Antes de abordar o livro, quero realçar a enorme surpresa que foi para mim a escrita de Fernando Dacosta, romancista, dramaturgo e jornalista, autor de várias obras, mas que nunca me despertou o interesse. No entanto surpreendeu-me a enorme simplicidade e objectividade da sua escrita, a clareza de raciocínio, a forma poética que emprega ao texto, ainda por mais sendo este uma narrativa e o tom neutro como aborda toda a obra, nunca julgando, nunca comentado, apresentando apenas factos.
Em as “Máscaras de Salazar”, Dacosta apresenta-nos o homem por detrás do político, aquela figura austera que ficou para a História. Salazar enquanto jovem estudante, a forma como entra na política, os seus anseios e desejos, o que o move, as suas ideologias, a forma de estar e ver a vida.
Salazar surge no comando do governo sem que ele saiba bem como e vê nisso um género de demanda, um sinal. É ele a salvação do país, por isso resolve consagrar e sacrificar a sua vida pessoal em prol de uma nação, de um império.
Surge-nos assim um homem com defeitos e virtudes, um homem que acredita no esoterismo, na astrologia, pouco religioso (achei isso curiosíssimo) embora tenha em Cerejeira um dos seus amigos e confidentes mais próximos, um homem que não apreciava jantares, ajuntamentos, que apreciava coisas simples e que, inclusive, pagava a renda de S.Bento com o seu próprio dinheiro. Uma figura muito distante do Salazar figura do regime.
Importa aqui referir que conheço pouco de Salazar e da sua obra. Ele é sempre apresentado como um ditador que, escondido em S.Bento, construiu toda uma rede tal Big Brother que a todos vigiava.
Isso até pode ter muito de verdade e Dacosta não o sonega, mas há de realçar que existiu também o homem Salazar, que tinha sentimentos, gostos, humores. Um ser humano e este livro não só o faz como ainda vai mais longe, ouve, osculta aqueles que mais próximo estiveram de Salazar: amigos de infância, políticos, simples pessoas que o conheceram e sobretudo D. Maria, a governanta que sempre o acompanhou.
Dacosta aborda assim os cerca de 40 anos do seu governo, as guerras que assolaram esse período, os interesses com as outras nações, a P.I.D.E., a oposição e a forma como sempre procurou defender os interesses de Portugal, indo até contra os interesses do Vaticano. Sobre o Vaticano é interessante o desvendar do 3º segredo de Fátima, segredo esse que provavelmente até tem a ver com Portugal. A forma como se relacionava com outros políticos e figuras que se cruzaram com ele, tanto política, como cultural e socialmente: Júlio Dantas, Gen. Costa Gomes, Ge, Humberto Delgado, Amélia Rey Colaço, Natália Correia, Salgado Zenha, Mário Soares, Aquilino Ribeiro, Duarte Pacheco e tantos outros.
E, entre várias curiosidades, ouve uma que me chamou especial atenção. Salazar, que tinha na sua governanta uma amiga e uma confidente (más línguas diziam que até algo mais), confidencia-lhe por várias vezes do porquê da necessidade de defender os territórios ultramarinos. Ele achava que Portugal sem esses territórios ficaria um país minúsculo e sem qualquer tipo de influência, um país que ficava assim sujeito a outras nações acabando por morrer. Ele tinha esse receio e, digo eu, era um visionário.
Um homem que não gostava do comunismo nem dos americanos que, dizia ele serem apologistas de uma política que visava o domínio das outras nações, muito pior que o próprio comunismo... e isso proferia ele na década de 60.
Em suma, um pequeno livro que se revelou numa obra de uma enorme extensão sobre Salazar, o seu regime e Portugal.
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