domingo, 2 de março de 2008

Leetspeak: Viciados em Livros

Leetspeak: Viciados em Livros

Eles formam uma verdadeira legião, defendem a livre distribuição do conhecimento e o modelo copyleft (um trocadilho com o termo copyright que, traduzido literalmente, significa “direitos de cópia”). Acreditam, como vários autores, que o compartilhamento gratuito de livros digitais age como fator de propaganda e incentiva a venda de cópias em papel. O grupo Viciados em Livros chegou à internet em 2006 e conta atualmente com cerca de 20.000 inscritos. Lancelot é um de seus moderadores e conversa com o Leetspeak sobre a história do movimento de compartilhamento de livros digitais no Brasil, a relação (nem sempre conflituosa) do grupo com autores e editoras, e sobre a tradução e digitalização de livros ainda inéditos no Brasil.


Por C. S. Soares

A distribuição gratuita de e-books canibaliza ou aumenta a venda dos livros impressos? Os ponto de vistas são diversos, e a discussão avança em diversas direções. Nos últimos meses, acontecimentos significativos esquentaram a polêmica a respeito da distribuição de livros em uma sociedade cada vez mais baseada na rede (e que consome cada vez mais através dela)

No final de 2007, o Ministério da Cultura iniciou o Fórum Nacional de Direito Autoral que pretende debater, durante o ano de 2008, a situação atual do direito autoral em nosso País com o objetivo de subsidiar a revisão da formulação da política autoral buscando aprimorar cada vez mais a discussão pública, potencializando a participação da sociedade.

A Lei dos direitos autorais (n.º 9.610 de 19 de fevereiro de 1998) proíbe a reprodução ou distribuição (com exceção de pequenos trechos) de uma obra sem a autorização do autor (através de licenças públicas como o Creative Commons, por exemplo) ou que não esteja em domínio público.

Como já disse, é uma discussão (interminável) que avança em diversas direções. Tomemos como exemplo, o mercado musical. Em termos gerais, a palavra “pirataria” não esgota o movimento que leva uma geração dos melhores clientes da indústria fonográfica (leia-se, fãs adolescentes) a abandonar as lojas de discos nos últimos anos.

É claro que foram contundentes os efeitos combinados de programas como o Napster e outras tecnologias de troca de arquivos on-line, de um lado, os CDs regraváveis, de outro, que fomentaram uma economia subterrânea de qualquer música, a qualquer hora, de graça.

No entanto, embora a tecnologia tenha desencadeado essa “fuga” de clientes, ela não se limita apenas a criar as condições para que os aficionados fujam das caixas registradoras. Através da tecnologia, passa a estar disponível toda uma variedade de ofertas em termos do que pode se ouvir. As redes de trocas de arquivos oferecem mais músicas do que qualquer loja de CD. Um fenômeno semelhante ocorre com os filmes. O mesmo começa a ganhar força em relação aos livros.

O Random House Publishing Group começa a vender capítulos avulsos. Em maio de 2007, Bill Gates antecipou que a leitura será completamente on-line. Leremos tudo on-line e essa leitura incorporará novos recursos. Escritores e editores também sofrerão impactos em suas atividades. A Adobe lançou o Digital Editions, uma aplicação que lê vários formatos de arquivos (PDF, XHTML, SWF, etc.), incorpora novos modelos de aquisição, organização e leitura de e-books e inclui o ADEPT, tecnologia de proteção dos direitos de autoria sobre conteúdos hospedados na internet.

A Amazon lançou o Kindle, leitor de e-books, jornais e outros documentos on-line, Seus usuários acessam, por conexão wireless, a base de livros da Amazon, com cerca de 90.000 títulos. Jeff Bezos, CEO da Amazon, considera o Kindle, mais do que um produto, um serviço.

E a distribuição gratuita cópias digitalizadas de um livro pode ajudar a aumentar as vendas da sua versão em papel? Há duas semanas, o Clube do Livro de Oprah Winfrey distribuiu gratuitamente cerca de 1 milhão de e-Books em 33 horas de acesso liberado. A estratégia fez aumentar a venda dos p-Books (livros de papel). Recentemente, a HarperCollins Publishers também começou a oferecer acesso grátis às edições eletrônicas de alguns dos seus livros em seu website. Em janeiro, o escritor Paulo Coelho, em seu Keynote Speech na DLD08 (Digital, Life, Design 2008), informou como a oferta de conteúdo grátis na internet ajudou a aumentar a venda de seus livros na Rússia (a partir de seu próprio blog, Paulo oferece acesso gratuito a versões digitalizadas de seu livros).

Por que isso acontece? Uma explicação muitas vezes repetida e mais ou menos aceita é a de que, no estágio atual do desenvolvimento da tecnologia dos e-readers (notebooks e desktops também), ainda é difícil ler um livro nesses dispositivos. Logo, as pessoas começam a imprimir suas próprias cópias e, se gostam do livro, depois da trigésima página, acabam comprando o livro.

Entretanto, quando começam a surgir na imprensa, notícias como a do hacker conseguiu cópias digitais do sétimo livro da série criada por J.K. Rowling, Harry Potter and the Deathly Hallows, invadindo um computador da Bloomsbury Publishing, poucas semanas antes do lançamento mundial do livro e (essa no Brasil) a de um grupo de internautas que se uniram para traduzir o livro de J. K. Rowling em apenas 3 dias, parece que a questão é maior do que pensamos.

Os Viciados em Livros e o Digital Sources fazem parte de um movimento que, no Brasil, merece um estudo maior. Os grupos alcançaram a marca de 1.231 e-book preparados voluntariamente e disponíveis na internet.

Vamos tentar entender um pouco mais desse movimento conversando com Lancelot, moderador do grupo Viciados em Livros, que conta atualmente com 20.000 associados.

PONTOLIT: Estou escrevendo um artigo sobre o compartilhamento de livros digitalizados através da internet. Há poucos meses, por ocasião do lançamento do Harry Potter 7, me questionei se, em tempos de internet, os livros impressos, na iminência de a qualquer momento serem disponibilizados na internet, talvez já não passassem a ser nada mais do que uma commodity. Em contrapartida, as vendas antecipadas do livro em sites como os da Amazon e Barnes & Nobel, bateram todos os recordes. É possível que esteja nascendo um lucrativo mercado futuro de livros (aos moldes do de ações). Mas, especificamente em relação ao Digital Source, como vocês se posicionam em relação às discussões em torno do copyright relativo às obras?

A resposta, educada, chegou à minha inbox alguns dias depois.

VICIADOS EM LIVROS: Desculpe a demora em responder, mas essa conta raramente é acessada, nós a utilizamos apenas para enviar os livros, quando quiser entrar em contato conosco por favor escreva para o e-mail da moderação do grupo, ok? Estive visitando seu blog e achei o conteúdo muito interessante, pretendo inclusive reproduzir algumas matérias em nosso site se você autorizar, claro e aproveito para deixar-lhe um convite para uma visita. Nosso endereço na net é www.viciadosemlivros.com.br.

Bem… em relação a sua pergunta, desde o surgimento dos grupos de compartilhamento defendemos a distribuição livre do conhecimento. Acreditamos, assim como vários autores, que o compartilhamento ao invés de prejudicar a comercialização acaba agindo como fator de propaganda e incentiva a venda de cópias em papel. Em pesquisa realizada em nosso grupo original (viciados em livros) é unânime a preferência pelos livros em papel e os livros digitais são procurados basicamente como alternativa aos altos preços e ao desinteresse das editoras em reeditarem obras que ainda possuem grande interesse pelo público. Enfim, acreditamos que o melhor caminho seria a adoção do modelo Copyleft e que autores como Paulo Coelho e outros que liberam suas obras para livre distribuição já perceberam essa tendência e estão na vanguarda de um movimento que tende a alterar o modelo atual.

Vi a seção e li a entrevista com o Sérgio Sant’Anna justamente por estar ligada ao meio que atuamos, realmente a internet é um meio transformador, e um grande meio de divulgação e liberdade para os autores que se arriscam nela. Fique à vontade para reproduzir lá o que conversarmos, mas gostaria que você recebesse também a posição dos outros moderadores que nos lêem por cópia, assim teria uma visão mais completa de nosso pensamento.

Nós distribuímos os livros preparados pelo Digital Source em 16 grupos e outros 3 fóruns espalhados pela internet, levando em consideração apenas o número de associados desses espaços temos um público de cerca de 100.000 pessoas e à partir delas perdemos totalmente a noção de onde chegamos, sendo comum recebermos pedidos de associação de pessoas de outras nacionalidades. Para os autores o potencial é imenso!

PL: Reproduza à vontade o conteúdo do nosso blog. Em relação ao meu livro, envie-me o seu endereço, que, com o maior prazer, eu lhe envio. Depois me passe o link que eu coloco no Pontolit.

VL: Para o próximo fim de semana pretendo reproduzir algumas matérias em nosso site, quanto ao livro pode enviá-lo diretamente para o e-mail da moderação que enviamos para os grupos. Muito obrigado pelo oferecimento.

PL: Há quanto tempo já existe o movimento Viciados em Livros? Quantos já participam?

VL: O movimento de compartilhamento de e-book no Brasil é bem antigo, embora só esteja alcançando um público maior agora com a popularização da internet. Os precursores desse movimento iniciaram nas salas de IRC no final dos anos 90, particularmente comecei a acompanhar os grupos em 2000 através de um Newsletter do UOL relacionado a e-book.

Os primeiros e-book foram produzidos com a intenção de facilitar o acesso a literatura aos Deficientes Visuais, que por legislação são autorizados a digitalizar qualquer livro livremente, nessas obras eram comuns os erros de OCR, a falta de formatação dos textos e também a inexistência de imagens. Ainda hoje são encontradas cópias dessas obras circulando pela internet.

Em seguida as salas de IRC e às Newsletters os grupos migraram para os serviços de grupos do Yahoo e aos sistemas de fóruns, no Yahoo existiram vários grupos que eram apagados freqüentemente, posso citar vários de que participei e fui moderador: Adoramos Ler (esse evoluiu do IRC era moderado pelo Thanthalas que atualmente está afastado), Troca de Livros, Troca de E-book, Arca Literária, Papiros Virtuais entre muitos outros. Para os fóruns o mais antigo ainda em atividade é o PDL – Projeto Democratização da Leitura que atualmente possui cerca de 60.000 cadastrados.

O próximo passo foi a migração para o Google Groups que é muito mais estável e por esse motivo permite que os grupos se tornem mais populares e cresçam mais, no caso do Viciados em Livros nós o criamos no final Janeiro de 2006 e atualmente estamos com 20.000 associados.

Voltando um pouquinho, o Digital Source foi criado em Maio de 2006 pela mesma equipe do Viciados em Livros com a intenção de estabelecer um padrão de qualidade para os livros digitalizados, revisando os existentes e garantindo a qualidade daqueles que seriam preparados. Outra de nossas metas era garantir um fluxo constante de obras chegando a todos os grupos, eliminando a exclusividade que era comum entre os grupos e tentando realmente popularizar o conhecimento. Sem falsa modéstia acho que conseguimos, alcançamos a marca de 1231 e-book preparados voluntariamente e entregues pela nossa equipe, além de forçarmos a mudança do padrão das obras preparadas agora.

PL: Como as pessoas podem acessar os livros digitais?

VL: Todos os livros estão armazenados em discos virtuais gratuitos e indexamos as obras através do site do Viciados em Livros e do nosso blog.

PL: Algum autor já disponibilizou por conta própria o seu livro no seu site?

VL: Alguns autores já nos enviaram seus livros para divulgação, alguns anonimamente por receio de represálias das editoras, outros abertamente. Posso citar: Arthur de Carvalho, A. Del’Mário Sampaio, Clea Goes, Hugo Máximo, entre outros.

PL: Vocês já sofreram alguma represaria de editoras?

LV: Já recebemos pedidos educados, ameaças veladas e ameaças declaradas por parte de autores e editores, em todos os casos optamos por retirar a obra de nosso acervo, alertar os associados do grupo para que não distribuam mais os livros em questão e comunicar à pessoa que entrou em contato conosco as providências tomadas. Os mais intransigentes nesses casos são a Editora Madras, a Editora Perspectiva, a Editora COC e a detentora dos direitos do livro The Secret – TS Production LLC que nos notificaram judicialmente sobre alguns dos seus livros.

PL: Quais os possíveis novos projetos que vocês imaginam para o Viciados em Livros, por exemplo, vocês pretendem realizar tradução de livros estrangeiros ainda inéditos no Brasil?

VL: Um dos objetivos do Digital Source é também traduzir livros inéditos, produzimos algumas obras assim, mas esbarramos na escassez de pessoas dispostas a encarar esse tipo de trabalho devido às dificuldades lingüísticas e pelo investimento de tempo muito grande. Mesmo assim distribuímos alguns livros inéditos no Brasil: Christopher Paolini - Eragon e Eldest (entregamos os 2 livros cerca de 1 ano da distribuição brasileira), Nora Roberts - Mithra 3 - Estrela Secreta, Roger Zelazny - Caminho dos Condenados, Richard Matheson - Eu Sou a Lenda, Mario Vargas Llosa - A Guerra do Fim do Mundo, Umberto Eco e Carlo Maria Martini - Em que crêem os que não crêem?, Brian Herbert & Kevin J. Anderson - Lendas de Duna 1 - O Jihad Butleriano, Aldous Huxley - Os Demônios de Loudun. Esses são alguns que me lembrei agora, temos outros em preparação mas sem data prevista de lançamento.

Em tempo: o Viciados em Livros (Digital Source) possui 5 moderadores. A entrevista foi realizada por e-mail. O espaço esteve aberto para conhecermos as opiniões de todos. Até o momento em que fechamos nosso artigo, recebemos as considerações de Lancelot. O espaço continua aberto aos outros moderadores para quaisquer outros aspectos que achem importante serem informados. Muito obrigado a Lancelot e a todos os outros moderadores do Viciados em Livros por compartilhar conosco sua visão.

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