pertencia à velha burguesia de Gante. Tanto minha mãe
como o meu segundo pai eram operários, descendiam de operários.
Foram os meus antepassados flamengos, folgazões, artistas,
ociosos e orgulhosos, que me afastaram do pensamento generoso,
dinâmico, que me fizeram desprezar e ignorar a virtude da participação.
Há muito tempo já que existia uma barreira entre meu
pai e eu. Ele que não quisera outro filho além deste que não
era do seu sangue, com receio de me prejudicar, sacrificara-se
para que eu me tornasse um intelectual. Tendo-me dado
tudo, idealizara a minha alma semelhante à dele. A seus olhos
eu devia tornar-me um farol, um homem capaz de esclarecer os
outros homens, de lhes dar coragem e esperança, de lhes mostrar,
como ele dizia, a luz que brilha no fundo de nós. Mas eu
não via qualquer espécie de luz, senão a luz negra, em mim
e no fundo da humanidade. Não passava de um letrado semelhante
a tantos outros. Levava até às suas consequências extremas
esse sentimento de exílio, essa necessidade de revolta radical
que se exprimia nas revistas literárias por volta de 1947, ao falar
de "inquietação metafísica", e que constituíram a complicada
herança da minha geração. Nestas condições, de que maneira
ser um farol? Esta ideia, expressão à Vítor Hugo faziam-me sorrir
maldosamente. Meu pai censurava-me por me deixar corromper,
por ter passado, como ele dizia, para o lado dos privilegiados
da cultura, dos mandarins dos orgulhosos da sua impotência.
A bomba atómica, ao passo que para mim marcava o princípio
do fim dos tempos, era para ele o sinal de um novo despertar.
A matéria ia-se espiritualizando e o homem descobriria
à sua volta e em si próprio forças até ali insuspeitadas. O espírito
burguês, para o qual a Terra é um local de descanso confortável
de que é necessário extrair o máximo, ia ser sacudido pelo
espírito novo, o espírito dos obreiros da Terra, para quem o
mundo é uma máquina em marcha, um organismo em evolução,
uma unidade a construir, uma Verdade a fazer desabrochar.
A humanidade estava apenas no início da sua evolução. Ela recebia
as primeiras informações a respeito da missão que lhe era
destinada pela Inteligência do Universo. Mal começávamos a
perceber o que é o amor do mundo.
Para meu pai, a aventura humana tinha uma direcção. Ele
julgava os acontecimentos conforme se situavam ou não nessa
direcção. A história tinha um sentido: ela evoluía para qualquer
forma de ultra-humano, trazia em si a promessa de uma superconsciência.
A sua filosofia cósmica não o separava do século.
No presente, as suas adesões eram "progressistas". Eu irritava-me,
sem perceber que ele punha uma espiritualidade infinitamente
maior no seu progressismo do que os progressos que
eu fazia na minha espiritualidade.
No entanto, eu sufocava no meu pensamento limitado. Diante
daquele homem sentia-me por vezes um pequeno intelectual árido
e transido, e acontecia-me desejar pensar como ele, respirar tão
amplamente como ele. Ao canto da sua banca de alfaiate, à noite,
eu levava a contradição ao extremo, provocava-o, desejando secretamente
sentir-me perturbado e modificado. Mas, com a ajuda do
cansaço, ele exaltava-se contra mim, contra o destino que lhe dera
um grande pensamento sem lhe conceder os meios de o transferir
para esse filho de sangue rebelde, e separávamo-nos encolerizados
e indispostos. Eu buscava de novo as minhas meditações
e os meus livros desesperados. Ele inclinava-se sobre os tecidos e
pegava novamente na agulha, sob a luz forte que lhe amarelecia
os cabelos. Da minha cama ouvia-o durante muito tempo resfolgar,
resmungar. Depois, de súbito, começava a assobiar entre
dentes, suavemente os primeiros compassos do "Hino à Alegria"
de Beethoven, para me dizer de longe que o amor encontra sempre
os seus. Penso nele quase todas as noites, à hora das nossas
antigas discussões. Oiço essa respiração, esse resmungar que terminava
em canto, esse sublime vento desaparecido.
*
Há doze anos que morreu! E eu vou fazer quarenta. Se o
tivesse compreendido em vida teria encaminhado mais habilmente
a minha inteligência e o meu coração. Não parei de procurar.
Agora, alio-me de novo a ele, mas após quantas pesquisas, muitas
vezes inúteis, e perigosas divagações! Podia ter conciliado, muito
mais cedo, o gosto pela vida interior e o amor pelo mundo em
movimento. Podia ter construído mais cedo, e talvez com maior
eficácia, quando as minhas forças estavam intactas, uma ponte
entre a mística e o espírito moderno. Ter-me-ia sentido simultaneamente
religioso e solidário com o grande impulso da história.
Podia ter sentido mais cedo a fé, a caridade e a esperança.
Este livro resume cinco anos de pesquisas, em todos os sectores
do conhecimento, nas fronteiras da ciência e da tradição
Lancei-me nesta empresa nitidamente superior às minhas possibilidades,
porque já não podia recusar por mais tempo este mundo
presente e futuro que, no entanto, é o meu. Mas todo o excesso
é esclarecedor. Podia ter descoberto mais cedo um meio de
comunicação com a minha época. Pode ser que não tenha perdido
totalmente o tempo ao ir até ao extremo da minha procura. Não
acontece aos homens aquilo que eles merecem, mas sim o que
se lhes assemelha. Procurei durante muito tempo, como o desejava
o Rimbaud da minha adolescência, "a Verdade numa alma e num
corpo". Não o consegui. Na perseguição dessa Verdade perdi o
contacto com as pequenas verdades que teriam feito de mim, não
decerto o super-homem por que ansiava, mas um homem melhor
e mais unificado do que sou. No entanto, aprendi, a respeito do
comportamento profundo do espírito, dos diversos estados possíveis
da consciência, da memória e da intuição, coisas preciosas
que não teria aprendido de outra forma e que me permitiriam,
mais tarde, compreender o que há de grandioso, de essencialmente
revolucionário na base do espírito moderno: a interrogação sobre
a natureza do acontecimento e a necessidade imperiosa de uma
espécie de transmutação da inteligência.
Quando saí do meu nicho de Yogi para lançar um golpe de
vista sobre este mundo moderno que eu condenava sem o
conhecer, aprendi repentinamente o maravilhoso. O meu estudo
reaccionário, tão cheio de orgulho e de ódio, fora útil na medida
em que me impedira de aderir a este mundo pelo lado mau:
o velho racionalismo do século xIx, o progressismo demagógico.
Impedira-me igualmente de aceitar este mundo como uma coisa
natural e simplesmente porque era o meu, de o aceitar num
estado de consciência sonolenta, como acontece à maior parte
das pessoas. Com os olhos remoçados por essa longa permanência
fora do meu tempo, vi este mundo tão rico em fantástico real
como o mundo da tradição era para mim em fantástico suposto.
Melhor ainda: aquilo que aprendia sobre a época modificava,
aprofundando-o, o meu conhecimento do espírito antigo. Vi as
coisas antigas com um olhar novo, e os meus olhos estavam
igualmente novos para ver as coisas novas.
*
Encontrei Jacques Bergier (mais adiante direi em que circunstâncias)
na altura em que acabava de escrever uma obra a respeito
do grupo de espíritos reunido à volta de Gurdjieff. Esse encontro,
que não atribuo ao acaso, foi determinante. Acabava de consagrar
dois anos a descrever uma escola esotérica e a minha própria
aventura. Mas nesse momento principiava para mim outra aventura.
Foi o que me pareceu necessário dizer ao despedir-me dos meus
leitores. Terão de desculpar-me o facto de me citar a mim próprio,
dado que não tenho a menor preocupação em chamar as atenções
para a minha obra: são outros os meus objectivos. Inventei a
fábula do macaco e da cabaça. Os indígenas, a fim de capturarem
o animal com vida, amarram a um coqueiro uma cabaça contendo
pistaches. O macaco precipita-se, estende a pata, pega nas pistaches,
fecha a mão. E eis que não a pode retirar novamente.
Aquilo que conquistou retém-no prisioneiro. Ao sair da escola
Gurdjieff escrevi:
"É necessário apalpar, examinar os frutos-armadilhas, depois
afastarmo-nos com rapidez. Satisfeita uma certa curiosidade, convém
dirigir imediatamente a nossa atenção para o mundo em que
estamos, recuperar a nossa liberdade e a nossa lucidez, retomar
o caminho sobre a terra dos homens da qual fazemos parte.
O que importa é ver em que medida o movimento essencial do
pensamento dito tradicional encontra o movimento do pensamento
contemporâneo. A física, a biologia, as matemáticas, nos seus
aspectos terminais, contém actualmente certos dados do esoterismo,
reúnem certas visões do cosmos, relações da energia e da matéria
que são visões ancestrais. As ciências de hoje, se as abordamos
sem conformismo científico, mantêm um diálogo com os antigos
mágicos, alquimistas, taumaturgos. Opera-se, sob o nosso olhar
uma revolução, e há de novo um casamento inesperado da
razão, no auge das suas conquistas, com a intuição espiritual.
Para os observadores verdadeiramente atentos, os problemas que
se põem à inteligência contemporânea já não são problemas de
progresso. Há alguns anos que a noção de progresso deixou
de existir. São problemas de mudança de estado, problemas de
transmutação. Neste sentido, os homens atentos às realidades da
experiência interior vão na direcção do futuro e dão solidamente
a mão aos sábios de vanguarda que preparam o surgimento de
um mundo sem nada de comum com o mundo de pesada transição
no qual vivemos ainda por algumas horas."
É exactamente o assunto que será desenvolvido neste
grande volume. É portanto necessário, pensava eu antes de o
iniciar, projectar a inteligência muito longe em direcção ao passado
e muito longe em direcção ao futuro para compreender
o presente. Apercebi-me de que tinha razão para não amar,
outrora, as pessoas que são simplesmente "modernas". Somente
eu condenava-as sem saber porquê. Na verdade, são condenáveis
porque o seu espírito apenas ocupa uma fracção demasiado
pequena do tempo. Mal surgem, tornam-se anacrónicas. O que
é preciso ser, para estar presente, é contemporâneo do futuro.
E o próprio passado remoto pode ser interpretado como uma
ressaca do futuro. Desde então, quando interrogo o presente,
obtenho respostas cheias de estranhezas e de promessas.
*
James Blish, escritor americano, diz em homenagem a Einstein
que este último "engoliu Newton vivo". Admirável fórmula!
Se o nosso pensamento se eleva para uma visão mais alta da
vida, é vivas que ele deve ter absorvido as verdades do plano
inferior. Tal é a certeza que adquiri no decorrer das minhas
pesquisas. Isto pode parecer banal, mas quando se viveu no
meio de ideias que pretendiam estar acima de tudo, como seja
a sabedoria de Guénon e o sistema Gurdjieff, e que ignoravam
ou desprezavam a maior parte das realidades sociais e científicas,
esta nova forma de julgar modifica a direcção e os anseios
do espírito. "As coisas inferiores, já Platão dizia, devem encontrar-se
entre as coisas superiores, embora num estado diferente."
Agora tenho a convicção de que qualquer filosofia superior,
na qual não continuem a existir as realidades do plano que ela
pretende ultrapassar, é uma impostura.
Eis a razão que me levou a fazer uma longa digressão pelos
domínios da física, da antropologia, das matemáticas, da biologia,
antes de tentar novamente fazer uma ideia do homem, da sua
natureza, dos seus poderes, do seu destino. Outrora, eu procurava
conhecer e compreender o todo do homem, e desprezava a ciência.
Julgava o espírito capaz de atingir altitudes sublimes. Mas que
sabia eu das suas diligências no domínio científico? Não revelara
ele alguns desses poderes nos quais eu me sentia inclinado
a acreditar? Dizia para mim próprio: é necessário ultrapassar a
contradição aparente entre materialismo e espiritualismo. Mas
o progresso científico não nos conduziria a isso? E, nesse caso,
não seria meu dever informar-me? Não seria, no fim de contas,
uma atitude mais racional, para um ocidental do século xx,
do que agarrar num bordão de peregrino e dirigir-se descalço
para a Índia? Não haveria à minha volta número suficiente de
homens e de livros onde colher informações? Não deveria eu,
antes de mais nada, perscrutar a fundo o meu próprio terreno?
Se a reflexão científica, nos seus aspectos extremos, tendia
para uma revisão das ideias admitidas a respeito do homem
então era necessário que eu o soubesse. E havia ainda outra
necessidade. Depois disso, qualquer ideia que eu fizesse sobre
o destino da inteligência, sobre o sentido da aventura humana,
não poderia ser dada como válida senão na medida em que não
fosse contra o movimento do conhecimento moderno.
Descobri o eco desta meditação nas seguintes palavras de
Oppenheimer:
"Actualmente vivemos num mundo em que poetas, historiadores,
filósofos sentem orgulho em dizer que não quereriam sequer
prever a hipótese de aprender fosse o que fosse relativo as ciências:
vêem a ciência ao fundo de um longo túnel, longo demais
para que um homem precavido lá meta a cabeça. A nossa filosofia
- se é que temos uma - é portanto francamente anacrónica,
e, estou convencido, perfeitamente inadaptada à nossa época."
Ora, para um intelectual bem preparado, não é mais difícil,
se realmente o deseja, compreender o sistema de pensamento
que rege a física nuclear do que penetrar na economia marxista
ou no tomismo. Não é mais difícil aprender a teoria da cibernética
do que analisar as causas da revolução chinesa ou a experiência
poética de Mallarmé. Na verdade, recusamo-nos a esse
esforço, não por recearmos o esforço, mas porque pressentimos
que ele provocaria uma mudança na forma de pensar e de exprimir,
uma revisão dos valores até aqui admitidos.
"E no entanto, prossegue Oppenheimer, há muito tempo já
que uma compreensão mais subtil a respeito da natureza do
conhecimento humano e das relações do homem com o Universo
deveria ter sido prescrita."
Resolvi-me portanto a pesquisar o tesouro das ciências e das
técnicas actuais, seguramente de forma inexperiente, com uma
ingenuidade e uma admiração talvez perigosas, mas propícias ao
desabrochar de comparações, de correspondências, de aproximações
esclarecedoras. Foi então que recuperei um certo número
de convicções que tivera, outrora, em relação ao esoterismo,
à mística, à grandeza infinita do homem. Mas recuperei-as num
estado diferente. Actualmente eram convicções que tinham absorvido
com vida as formas e as obras da inteligência humana
do meu tempo, aplicada ao estudo das realidades. Já não eram
"reaccionárias", reduziam os antagonismos em vez de os excitar.
Conflitos muito pesados, como sejam entre materialismo e espiritualismo,
vida individual e vida colectiva, fundiam-se sob o
efeito de uma alta temperatura. Neste caso, elas já não eram
o resultado de uma opção, e portanto de uma ruptura, mas de
um devir, de uma ultrapassagem, de uma renovação, por assim
dizer, da Existência.
*
As reviravoltas das abelhas, tão rápidas e incoerentes, parecem
desenhar no espaço figuras matemáticas precisas e constituem
uma linguagem. Idealizo escrever um romance no qual
todos os encontros que um homem tem durante a sua existência,
fugazes ou importantes, conduzidos por aquilo a que chamamos
o acaso, ou pela necessidade, desenhassem igualmente figuras,
exprimissem ritmos e fossem o que talvez sejam: um discurso
sabiamente planeado, dedicado a uma alma para que se realize
totalmente, e de que esta não apreende, ao longo da vida, mais
do que algumas palavras sem continuidade.
Por vezes julgo abranger o sentido deste bailado humano
à minha volta, adivinhar que alguém me fala através do movimento
dos seres que se aproximam, se detêm ou se afastam.
Depois perco o fio à meada, como toda a gente, até à próxima
grande e no entanto fragmentária evidência.
Acabava de abandonar Gurdjieff. Liguei-me a André Breton
por uma intensa amizade. Foi por seu intermédio que conheci
René Alleau, historiador de Alquimia. Um dia em que procurava
um vulgarizador científico para uma colecção de obras da actualidade,
Alleau apresentou-me Bergier. Tratava-se de questões
alimentares, e eu fazia pouco caso da ciência, vulgarizada ou
não. Ora esse encontro absolutamente fortuito viria a influenciar
durante muito tempo a minha vida, a reunir e orientar todas as
grandes influências intelectuais ou espirituais que se tinham exercido
em mim, de Vivekananda a Guénon, de Guénon a Gurdjieff,
de Gurdjieff a Breton, e conduzir-me-ia na idade madura ao
ponto de partida: meu pai.
Em cinco anos de estudos e reflexões, no decorrer dos quais
os nossos dois espíritos, bastante dissemelhantes, se sentiram sempre
felizes em conjunto, parece-me que descobrimos um novo
ponto de vista e rico em possibilidades. Era o que faziam, à sua
maneira, os surrealistas há trinta anos atrás. Mas, ao contrário
deles, não foi no sono e na infraconsciência que procurámos. Foi
na outra extremidade: do lado da ultraconsciência e da vigília
superior. Resolvemos chamar à escola que iniciávamos a escola do
realismo fantástico. Ela não manifesta em coisa alguma preferência
pelo insólito, o exotismo intelectual, o barroco, o pitoresco.
"O viajante caiu morto, ferido pelo pitoresco", disse Max Jacob.
Nós não procuramos a fuga a este mundo. Não exploramos os
arrabaldes longínquos da realidade, tentamos pelo contrário, instalar-nos
no centro. Cremos que é no próprio centro da realidade
que a inteligência, por muito pouco excitada que seja, descobre
o fantástico. Um fantástico que não convida a evasão, mas antes
a uma mais profunda adesão.
É por falta de imaginação que os letrados, os artistas vão
procurar o fantástico fora da realidade, entre as nuvens. Trazem
apenas um subproduto. O fantástico, à semelhança das outras
matérias preciosas, deve ser arrancado às entranhas da terra,
do real. E a verdadeira imaginação é coisa muito diferente de
uma fuga para o irreal. "Nenhuma faculdade do espírito se
afunda e penetra mais que a imaginação: é ela a grande mergulhadora.
"
Geralmente o fantástico é definido como uma violação das
leis naturais, como a aparição do impossível. Para nós não é
nada disso. O fantástico é uma manifestação das leis naturais,
um resultado do contacto com a realidade quando esta nos
chega directamente, e não filtrada pelo véu do sono intelectual,
pelos hábitos, os preconceitos, os conformismos.
A ciência moderna ensina-nos que para além do visível simples
está o invisível complicado. Uma mesa, uma cadeira, o céu
estrelado são na verdade radicalmente diferentes da ideia que
deles fazemos: sistemas em rotação, energias em suspenso, etc.
Era neste sentido que Valéry dizia que, no conhecimento moderno,
"o maravilhoso e o positivo contraíram uma espantosa aliança".
O que sobressai claramente, como se verá, segundo espero, neste
livro, é que esse contrato entre o maravilhoso e o positivo não
é apenas válido no domínio das ciências físicas e matemáticas.
O que é verdadeiro para essas ciências é sem dúvida igualmente
verdadeiro para os outros aspectos da existência: a antropologia,
por exemplo, ou a história contemporânea, ou a psicologia individual,
ou a sociologia. O que tem valor nas ciências físicas, é provável
que também tem valor nas ciências humanas. Mas existem
grandes dificuldades para que disso nos apercebamos. É que, nas
ciências humanas, todos os preconceitos se refugiaram, incluindo
aqueles que as ciências exactas actualmente desprezaram. E que,
num domínio tão perto deles, e tão instável, os investigadores,
para verem enfim claro, constantemente tentaram reduzir tudo
a um sistema: Freud explica tudo, O Capztal explica tudo, etc.
Quando dizemos preconceitos, deveriamos dizer: superstições.
Há as antigas e há as modernas. Para certas pessoas, nenhum
fenómeno de civilização é compreensível se não admitimos, nas
origens, a existência da Atlântida. Para outros, o marxismo chega
para explicar Hitler. Alguns vêem Deus em todo e qualquer
génio, outros vêem apenas o sexo. Toda a história humana é templária,
a menos que seja hegeliana. O nosso problema é portanto
tornar sensível, no estado bruto, a aliança entre o maravilhoso e
o positivo no homem isolado ou no homem em sociedade,
da mesma forma que o é em biologia, em física ou em matemática
modernas, onde se fala muito abertamente e, no fim de contas,
muito simplesmente, de "Algures Absoluto" de "Luz Interdita"
e de "Número Quântico de Estranheza".
"À escala do cósmico (toda a física moderna no-lo ensina), só
o fantástico tem probabilidades de ser verdadeiro", diz Teilhard de
Chardin. Mas, para nós, o fenómeno humano deve igualmente
medir-se pela escala do cósmico. É o que dizem os mais antigos
textos da sabedoria. É igualmente o que diz a nossa civilização,
que principia a lançar foguetões em direcção aos planetas
e procura o contacto com outras inteligências. A nossa posição é
portanto a de homens testemunhas das realidades do seu tempo.
Vista de perto, a nossa atitude, que introduz o realismo fantástico
das ciências superiores nas ciências humanas, nada tem
de original. Aliás, nós não pretendemos ser espíritos originais.
A ideia de aplicar as matemáticas às ciências não era realmente
revolucionária: não obstante, deu resultados novos e importantes.
A ideia de que o Universo talvez não seja aquilo que supomos
não é original: mas reparemos como Einstein altera as coisas
ao aplicá-la.
É evidente que a partir do nosso método, um trabalho como
o nosso, elaborado com o máximo de honestidade e o mínimo
de ingenuidade, deve provocar mais interrogações do que soluções.
Um método de trabalho não é um sistema de pensamento.
Não acreditamos que um sistema, por muito engenhoso que seja,
possa esclarecer por completo a totalidade da vida que nos
ocupa. Podemos remoer indefinidamente o marxismo sem conseguir
que nele caiba o facto de que Hitler teve várias vezes
consciência, com terror, de que o Superior Desconhecido o
visitara. E podia virar-se em todos os sentidos a medicina anterior
a Pasteur sem dela extrair a ideia de que as doenças são
causadas por animais pequenos demais para serem vistos.
No entanto, é possível que haja uma resposta global e definitiva
para todas as perguntas que formulamos, e que não a tenhamos
ouvido. Nada é excluído, nem o sim, nem o não. Nós não descobrimos
nenhuma "panaceia"; não nos transformámos em discípulos
de um novo messias; não propomos doutrina alguma.
Esforçámo-nos simplesmente por abrir para o leitor o maior
número possível de portas, e, como a maior parte delas se
abrem do lado de dentro, afastámo-nos para o deixar passar.
*
Repito: o fantástico, a nossos olhos, não é o imaginário. Mas
uma imaginação poderosamente aplicada ao estudo da realidade
descobre que é muito ténue a fronteira entre o maravilhoso e
o positivo, ou, se preferem, entre o universo visível e o universo
invisível. Existe talvez um ou vários universos paralelos ao
nosso. Creio que não teríamos empreendido esta tarefa se,
no decorrer da nossa vida, não tivesse acontecido sentirmo-nos,
realmente, fisicamente, em contacto com outro mundo. Isto
deu-se, com Bergier, em Mauthausen. Em escala diferente,
comigo deu-se na escola de Gurdjieff. As circunstâncias são
muito diferentes, mas o facto essencial é o mesmo.
O antropólogo americano Loren Eiseley, cuja forma de pensar
se aproxima da nossa, conta uma bela história que exprime
bem o que pretendo dizer.
"Descobrir outro mundo, diz ele, não é apenas um facto
imaginário. Pode acontecer aos homens. Aos animais também.
Por vezes, as fronteiras resvalam ou interpenetram-se: basta estar
presente nesse momento. Vi o facto acontecer a um corvo. Esse
corvo é meu vizinho: nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o
cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e
de evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha
vista acaba. Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados
num nevoeiro extraordinariamente espesso, e eu dirigia-me
às apalpadelas para a estação. Bruscamente, à altura dos
meus olhos, surgiram duas asas negras, imensas, precedidas
por um bico gigantesco, e tudo isto passou como um raio,
soltando um grito de terror tal que eu faço votos para que nunca
mais oiça coisa semelhante. Esse grito perseguiu-me durante
toda a tarde. Cheguei a consultar o espelho, perguntando a mim
próprio o que teria eu de tão revoltante...
"Acabei por perceber. A fronteira entre os nossos dois mundos
resvalara, devido ao nevoeiro. Aquele corvo, que supunha
voar à altitude habitual, vira de súbito um espectáculo espantoso,
contrário, para ele, às leis da natureza. Vira um homem
caminhar no espaço, mesmo no centro do mundo dos corvos.
Deparara com a manifestação de estranheza mais completa que
um corvo pode conceber: um homem voador. . .
"Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos,
e reconheço nesses gritos a incerteza de um espírito cujo universo
foi abalado. Já não é, nunca mais será como os outros corvos..."
*
Este livro não é um romance, embora a intenção seja romanesca.
Não faz parte da ficção científica, embora nele se deparem
mitos que sustentam esse género. Não é conjunto de factos
estranhos, embora o Anjo do Bizarro nele se sinta à vontade.
Também não é uma contribuição científica, o veículo de um
ensino desconhecido, um documentário, ou uma efabulação. É a
narrativa, por vezes romanceada e por vezes exacta, de uma primeira
viagem pelos domínios dos conhecimentos ainda quase por
explorar. Como nos diários de bordo dos Navegadores do Renascimento,
o imaginário e o real, a extrapolação audaciosa e a visão
confundem-se. É que não tivemos nem o tempo nem os meios de
aprofundar completamente a exploração. Podemos apenas sugerir
hipóteses e indicar as vias de comunicação entre esses diversos
domínios que ainda são, por agora, terrenos proibidos. Sobre
esses terrenos proibidos apenas fizemos pequenas paragens.
Quando tiverem sido melhor explorados, sem dúvida se verificará
que muitas das nossas suposições eram delirantes, como os relatos
de Marco Polo. É uma eventualidade que aceitamos calmamente.
"Havia uma quantidade de disparates no livro de Pauwels
e Bergier." Eis o que dirão. Mas se tiver sido este livro a provocar
a curiosidade de aprofundar o assunto, o nosso fim terá
sido atingido.
Poderíamos escrever, como Fulcanelli ao tentar esclarecer e
descrever o mistério das catedrais: "Deixamos ao leitor o cuidado
de estabelecer todas as comparações úteis, de coordenar as versões,
de isolar a verdade positiva combinada com a alegoria lendária
nestes fragmentos enigmáticos." Todavia, a nossa documentação
nada deve a sábios ocultos, a livros enterrados ou a arquivos
secretos. É vasta, mas acessível a todos. Para que não se tornasse
excessivamente pesada, evitámos multiplicar as referências,
as notas no final das páginas, as indicações bibliográficas, etc. Por
vezes servimo-nos de imagens e alegorias, preocupados com a
eficácia e não por gosto pelo mistério, tão vivo nos esotéricos que
nos faz pensar neste diálogo dos Irmãos Marx:
"Olha, há um tesouro na casa ao lado.
- Mas não há casa alguma aqui ao lado.
- Então construiremos uma!"
*
Este livro, como já disse, deve muito a Jacques Bergier. Não
apenas na sua teoria geral, que é o fruto de uma comunhão das
nossas ideias, como ainda na documentação. Todos aqueles que
se aproximaram deste homem de memória sobre-humana,
de curiosidade voraz e - o que é ainda mais raro - com uma
permanente presença de espírito, acreditar-me-ão facilmente se
eu disser que num lustro Bergier fez-me ganhar vinte anos de
leitura activa. Nesse cérebro poderoso há uma formidável biblioteca
sempre em serviço; a escolha, a classificação, as conexões
mais complexas estabelecem-se à velocidade electrónica. O espectáculo
dessa inteligência em movimento jamais deixou de provocar
em mim uma exaltação das faculdades sem a qual concepção
e a redacção deste trabalho me teriam sido impossíveis.
Num escritório da Rua de Berri que um grande impressor
pusera generosamente à nossa disposição, reunimos uma quantidade
de livros, revistas, relatos, jornais em todas as línguas, e uma
secretária dactilografou centenas de páginas de notas, de citações,
de traduções de reflexões que nós lhe ditámos. Em minha casa, no
Mesnil-le-Roi, prosseguíamos todos os domingos a nossa conversa,
entrecortada por leituras, e eu anotava por escrito, na própria
noite, o essencial das nossas palavras, as ideias que delas tinham
surgido, as novas direcções sugeridas pelas pesquisas. Todos
os dias, durante cinco anos, me sentei à secretária logo de madrugada,
porque mais tarde esperavam-me longas horas de trabalho
exterior. Sendo as coisas como são neste mundo a que não queremos
fugir, a questão do tempo é uma questão de energia. Mas
ter-nos-iam sido necessários mais dez anos, muito dinheiro e
uma numerosa equipa para podermos iniciar com êxito a nossa
empresa. O que desejaríamos, se um dia pudéssemos dispor de
algum dinheiro, arranjado aqui e além, era criar e dar vida a uma
espécie de instituto onde os estudos, esboçados neste livro
fossem continuados. Desejo que estas páginas nos auxiliem nesse
sentido, se acaso têm algum valor. Como diz Chesterton, "a ideia
que não procura tornar-se palavra é uma ideia inútil, e a palavra
que não procura tornar-se acção é uma palavra inútil".
Por diversas razões, as actividades exteriores de Bergier são
numerosas; As minhas também, e de certa amplidão. Mas na
minha infância vi pessoas morrerem de trabalho. "Como consegue
fazer tudo o que faz?" Não sei, mas poderia responder pelas
palavras do Zen: "Caminho a pé e no entanto estou sentado
sobre o dorso de um boi."
Inúmeras dificuldades, solicitações e incómodos de toda a
espécie surgiram inopinadamente, chegando a fazer-me desesperar.
Detesto a figura do criador grotescamente indiferente a
tudo o que não seja a sua obra. Anima-me um amor mais vasto
e a pequenez em,amor, mesmo que o preço seja uma bela obra
parece-me uma contorção indigna. Mas devem compreender que
nestas disposições, na confusão de uma vida largamente participante,
corremos o risco do afogamento. Ajudou-me um pensamento
de Vicente de Paula: "Os grandes propósitos são sempre
atravessados por diversos obstáculos e dificuldades. A carne e
o sangue dirão que é necessário abandonar a missão, evitemos
portanto dar-lhes ouvidos. Deus jamais altera aquilo que uma
vez decidiu, seja o que for que de contrário nos aconteça."
*
Naquele curso complementar de Juvisy, que evoquei no início
deste prefácio, deram-nos um dia para comentar a frase de
!V'tgny: "Uma vida plena é um sonho de adolescente realizado
na idade madura." Então eu sonhava aprofundar e honrar a
filosofia de meu pai, que era uma filosofia do progresso. É, após
bastantes fugas, oposições e desvios, o que tento fazer. Que a
minha luta conceda paz às suas cinzas! Às suas cinzas hoje dispersas,
como ele desejava, pensando, como eu penso também,
que "a matéria talvez não seja mais do que uma das máscaras
entre todas as máscaras usadas pelo Grande Rosto".
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