sábado, 10 de janeiro de 2009

Como cheguei à Verdade, de Maria de Oliveira

TRECHO:
Prefácio
São conhecidas dos estudiosos e militantes da Doutrina as circunstâncias em que vieram à Terra Luiz de Mattos e seu companheiro Luiz Thomaz, para implantar o grande movimento espiritualista iniciado por Jesus, há quase dois milênios, conhecido pelo nome de Racionalismo Cristão.
Luiz de Mattos e Luiz Thomaz nasceram em Portugal, como todos sabem, e, ainda meninos, vieram para o Brasil. Por que não permaneceram na terra natal para lançar ali a Doutrina, como fizeram no Brasil? A resposta é óbvia: em Portugal, dominado pelo clero romano, esse lançamento teria sido muito mais difícil, senão mesmo impossível.
Há alguns anos atrás, as Casas Racionalistas Cristãs existentes na Metrópole (Portugal) e na África Portuguesa (ex-colônias portuguesas na África) foram mandadas fechar pela polícia do governo luso, sem qualquer justificação. E não se limitaram as autoridades a esse ato de violência: pressionadas pela Igreja, proibiram a entrada das obras editadas pelo Centro Redentor em todo o território português.
Portugal – e este registro é feito mais com tristeza do que revolta – foi o único país deste mundo turbulento a proscrever a circulação das obras racionalistas cristãs, a despeito do interesse que deveria ter o próprio governo luso de difundi-las, pelos seus ensinamentos espiritualizadores e regeneradores que, rompendo cadeias e grilhões e possibilitando largar muletas mentais, libertam os seres humanos de vícios e fraquezas.
Diante disso, poderia Luiz de Mattos, em Portugal, dizer as verdades que disse no Brasil, com tamanha franqueza e destemor, em conferências, jornais e nas sessões públicas de limpeza psíquica realizadas no Centro Redentor?
A Razão, por ele fundado, que se tornou um dos jornais diários mais prestigiosos e de maior circulação no Brasil, acaso poderia ter sido editado em Lisboa? Já imaginaram a reação que provocaria o livro Cartas ao Cardeal Arcoverde, se publicado em Portugal com o título “Cartas ao Cardeal Cerejeira”?
A implantação do Racionalismo Cristão neste planeta-escola foi traçada no Espaço Superior, obedecendo a um esquema que vem sendo cumprido pelos valorosos espíritos que têm vindo voluntariamente à Terra, e continuarão a vir para levar a Doutrina a todas as regiões do globo onde existam criaturas humanas para serem esclarecidas.
Maria de Oliveira – não há dúvida – foi o instrumento escolhido pelo Astral Superior para difundir a Doutrina na África Portuguesa, de onde ela se irradiará, a seu tempo, por todo o continente africano. Observe-se, a propósito, este detalhe interessante: foi em 1910, quando a autora deste livro tinha vinte anos, que Luiz de Mattos e Luiz Thomaz iniciaram a árdua tarefa de lançar as primeiras sementes do Racionalismo Cristão. Em 1912, era inaugurado o edifício próprio do Centro Redentor, na então capital do Brasil, época em que Maria de Oliveira estaria partindo para Luanda, capital de Angola.
A exemplo dos fundadores da Doutrina, também ela veio ao mundo em uma linda parcela de Portugal, denominada Ovar, no dia 24 de dezembro de 1890 – trinta e um anos depois, portanto, da encarnação do Mestre Luiz de Mattos.
É ela mesma quem informa:
“Meus pais, modestos e honrados lavradores, de elevada formação moral e espiritual, criaram e educaram, de acordo com as suas posses, onze filhos, os quais, aos olhos de toda a vizinhança, eram um exemplo em obediência, moral e respeito pelo próximo.”
Ao contrário de Luiz de Mattos e Luiz Thomaz, que partiram para o Brasil ainda meninos, Maria de Oliveira somente depois de casada foi criando em seu espírito, sob a influência das melhores intuições (no que era acompanhada pelo marido), uma vontade confiante de conhecer outras terras e outras gentes; e a concretização dessa vontade foi facilitada (de onde se deduz que o pensamento é tudo e conforme se pensa assim se atrai) com a oferta ao esposo de um emprego de maquinista numa fábrica de moagem (moinho de cereais), em Luanda.
Há, ainda, um episódio curioso a assinalar: Maria de Oliveira era, desde menina, médium vidente e auditivo. Aos sete anos, toda gente a admirava pela grande energia e compreensão das coisas, a tal ponto que o pai, a despeito da pouca idade, lhe confiara a tarefa de superintender a alimentação e a acomodação do gado no estábulo.
Certo dia – conta ela – como habitualmente fazia, antes de deitar-se, foi ao estábulo verificar se o gado estava recolhido e a porta fechada. Entrou, viu que tudo se encontrava em perfeita ordem e voltou, satisfeita, para casa.
Seu pai, que era também médium vidente, ao regressar da casa de uns parentes, quando a família já repousava, foi surpreendido com um dos bois, apelidado de “Pinto”, em grande fúria, devastando a horta. Aterrorizado, começou a gritar, tentando, em vão, afugentar o animal. Ao ouvir os gritos do pai, a pequena Maria saltou da cama e correu ao seu encontro, ficando surpreendida ao deparar com o boi, sempre tão manso, tão pacífico, arrasando a horta, indiferente às exclamações e ameaças do dono.
Censurando a filha, em termos ásperos, por haver deixado a porta do estábulo aberta, para lá se encaminhou com ela para ver se o gado restante havia também fugido, e qual não foi a surpresa de ambos ao constatarem, boquiabertos, que não só a porta do estábulo estava fechada, como todo o gado, sem excluir o boi “Pinto”, se achava, pachorrento e sossegado, nos mesmos lugares em que a menina os havia deixado.
Pela primeira vez na vida, via a pequena Maria o pai chorar com ela no colo, como que a lhe pedir perdão por haver perdido o controle e tê-la tratado, contra os seus hábitos, rudemente. Como é fácil compreender, a cena do boi “Pinto” e da devastação da horta foi engendrada pelo astral inferior, para perturbar o pai e a filha.
* * *
Maria de Oliveira começou a praticar a Doutrina de Luiz de Mattos antes mesmo de ter ouvido falar no Racionalismo Cristão. As normas de conduta e os princípios morais do Racionalismo Cristão eram inatos em seu espírito, tanto que os começou a revelar desde os primeiros anos de nascida, tornando-se, por isso, por todos estimada.
Poucas pessoas suportariam, sem chegar ao desespero, as tremendas lutas e privações que a autora se viu obrigada a enfrentar em Luanda.
Com as relações de amizade que fizera o casal, durante os dois anos que passou naquela cidade, não foi difícil ao seu marido conseguir a empreitada das obras de construção da estrada de ferro de Moçâmedes.
É fácil imaginar o que foram obrigados a enfrentar numa região inóspita e doentia, infestada de mosquitos e animais selvagens, com o gentio (os nativos, os nascidos no local) se revoltando contra os brancos. A habitação era em palhoças, como, de resto, a de todos os trabalhadores, que iam sendo abandonadas e substituídas por outras iguais, à medida que a área de trabalho se tornava distante.
Numa das lutas travadas, viu-se Maria de Oliveira obrigada a improvisar um hospital para socorrer os feridos, sem estabelecer qualquer distinção entre negros e brancos, tratando uns e outros com o mesmo desvelado carinho. Por isso, todos lhe tributavam grande estima e respeito.
Terminada a empreitada, e com os recursos obtidos, resolveu o casal dedicar-se ao comércio e à indústria, começando com um estabelecimento comercial misto, acrescentando, depois, um hotel, uma fábrica de gelo e outra de moagem.
Os negócios prosperavam além da expectativa, e marido e mulher se sentiam tranqüilos, com relação ao futuro. Uma violenta tempestade, porém, desaba sobre o casal, destruindo, do dia para a noite, não apenas os laços familiares, mas todos os bens que haviam acumulado com tanto trabalho e sacrifício.
O marido de Maria de Oliveira, que sempre se revelara um homem de excelente formação moral, honrado, comedido nos gastos, econômico mesmo e exemplar esposo e pai, tornou-se um grande perdulário, revelando inteiro desinteresse pela administração dos negócios e conduzindo-se de maneira estranha.
Tudo havia hipotecado, com a desculpa à esposa de que o produto das hipotecas estava sendo empregado na ampliação da rede de estabelecimentos comerciais, em pontos rendosos. Na realidade – e isso ela somente descobriu quando nada mais possuíam, nem mesmo um simples barraco para morar – o seu marido se tornara um viciado no jogo, cuja voragem consumira, da noite para o dia, todo o respeitável patrimônio que possuíam.
Quando Maria de Oliveira abriu os olhos para a realidade, viu-se na mais extrema miséria. Ela bem que recebia fortes intuições do Astral Superior de que algo ia mal em seu lar. O fato, porém, de haver sido, antes de viciar-se no jogo – coisa desconhecida – um homem de irrepreensível conduta, a tranqüilizava.
Desgraçadamente, o vício o levara à perda completa de caráter. Passou a mentir, a contrair dívidas com pessoas conhecidas, indo logo jogar o que conseguia obter através de expedientes de toda ordem, sempre desonestos. Quando viu que ninguém mais o levava a sério e que as fontes onde poderia obter dinheiro estavam todas secas retirou-se para o interior, não antes de prometer à esposa que de lá lhe mandaria o numerário preciso para a sua manutenção e da filha, o que nunca cumpriu.
A luta travada por Maria de Oliveira para o seu sustento e o da filha tem lances que se constituem numa verdadeira epopéia. Do muito que possuía, restou-lhe a máquina de costura, com a qual passou a ganhar o que ela chamava, com muita propriedade, “o pão de cada dia”. Mas, até esse único recurso que lhe ficara, acabou perdendo.
Abusando da confiança de uma antiga criada que se havia casado e deixado o emprego, o antigo patrão a procurou, antes de abandonar a cidade, e na ausência do marido, pediu-lhe emprestados três contos e quinhentos (escudos, moeda portuguesa na época), por determinado prazo. A ex-empregada, que o conhecia como um homem de bem e ignorava a transformação operada em seu caráter, não hesitou em emprestar-lhe a quantia pedida, retirada das parcas economias do casal. Vencido o prazo da dívida, foi ao encontro da antiga
patroa, dando-lhe a conhecer, derramada em lágrimas, a cena do empréstimo e os maus-tratos que vinha recebendo do marido, por havê-lo feito sem a sua autorização.
Cheia de vergonha, Maria de Oliveira não pensou duas vezes: entre o seu sofrimento e o da fiel ex-criada, preferiu, ela própria, sofrer e, num gesto de grande dignidade, escreveu ao marido desta um bilhete pondo à sua disposição o único bem que possuía, a preciosa máquina de costura, da qual se desfez com a alma em pranto.
Deixemos, porém, que o leitor acompanhe, através da narração da própria autora, a luta titânica que teve que travar para não sucumbir pela fome. É fora de dúvida, no entanto – e em tudo o que escreveu ela fez questão de ressaltar –, que em momento algum a sua confiança nas Forças do Bem, a quem sempre elevou o pensamento nos momentos mais cruciantes da sua vida, sofreu o menor abalo.
* * *
Maria de Oliveira divulgou, por largo espaço de tempo, os princípios do Racionalismo Cristão, sem nunca ter ouvido falar no Centro Redentor. E o fazia com absoluta confiança nas Forças do Bem, que são exatamente os mesmos Espíritos de Luz, Forças Superiores ou Astral Superior a que o Racionalismo Cristão faz larga referência em suas obras. Ao Grande Foco, ela chamava Grande Luz, o que significa a mesma coisa.
Somente em 1933, emprestado por um senhor Morais, chegado de Cabo Verde, teve a felicidade de pôr os olhos no livro que então se denominava Espiritismo Racional e Científico (Cristão), hoje intitulado Racionalismo Cristão. Observe-se com que alegria e entusiasmo ela se refere a esse fato, na conclusão do seu livro:
“Descrente de tudo quanto li, ouvi e ensinavam, cheguei a verberar a inteligência no que concerne à alma e à sua origem. Mas eis que me chega às mãos o gigantesco fanal de luz que me tirava das trevas da ignorância, o livro Racionalismo Cristão.
“Com que júbilo e consolação li e reli tamanha riqueza espiritual!”
Passou, então, a disciplinar as faculdades mediúnicas de acordo com a orientação contida na obra esclarecedora que lhe chegara às mãos.
Um dia, batem-lhe à porta. Era um grupo acompanhando uma louca que, há sete meses, não deixava ninguém dormir em casa. Quis recusar-se a atender. Nas obras editadas pelo Centro Redentor, aprendera que as atividades espirituais não devem ser praticadas no lar, mas nas Casas Racionalistas Cristãs, em sessões públicas de limpeza psíquica, dentro dos horários disciplinares.
“Ouvi-os com bastante sofrimento – esclarece – mas disse-lhes que sozinha não lhes podia valer, pois era contra os princípios. Nessa altura, fui envolvida pela Luz, que me disse:
– Maria, tens que o fazer, e nada temas.”
E prossegue:
“Quando as Forças Superiores me falaram, compreendi que tinha de obedecer, vencendo todas as barreiras. Mandei-os sentar em roda, no meu quintal, sendo intuída para colocar a louca à minha direita, seguindo-se o marido, irmãos e cunhados.”
E continua:
“Fiz a limpeza psíquica, dando-lhe água fluidificada a beber e as irradiações para decorar, incutindo a todos a confiança no Astral Superior e recomendando que, se tornasse a ficar furiosa, lhe dessem uma caneca de água fluidificada, fazendo, ao mesmo tempo, as irradiações, e voltassem, no dia seguinte, à mesma hora. Com a terceira limpeza psíquica a doente estava completamente normalizada.”
Há fatos curiosíssimos narrados pela autora neste livro. Entre eles os desdobramentos conscientes durante o sono, em cumprimento de ordens que recebia do Astral Superior. Em alguns desses desdobramentos, o seu espírito se materializava, como aconteceu em um dos fenômenos por ela descritos, em que foi materializado pelo Astral Superior na figura de um dos ocupantes de um automóvel que rodava em uma picada, cujo capim alto encobria um grande despenhadeiro onde o veículo fatalmente se teria precipitado se o motor não tivesse sido impedido de funcionar pelo espírito materializado de Maria de Oliveira, a serviço do Astral Superior.
Maria de Oliveira conseguiu a proeza neste livro de que a maioria dos escritores não se pode jactar: conduzir o interesse do leitor para o texto através das dedicatórias que escreveu com inusitado calor, cada uma das quais constituindo um retrato fiel do seu próprio espírito extravasante de bondade e de imensurável amor pelo próximo, como quando socorreu e salvou o filho da mulher que a chamava de bruxa, sempre que passava em sua porta, e que passou, depois, a chamar de santa.
Não abusemos, por mais tempo, da paciência do leitor, e deixemo-lo mergulhar, para seu deleite e esclarecimento, nas sábias e oportunas lições que a autora oferece sobre o valor e a força do pensamento, por meio de cujo uso podem os seres humanos descer aos mais profundos abismos, onde somente desgraças e sofrimentos encontram, ou ascender aos altiplanos da vida, cumprindo as leis da evolução.
Joaquim Costa
Rio de Janeiro, outubro de 1976

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